É sem poupar críticas que o Tribunal de Contas (TdC) avalia as medidas implementadas pelo Ministério da Economia como resposta à pandemia e para recuperação da economia: informação incompleta que não promoveu a transparência e o escrutínio público; medidas para as quais “não foi demonstrada a eficácia” em alcançar os objetivos (nem em efetivamente recuperar a economia); execução financeira “insuficiente”, que ficou a 84% do orçamentado; uma estrutura que “não se revelou adequada” para monitorizar e controlar eficazmente as medidas.

As críticas constam num relatório publicado esta quinta-feira, onde o organismo liderado por José Tavares avalia se as políticas públicas implementadas para responder aos efeitos económicos da pandemia pelo Ministério da Economia, então liderado por Pedro Siza Vieira, foram adequadas para a recuperação. Para isso examinou as 24 medidas que foram identificadas pela tutela.

Para 22 dessas medidas, o Ministério de Siza Vieira assinalou cinco entidades como gestoras — a Autoridade de Gestão do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (10 medidas), Turismo de Portugal (4), IAPMEI (4), Banco de Fomento (3) e Turismo de Fundos (1). Mas o Tribunal de Contas verificou que 13 dessas medidas e as duas medidas sem entidade gestora “não tiveram execução financeira até 31/12/2021”, mesmo apesar de 16 das 24 medidas constarem do Programa de Estabilização Económica e Social, criado em resposta à pandemia e que vigorou até ao final de 2020.

O Tribunal de Contas considera que “não foram determinadas com rigor as necessidades decorrentes do impacto adverso da pandemia”, o que contribuiu para uma queda do PIB de 7,6% em 2020 “mais acentuada” do que na média da Zona Euro (6,6%).

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São várias as falhas apontadas. Desde logo a “insuficiente execução financeira” (84% do orçamentado), sendo que só sete medidas tiveram meta previamente definida e apenas uma a atingiu. Já 15 “não apresentaram resultados e não foi demonstrada a eficácia das medidas em alcançar os seus objetivos, nem em recuperar a situação inicial (15 por falta de execução, 9 porque os seus indicadores não mediam o cumprimento dos seus objetivos e 23 por não ter sido reportada situação inicial)”.

Em resposta ao TdC, o Ministério argumentou que as decisões sobre políticas públicas aconteceram “em circunstâncias de elevada incerteza, complexidade e de rápida mudança”.

Em causa estão medidas como, por exemplo, o programa Adaptar (de apoio financeiro para ajudar as empresas a adaptarem os espaços e procedimentos aos requisitos decorrentes da pandemia), o apoio às microempresas do turismo, as linhas de crédito com garantia pública, o fundo de capitalização de empresas, a criação do Banco de Fomento ou o processo extraordinário de viabilização de empresas. Não está incluído o layoff simplificado, que foi da competência do ministério do Trabalho. A maioria do valor executado (82,6%) diz respeito a linhas de crédito com garantia pública.

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A entidade queixa-se de que a informação prestada sobre as medidas, tanto pelo ministério, como pelas entidades gestoras, “não foi completa, nem suficiente, não tendo promovido a responsabilização, a transparência e o escrutínio públicos, quanto à eficácia dessas medidas em atingir os seus objetivos e assegurar a recuperação do impacto adverso da pandemia na economia”.

São, de facto, apontadas diversas falhas à monitorização e ao controlo das medidas implementadas:

A estrutura existente não se revelou adequada para monitorizar e controlar eficazmente (de forma ativa e tempestiva) as medidas, identificando e quantificando a situação inicial (anterior à pandemia), o impacto adverso da pandemia, a reação a esse impacto adverso e a recuperação desse impacto, através da correspondência, para cada medida tomada, entre objetivo pretendido (expresso pela meta a atingir) e resultado obtido”.

O TdC critica, por exemplo, que o Ministério tenha, nalguns casos, recorrido a indicadores macroeconómicos, como a taxa de desemprego ou o número de insolvências, para “considerar demonstrada a eficácia” das medidas, em vez de fornecer dados sobre as próprias medidas.

