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Christopher Furlong/Getty Images

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Tristeza não é depressão, depressão é não sentir nada

Não ter reação, não sentir a dor da perda, não sentir nada de nada, apenas uma culpa profunda. Estes podem ser sinais de uma depressão, especialmente se duram muito tempo.

Tristeza não é depressão, embora a prostração seja um dos estados comuns de quem sofre da doença. Assim, não podemos classificar todas as pessoas tristes como deprimidas, mas nem por isso os números da doença são menos preocupantes – há mais de 350 milhões de pessoas com depressão em todo o mundo, refere a Organização Mundial de Saúde.

A depressão é uma das doenças mais comuns em todo o mundo e uma das principais causas de incapacidade. As faltas ao trabalho, ou a presença não produtiva dos trabalhadores, significam perdas significativas para as empresas. Um impacto económico que chega aos 92 mil milhões de euros na Europa refere a Eutimia – Aliança Europeia Contra a Depressão em Portugal.

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Ulrich Hegerl é o presidente da Aliança Europeia Contra a Depressão. HUGO AMARAL/OBSERVADOR

Além do prejuízo económico, a doença tem elevados custos humanos: cerca de dois terços das pessoas que cometem suicídio sofrem de depressão, refere a Nature. Só no Reino Unido três quartos das pessoas com depressão nunca chegam a receber diagnóstico ou tratamento.

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“O problema é que muitas pessoas acham que a depressão não é uma verdadeira doença, que é uma reação às situações difíceis da vida”, diz ao Observador Ulrich Hegerl, presidente da direção da Aliança Europeia Contra a Depressão. Enquanto as pessoas não perceberem que isto é um problema real, o dinheiro para a investigação nesta área vai faltar, assim como os recursos para tratar as pessoas, afirma o psiquiatra.

“Como agravante, os doentes com depressão não se conseguem fazer ouvir, estão deprimidos, não se manifestam. Não têm esperança e culpam-se a si próprios. ‘Sou culpado. Fiz tudo errado na minha vida. Não mereço que outras pessoas tomem conta de mim. Sou um fardo’, estes são os pensamentos das pessoas com depressão.”

Muitas pessoas pensam que qualquer doença psicológica pode ser chamada de depressão, mas não é bem assim, pois não? O que é realmente a depressão?

Se eu tiver em consulta uma mulher que perdeu o marido, que tem uma doença somática grave, que tem de deixar a casa e que tem problemas com os filhos, é claro que esta mulher estará triste e desesperada, mas isto não é uma depressão.

Para saber se estou perante uma depressão ou não, procuro vários sintomas. Por exemplo, se há uma tendência para sentimentos de culpa. Isto é típico da depressão. Ela não culpa os filhos que não a visitam, mas culpa-se por ser uma má pessoa, por fazer as coisas erradas. Depois, as pessoas dizem que estão cansadas, não no sentido de ensonadas, mas no contrário – estão exaustas, devido a um estado de elevada excitação interior. E as pessoas dizem também que não são capazes de sentir nada, nem mesmo a dor de perder alguém. Em termos técnicos é a “sensação de não sentir nada”. É um estado específico em que não é visível nenhum tipo de sentimentos, nem alegria, nem raiva. É como se estivessem mortos por dentro.

Quando eu falo com uma destas pessoas, com uma depressão profunda, é sempre interessante perceber que durante uma conversa não há quaisquer movimentos ou expressões que seria normal vermos numa conversa com outra pessoa – movimentos para a frente e para trás, por exemplo. Apresentam o mesmo estado emocional o tempo todo.

Claro que precisamos ainda de observar outros sintomas e que estes se mantenham durante duas semanas, para que se cumpram os critérios de diagnóstico da depressão. São eles: estar abatido, ter perturbações na energia – não é falta de energia, mas inibição de energia, que quer dizer que há uma resistência ao movimento ou à fala, que é diferente de estar sonolento -, anedonia (incapacidade de sentir prazer, nem mesmo nas coisas mais felizes) e, claro, distúrbios de processos cerebrais. Pelo menos dois destes sintomas centrais têm de estar presentes durante duas semanas.

