João Gomes Cravinho foi ministro da Defesa entre 2018 e 2022 e esta manhã voltou a esse período e novamente por causa da polémica obra (e respetiva derrapagem do seu preço) para reabilitar o antigo Hospital Militar de Belém. A audição sobre o caso aconteceu na comissão parlamentar de Defesa, onde aquele que é atualmente ministro dos Negócios Estrangeiros apontou um culpado no caso — o então diretor-geral da Defesa, Alberto Coelho –, cuja responsabilidade política sacode dos seus ombros.

De resto, Gomes Cravinho continua a garantir que não autorizou aquela despesa, “nem tacitamente, nem expressamente”. “Agora o deputado inventa o politicamente: não é assim que acontece, segue-se o que a lei exige”, atirou ao PSD, que quer uma responsabilidade política sobre uma obra cujo valor quase quadruplicou face à  previsão inicial.

O ministro dos Negócios Estrangeiros também justificou o porquê de ter demorado a reagir à questão: a culpa é também de Alberto Coelho, detido no âmbito do esquema de corrupção que envolveu esta obra (entre outras), que enviou um email demasiado grande e que ficou preso no servidor.

Valor final “real” ficou dois meses preso no servidor

A primeira novidade da audição surgiu logo na intervenção inicial, quando o ministro João Gomes Cravinho assumiu que houve um segundo email, com “o real custo da obra”, que ficou preso no servidor em abril de 2020 e que só chegou às mãos do então ministro da Defesa em junho desse mesmo ano. Ainda assim, e tal como já tinha acontecido com o primeiro ofício, Gomes Cravinho mantém que também essa informação “não era sistematizada” e estava “pouco fundamentada”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Esse ofício tinha aparentemente sido enviado por Alberto Coelho [diretor-geral de Recursos da Defesa] em 20 de abril, mas não chegou aos destinatários por exceder o tamanho limite das mensagens e portanto ser recusado pelo servidor”, detalhou na audição parlamentar.

O ministro não disse no Parlamento — e nenhum deputado o questionou — sobre qual era afinal esse “real custo das obras” que estava no segundo ofício. O Observador apurou que nesse email já constava o valor, sem IVA, de 2,5 milhões de euros, ou seja, os tais 3,2 milhões finais (com IVA).

Recorde-se que, em março, o ministro já tinha recebido um ofício com contas de uma primeira derrapagem, de mais 920 mil euros que acresciam aos 750 mil previstos inicialmente para aquela reabilitação — indicando, então,  um total de 1,7 milhões.

Sobre este primeiro acréscimo, o ministro assumiu no Parlamento que estava “dentro de ordem de grandeza que não surpreende face ao que era natural”. “Naquele momento, não me estranha que pudesse ser um pouco mais”, justificou.

Sobre o segundo ofício com as contas de nova derrapagem, João Gomes Cravinho refugiou-se na falta de fundamentação do mesmo, para explicar porque não agiu nessa fase — o mesmo argumento que já tinha usado para o primeiro ofício recebido em março.

Nesse “ponto de situação”, como lhe chamou, o ministro disse que ficou com  a “expectativa” que mais tarde chegaria “informação mais detalhada”. Chegou um novo email e, nessa altura, o ministro disse no Parlamento que estava a ser feito um levantamento sobre essa obra no Ministério. Meses depois, em outubro, anunciava ter pedido uma auditoria (logo em julho).

Ministro esteve no Parlamento com resultado da auditoria mas não a revelou

O ministro Gomes Cravinho assumiu, questionado por Jorge Paulo Oliveira, do PSD, que quando foi ao Parlamento em fevereiro de 2021 já conhecia o resultado da auditoria à obra feita pela Inspeção Geral da Defesa Nacional (IGDN) com a recomendação de enviar as “inconformidades legais” detetadas para o Tribunal de Contas. Mas, nessa altura, o ministro não falou do resultado aos deputados.

A questão ganha relevância tendo em conta que, em outubro de 2020, foi o próprio que informou a mesma Comissão de Defesa que tinha pedido a auditoria tendo em conta a derrapagem dos custos. Quatro meses depois, perante a mesma comissão e perguntas sobre a mesma derrapagem, não disse que já tinha a conclusão da IGDN consigo e que até já tinha enviado o assunto para o Tribunal de Contas — o que admitiu esta quarta-feira. Motivo: ninguém lhe perguntara ou, como disse Cravinho, “o tempo das audições é limitado e o assunto não foi trazido à colação”.