Resposta foi desadequada. Banco de Fomento revelou-se “inútil” para cumprir o seu objetivo

São dados vários exemplos para sustentar a insuficiência e falta de fiabilidade da informação. Um deles é através da medida “APIA” (Acelerar o Pagamento de Incentivos incluindo Adiantamentos no âmbito do Portugal 2020), com o TdC a dizer que o ministério não deu informação sobre a meta e o resultado até ao final de 2020, o que é insuficiente para avaliar a eficácia da medida. Mais: os resultados fornecidos, até junho e setembro de 2020, são respetivamente, de 48% e 68% do resultado de 2019, o que “contraria o propósito de acelerar o pagamento dos incentivos em causa”.

Em contraditório, a resposta enviada ao TdC defendia que não é “razoável exigir meta para esta medida”, que é “totalmente desajustado comparar o resultado de uma medida de emergência em 2020 com o de situação de normalidade económica em 2019″ e que não estão incluídos os dados de janeiro e fevereiro de 2020. Mas o organismo liderado por José Tavares rebate ao dizer que foi o próprio Ministério a comparar o resultado de 2020 com o de 2019 para sustentar que o objetivo de aceleração foi cumprido e que não enviou a informação em falta nem explicou a omissão.

Já quanto ao Adaptar, o TdC nota que o resultado de 37 milhões de euros de execução financeira até 31 de dezembro de 2020 “só foi reportado em contraditório” (ou seja, após novo contacto com o TdC) e que a execução financeira ficou “aquém do previsto” (42 milhões).

Tribunal de Contas detetou falhas na fiscalização do layoff que “podem prejudicar” recuperação de apoios indevidos

A instituição que fiscaliza as contas do Estado denuncia ainda a existência de informação contraditória dada pelas diversas entidades. “Estas deficiências evidenciam que esta reação não estava a ser adequada para assegurar a recuperação da economia e confirmam a materialização como principais riscos das medidas indicadas: incompletude e insuficiência da informação reportada, insuficiente grau de execução das medidas; ineficácia das medidas”, lê-se.

Já sobre a criação do Banco de Fomento, o TdC observa que a medida tinha como objetivo melhorar as condições para o investimento das empresas, “mas não foram reportados indicador, meta, resultado, orçamento e execução para o efeito, pelo que, face ao reportado, se revelou inútil para cumprir o seu objetivo, até ao final de 2021“. Essa expressão (“inútil”) é usada para várias outras medidas.

O Tribunal de Contas identifica diversos riscos para o Estado, incluindo a “dimensão das responsabilidades contingentes assumidas” com as linhas de crédito de garantia pública, as previsões económicas de Bruxelas para Portugal no próximo ano, assim como o impacto da guerra na Ucrânia.

A instituição recomenda ao Governo que tenha uma “estrutura adequada para monitorizar e controlar eficazmente” as medidas da pandemia. É que as conclusões do TdC, argumenta a entidade, reforçam essa necessidade “não só para otimizar a recuperação desse impacto, mas também por contribuir para otimizar a reação ao impacto adverso” da guerra na economia portuguesa.

Ministério diz que valores orçamentados “devem ser tomados como uma estimativa”

Já depois da divulgação do relatório, o Ministério da Economia, agora liderado por António Costa Silva, reiterou, em comunicado, o “extraordinário grau de incerteza” que dificultou a produção de “previsões cientificamente fundamentadas” durante a pandemia e que a situação de emergência “obrigou à tomada de decisões no imediato”.

Além disso, defende que os valores orçamentados “devem ser tomados como uma estimativa, muitas vezes desenvolvida sem o desejável conhecimento sobre as diferentes variáveis, apenas estimáveis com prazos que impediriam a tomada de decisão que se impunha”.

“Precisamente por reconhecer estas circunstâncias, o Governo teve a capacidade, flexibilidade e humildade de adaptar as medidas inicialmente pensadas, reforçando-as orçamentalmente, sempre que necessário e possível, e reconfigurando-as sempre que tal se revelou adequado a bem da economia portuguesa”, lê-se ainda, no comunicado.

Artigo atualizado com comunicado do Ministério da Economia