Mas há pessoas que, por vezes, se sentem assim durante alguns dias. Estão deprimidas?

Se alguma coisa muito má acontece, pode estar presente durante um período de tempo curto, mas não está presente durante duas semanas. E há outros sintomas que têm de manifestar-se, como problemas em dormir – quase todos os doentes com depressão os têm -, perda de apetite com frequente perda de peso, porque não sentem prazer em comer, problemas de concentração e de memória, o que leva as pessoas a pensarem que têm Alzheimer, sentimento de culpa e desespero.

Quando se tem uma depressão tem-se sempre a sensação que é um estado terrível e que não há escapatória, não se tem a sensação de que é um mau episódio que vai passar e que em poucos dias vai-se estar bem. A sensação de não haver escape, de não haver esperança, leva aos pensamentos sobre como se pode acabar com este estado terrível — aos pensamentos suicidas. É um risco permanente na depressão que as pessoas tenham comportamentos suicidas. A depressão é a maior causa de suicídios em todo o mundo.

Todas as pessoas com depressão têm este tipo de pensamentos?

Mesmo pessoas que não estejam com uma depressão, em momentos mais difíceis da vida, podem ter este tipo de pensamentos. Mas a maior parte das pessoas com depressão têm pensamentos destes [suicidas] e muitas desenvolvem impulsos neste sentido. Muitas assustam-se com estes impulsos e procuram um médico, porque começam a ter medo de se magoarem. Os pensamentos vêm subitamente, como estar perto de uma linha do comboio e pensar em saltar.

Qual a origem da depressão? É genética, ambiental, traumática ou tudo isto?

A definição de depressão é que é uma disfunção da mente e do corpo. Muitos doentes perguntam isso [qual a origem] e eu explico sempre com o exemplo da moeda que tem duas faces. Enquanto ser humano podemos observar a interação social: o que a pessoa está a dizer, qual a história da sua vida, que boas e más experiências teve antes. Neste nível de observação podemos detetar fatores que aumentam o risco de depressão no futuro. Por exemplo, os traumas e abusos nos primeiros anos de vida aumentam o risco de depressão no futuro.

Às vezes encontramos gatilhos para a depressão, como acontecimentos negativos. Às vezes mesmo acontecimentos positivos podem ser um gatilho, como entrar de férias. São as mudanças na constância da vida que podem desencadear a doença. Claro que podemos tratar este lado da moeda com psicoterapia.

Mas a moeda tem sempre outro lado, neste caso, interior – o que se passa no cérebro em termos biológicos. A genética, que influencia o risco de ficar doente, mudanças nos neurotransmissores e nos processos que ainda não foram completamente compreendidos – é muito complexo. Neste caso, pode tratar-se as mudanças nos neurotransmissores com antidepressivos. Não se trata de um tratamento em detrimento de outro, é um uso complementar.

Um dos grupos que vive eventos traumáticos, neste momento, são os refugiados. São um grupo de risco?

As estatísticas disponíveis em relação aos diagnósticos psiquiátricos demonstram que os distúrbios são principalmente afetivos. A prevalência de traumas também é mais elevada do que na população em geral, mas não tão alta como se pensa. Outro ponto é que, se viveram um evento traumático, devem poder ter um momento de segurança e coesão social, porque o tempo ajuda a curar. Devemos permitir-lhes que não tenham uns traumas atrás dos outros, mas que tenham um período de calma e segurança depois do evento traumático terminar. Este é, provavelmente, o fator mais importante para permitir [aos refugiados] ultrapassarem o trauma – o tempo. Há tratamentos para o stress pós-traumático, mas a eficácia não é tão boa quanto gostaríamos. Não existe nenhum comprimido que acabe com o trauma, portanto o tempo é importante. Em relação à depressão há muito bons tratamentos. Mesmo que as pessoas não se deem bem com um medicamento, podemos tentar outro e combiná-lo com psicoterapia.

Qualquer pessoa pode vir a sofrer de depressão?