O PSD insistiu, acusando-o da eventual ocultação de informações ao Parlamento, mas o ministro assegurou que “não faria sentido uma tentativa de omissão de um procedimento que é perfeitamente público”, mesmo que se tratasse — como se tratava — de um documento classificado como confidencial. “Em nenhum momento a Assembleia da República deixou de ter acesso ao relatório”, assegurou.

O relatório era aquele que dava conta de “inconformidades” no processo, com a IGDN a esclarecer que um dos problemas era falta de um “pedido expresso da DGRDN à tutela para autorizar a despesa”, como exigem as regras de contratação pública. A inspeção-geral tinha também aconselhado o ministro a fazer uma autorização de despesa retroativa, para emendar as tais “inconformidades” detetadas. “Decidi não o fazer e esperar pela auditoria do Tribunal de Contas”, afirmou perante os deputados. Explicou ainda que “a proposta da IGDN mostra que não se suspeitava de ação de natureza criminal“.

Culpas todas para Alberto Coelho, que o ministro disse já ter castigado

Mas se o ministro se preocupou em ilibar de responsabilidades a Inspeção-geral (com esta retroatividade aconselhada que teria validado uma despesa a posteriori), não teve igual vontade de apaziguamento com o diretor-geral, que está no meio desta polémica e detido. Alberto Coelho esteve no centro desta audição, com o ministro a assumir o “erro que foi nomeá-lo administrador da ETI da Empordef quando já sabia das “inconformidades legais” na obra do antigo hospital militar.

“Sabendo o que sei hoje, obviamente que não o teria nomeado para outras funções. Mas isso é sabendo o que sei hoje, o que é substancialmente diferente da informação de que dispunha no momento de tomada de decisão”, disse Gomes Cravinho

O ministro reconheceu que “sobrestimou” os 19 anos de Coelho como diretor-geral e toda a carreira no Ministério da Defesa, e “subestimou a outra parte”, referindo-se ao que já constava no relatório da auditoria. Numa resposta à deputada Joana Mortágua, do BE, o ministro disse que ficou “tranquilo“, confiando na avaliação que o Tribunal de Contas haveria de fazer sobre o caso e que considerava já existir “uma penalização”  a Alberto Coelho.

O ministro revelou, assim, que considerava que não reconduzir Alberto Coelho como diretor-geral, passando-o para administrador de uma empresa tutelada pela Defesa, era “penalização” suficiente. Rui Rocha, da IL, resumiria a coisa assim: “Havia motivo para penalização mas depois considera a pessoa idónea para funções numa empresa pública”.

O PS acudiu o ministro neste capítulo concreto da nomeação polémica, apontando ao PSD. O deputado socialista Diogo Leão lembrou que Alberto Coelho se candidatou pelas listas do PSD/CDS à Assembleia Municipal de Lisboa, nas autárquicas de setembro de 2021.

E o ministro também trazia uma bala para atingir os sociais-democratas: um louvor feito pelo antigo ministro da Defesa, o social-democrata José Pedro Aguiar Branco, a Alberto Coelho. O ministro e a maioria do PS tentavam, com isto, sacudir a água da polémica nomeação depois de uma auditoria que já deixava pontas soltas sobre Coelho.

O “acaso” de não informar o governante que acompanhou obra

Mas foi do PSD que veio a questão sobre se informou o seu então secretário de Estado, Jorge Seguro Sanches (responsável por monitorizar a obra e que informou o ministro sobre as dúvidas na obra) sobre a decisão de nomear Coelho para uma empresa da Defesa.

O ministro gracejou com o “quase cómico” e “hercúleo” esforço “para se demonstrar uma grande divergência” entre si e Seguro Sanches: “Trabalhámos sempre em estreita coordenação”. Mas acabou por assumir que, “por acaso”, sobre este assunto não falaram mesmo.

O ministro garantiu, no entanto, não ter havido nenhum entendimento prévio com Alberto Coelho sobre o que lhe aconteceria se saísse da direção-geral.