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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Um dia de pré-campanha com Marisa Matias, que não se vê muito mais tempo em Bruxelas e que não diz "nunca" ao desafio de ser líder

Desceu a Avenida da Liberdade no 25 de abril e foi das mais solicitadas do BE. Entre cânticos para Bolsonaro e cigarros para descansar, reconheceu que este deve ser o último mandato em Bruxelas.

Descer a Avenida da Liberdade, em Lisboa, no 25 de abril não tem grande novidade de ano para ano. Mudam os cartazes que se erguem por cima das cabeças, as mensagens nas faixas, os cânticos e, claro, o tempo. Também os convidados. Mas para quem é um habitué nestas paragens há momentos que são automáticos, quase mecânicos. A comitiva do Bloco de Esquerda tem um pouco disto tudo: desde os organizadores batidos na descida da avenida aos cânticos e cartazes atualizados, passando por estreantes na experiência, incluindo políticos da esquerda europeia. Quase como uma imagem de marca, o partido faz gala em trazer sempre um rosto conhecido da política de outros países para este tipo de eventos. Já houve Pablo Iglesias, Yanis Varoufakis ou Alex Tsipras. Desta vez o nome maior era Jean-Luc Mélenchon, d’A França Insubmissa.

O ponto de encontro é uma daquelas coisas que não mudam: “Em frente ao edifício do Diário de Notícias”, iam repetindo sucessivamente assessores e organizadores ao telefone, que seguravam com uma mão ao mesmo tempo que, com a outra, tapavam o ouvido remanescente. Os tambores, os megafones e os primeiros cânticos já se faziam ouvir, completando a cacofonia típica das manifestações. Ao lado de Jean-Luc Mélenchon estava sempre Marisa Matias, cabeça-de-lista do Bloco de Esquerda às eleições europeias deste mês.

Os organizadores chamaram Marisa Matias, que acabara de falar às televisões, e deram-lhe instruções para ir rapidamente para a primeira fila. Passando por entre várias pessoas com sorrisos despachados, chegou a tempo de pegar numa das faixas do partido e arrancar rumo ao Rossio. Só quando se instalou é que se apercebeu de que faltava Mélenchon. "O Jean-Luc? Alguém sabe do Jean-Luc?", questionava a eurodeputada para o ar, esperando que alguém respondesse.

O político francês, que ficou em quarto lugar nas eleições presidenciais de 2017 em França a apenas dois pontos percentuais da segunda volta, era o mais requisitado para posar para as fotografias. Muitas vezes chamava Marisa Matias para o seu lado. Nos intervalos, iam trocando impressões em francês. Sempre que a eurodeputada bloquista se afastava o político francês era solicitado para mais fotografias.

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O partido entrou para o desfile vinte minutos depois da hora marcada. A mobilização foi imediata, deu-se a grande velocidade. Os organizadores chamaram Marisa Matias, que acabara de falar às televisões, e deram-lhe instruções para ir rapidamente para a primeira fila. Passando por entre várias pessoas com sorrisos despachados, chegou a tempo de pegar numa das faixas do partido e arrancar rumo ao Rossio. Só quando se instalou é que se apercebeu de que faltava Mélenchon. “O Jean-Luc? Alguém sabe do Jean-Luc?“, questionava a eurodeputada para o ar, esperando que alguém respondesse. Passaram-se alguns segundos até que a explicação foi dada: estava a prestar declarações à imprensa estrangeira. Viria “num instante”, até porque estava lá “alguém do Bloco com ele”.

Marisa Matias passou a maior parte do desfile do 25 de abril ao lado de Jean-Luc Mélenchon

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Foi efetivamente “um instante”. Cinco minutos depois, Mélenchon já se encontrava na primeira fila da comitiva do Bloco de Esquerda. À frente, de megafone encostado à boca, Mariana Mortágua ia coordenando os gritos de ordem. “Costa, Marcelo, a saúde não é dos Mello!“, era aquele que se ouvia quando o político francês chegou. Ao seu lado, Marisa Matias ia descodificando o cântico e explicando quem eram os “Melô“. Aos poucos, com ajuda da candidata, já trauteava os versos com alguma destreza enquanto abanava a cabeça.