Se tivermos uma predisposição genética, ou se sofremos um trauma na infância, existe um grande risco de vir a sofrer de depressão. E não precisam ser fatores externos fortes. Vê-se muitos casos que, da noite para o dia, podem passar da depressão para a excitação e, de repente, a euforia passa e volta a depressão. E sem nenhum motivo aparente.

Pode imaginar que, se tiver azar, cai numa depressão. E, depois, a depressão vai à procura dos aspetos mais negativos da vida – todos temos lados mesmo bons na vida – e estes aspetos negativos são ampliados, colocados no centro das atenções e a pessoa não vê mais nada que não estas situações. Claro que a pessoa depois pensa que a depressão é por causa destes eventos negativos, mas a maior parte das vezes não são a razão. Para quem tem problemas muito graves, isso pode ser um gatilho, mas a maior parte das vezes a causa não é evidente.

"Há uma ideia de que a depressão é uma reação a uma situação adversa da vida — o que é compreensível. Não está completamente errado, mas não é absolutamente verdade."

E as crianças pequenas podem ter depressões?

Podem, mas não é muito fácil detetar. Agora sabemos que crianças com menos de 10 anos podem ter depressões – têm medo de ir para a escola, não querem brincar, por exemplo. Depois, o risco de ficarem deprimidos na adolescência aumenta. E mantêm um risco alto durante toda a vida adulta.

Pode prevenir-se a depressão?

Sabe o que o Mark Twain recomendou para prevenir as doenças mentais: “Escolhe os teus pais com cuidado e morre cedo”. Prevenção precoce é difícil, porque ainda não sabemos muito bem como funciona a doença. Se for uma pessoa em risco – se os pais ou irmãos sofrem de depressão -, então deve informar-se sobre a doença, de forma a reconhecê-la e a procurar tratamento precocemente, conhecer o tratamento e quem o providencia. E isto ajuda, claro, a lidar com este problema.

A depressão pode ser tratada só com psicoterapia ou tem sempre de recorrer a medicamentos?

As orientações de tratamento na Alemanha dizem que se deve usar psicoterapia ou medicação nas formas mais moderadas, mas na maior parte dos casos mais graves de depressão é preciso recorrer a antidepressivos.

A maior parte dos países usa antidepressivos como forma de tratamento, já na Alemanha temos muitos psicoterapeutas. Mas enquanto um psicoterapeuta pode tratar 50 pessoas por ano, um psiquiatra trata 500 pessoas com depressão. Os antidepressivos são um tratamento muito bom e para mim, se estiver perante uma pessoa com uma depressão severa, é a minha primeira opção.

Muitos médicos de clínica geral também prescrevem antidepressivos. De facto, em muitos países, a maior parte dos antidepressivos são receitados pelo médico de clínica geral.

Usamos mais antidepressivos do que devíamos?

Não conheço bem a situação em Portugal, mas é verdade que aqui são muito mais usados do que na Alemanha. Não sei qual é a razão: se é excesso de medicação ou se existem menos recursos para a psicoterapia.

Na Alemanha, a relutância em tomar antidepressivos é forte, as pessoas têm medo de ficar dependentes, têm medo das mudanças que ocorrem, não querem tomar químicos – se for um produto natural tomam-no de bom grado, mas são muito céticos em relação aos químicos. Claro que a situação em Espanha e Portugal é diferente, não imprimem tantas emoções negativas em relação à toma de antidepressivos. Mas não conheço bem a situação.

Ainda assim, existe um estigma em relação às consultas com psiquiatras. Como podemos ultrapassar isso?

Com informação, simplesmente com informação. Esta é uma doença do cérebro, não só, mas também. Assim como a epilepsia, não é só uma doença do cérebro, é uma doença que afeta toda a vida. É uma doença que pode atingir todas as pessoas, mas é tratável. Esta é a mensagem-chave desta aliança contra a depressão: há ajuda disponível, os medicamentos não criam dependência, não mudam a personalidade, não são comprimidos da felicidade – se alguém saudável os tomar não vai ficar pedrado nem ter momentos de euforia, pode ter apenas uns efeitos secundários.

Mas vai manter-se o problema de que as doenças mentais ou psiquiátricas, como a depressão, mudam a parte mais íntima e sagrada que temos – nós próprios. O ego, é isto que muda. Não algo de que estejamos distantes, como uma dor física. A depressão muda-nos e isto é assustador para muitas pessoas. Para quem não está doente também pode ser assustador se uma pessoa mudar subitamente: se não rir, se não quiser partilhar a intimidade, se não quiser sair. Não é fácil de perceber a depressão como um problema.

Os doentes aceitam que outras pessoas lhes digam que devem ir ao médico?

Claro que há muitas pessoas que dizem que a depressão é culpa sua, ou que não são doentes psiquiátricos. Mas esta perceção tem mudado nos últimos anos: as pessoas estão mais abertas e mais bem informadas. E quanto mais informação existir, mais fácil é para as pessoas aceitarem.

As pessoas podem ser curadas da depressão ou podem apenas ser tratadas e a doença voltar outra vez?

Se a pessoa tiver uma propensão para a depressão – e se já teve depressão uma vez, tem essa propensão – há probabilidade de ficar doente outra vez. Os riscos de voltar a adoecer, mesmo que já não se imagine que se pode voltar a ficar deprimido, mantêm-se, mas podem ser reduzidos por psicoterapia ou antidepressivos.

E é preciso fazer psicoterapia ou tomar medicamentos para o resto da vida?

Não necessariamente. Algumas pessoas têm um único episódio e não voltam a ter outro até ao final da vida, mesmo sem tratamento específico. Mas a maior parte das pessoas têm mais do que um. Quem tiver dois ou três episódios, tem uma probabilidade elevada de ter mais durante a vida. Neste caso, pode fazer sentido fazer antidepressivos durante vários anos.

A depressão ainda é um problema difícil de aceitar e de lidar e a própria família, amigos ou colegas de trabalho têm dificuldade em entender e ajudar estas pessoas.

Um familiar deve informar-se sobre o que é a depressão: deve ler e deve ter um conhecimento profundo da situação. Em geral, os mediadores comunitários, professores, padres, etc., devem ter um conhecimento básico sobre a doença.

Algumas empresas, por exemplo, têm programas e linhas de orientação para o caso das pessoas que têm problemas com álcool. Há um procedimento implementado para o alcoolismo, mas não há um procedimento para a depressão, apesar de ser uma doença frequente, com custos elevados para a empresa, e ser tratável. E a depressão é mais fácil de tratar do que o alcoolismo. No caso da dependência de álcool há mais conhecimento. No caso da depressão, seria melhor se as pessoas tivessem acesso a tratamento mais cedo, para sair da depressão mais rápido.

Os empregadores deveriam prestar mais atenção a esta doença?

Os patrões sabem que têm muito prejuízo com as pessoas deprimidas, que estão presentes no trabalho, sem produzirem, e que contribuem para o absentismo — é um dos maiores prejuízos das empresas. Podem beneficiar se criarem um ambiente na empresa em que as pessoas com este tipo de doenças não precisam de as esconder, mas pelo contrário podem ser um pouco mais abertas e ser aceites, e se, adicionalmente, tiverem alguns conhecimentos básicos sobre quem pode tratar estas pessoas, como um psiquiatra ou um psicoterapeuta.

Quais os principais objetivos da Aliança Europeia Contra a Depressão?

Eu e o Ricardo Gusmão [Presidente da EUTIMIA – Aliança Europeia Contra a Depressão em Portugal] estabelecemos intervenções diretas nas comunidades em quatro níveis: cooperação com médicos de clínica geral, porque a maior parte das pessoas são tratadas por estes médicos; uma campanha para sensibilizar o público em geral e aumentar os seus conhecimentos; treinar mediadores comunitários, professores, padres, farmacêuticos e outros profissionais de saúde; e apoiar os doentes e familiares, criando grupos de ajuda, disponibilizando informação na internet. As missões são: primeiro, aumentar os cuidados de saúde das pessoas com depressão, e, segundo, prevenir o comportamento suicida. Combinamos estes dois objetivos, que parcialmente se sobrepõem, porque a depressão e os suicídios estão relacionados — existem outras doenças mentais relacionadas com o suicídio, mas a depressão é a principal.

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