O número dois da lista do Bloco de Esquerda às eleições europeias, José Gusmão, era um dos que mais iam conversando com a cabeça-de-lista. Sempre solícita, fosse para membros do partido ou para pessoas que queriam cumprimentá-la, Marisa Matias ia entrando no ambiente da descida e tentava contagiar os seus pares, gritando por menos precariedade ou por mais direitos para as mulheres.

A pausa para o cigarro e o cumprimento aos independentistas catalães

Sempre atenta aos sinais de Mariana Mortágua, Marisa Matias era uma das que na comitiva mais efusivamente repetiam as palavras de ordem. “Ó meu rico Santo António, ó meu santo popular, leva lá o Bolsonaro para ao pé do Salazar”. Este momento viria a dar polémica uns dias mais tarde, mas naquele momento os bloquistas cantavam-no com descontração e com direito a coreografia.

“Creio que toda a gente percebe a intenção deste cântico”, explica Marisa Matias ao Observador. Os versos, diz, não são para ser levados à letra, mas sim para serem lidos com um tom humorístico. “E o Bloco não prescinde do humorismo na política“, acrescenta.

Apesar desta justificação, várias pessoas olharam para o momento com indignação e não se deixaram convencer pelas razões apresentadas pelos bloquistas. As acusações vindas sobretudo da direita portuguesa não incomodaram a eurodeputada. Até porque está habituada a campanhas e ao tipo de casos que proliferam em clima pré-eleitoral.

Marisa Matias participou de forma entusiasmada nos cânticos coordenados por Mariana Mortágua

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Mesmo conhecendo as regras do jogo, Marisa Matias prefere destacar a parte positiva: “Acho que as campanhas estão muito subvalorizadas no contexto política”, confessa ao Observador, numa das pausas do desfile do 25 de abril. “São momentos por excelência de contacto com o eleitorado, são momentos para ouvir muito as reivindicações e preocupações das pessoas. E isso é extremamente necessário. Porque por muito que se percorra o país, e eu faço-o, não há um momento como o da campanha em que tenhamos tanto tempo, e de forma tão continuada, para ouvir aquilo que as pessoas têm para nos dizer”.

Muito do tempo da eurodeputada é passado em Bruxelas ou em Estrasburgo, onde se encontram as sedes do Parlamento Europeu. A distância do eleitorado que a elege é grande ao longo do ano, mas tenta compensar ao fim-de-semana, calcorreando o país de norte a sul. “Tento mesmo ter o máximo de contacto com eleitorado aos fins-de-semana“. Mas não é fácil, até porque o trabalho exige muita da sua disponibilidade. Ainda para mais tratando-se da única eurodeputada do partido. “A exigência é grande”, desabafa enquanto se afasta do grupo do Bloco de Esquerda que continua a descer a avenida sob os comandos de Mariana Mortágua. Quer parar um pouco para descansar e fumar um cigarro.

Já no passeio, e longe da confusão, fuma demoradamente um IQOS -- "finalmente, estava mesmo a precisar" -- e continua a contar ao Observador como é a sua vida em Bruxelas. "Agora, em tempo eleitoral, o Parlamento Europeu está encerrado. Mas quando voltarmos ainda temos cerca de um mês de trabalho para fechar a legislatura. São dias duros"

Já no passeio, e longe da confusão, fuma demoradamente um IQOS — “finalmente, estava mesmo a precisar” — e continua a contar ao Observador como é a sua vida em Bruxelas. “Agora, em tempo eleitoral, o Parlamento Europeu está encerrado. Mas quando voltarmos ainda temos cerca de um mês de trabalho para fechar a legislatura. São dias duros. Não só porque os deputados que se recandidataram já sabem se vão ou não continuar por mais cinco anos, mas também porque não temos os nossos gabinetes. Estamos em espaços provisórios enquanto o parlamento se prepara para receber a próxima legislatura”, explica.

Do pouco tempo livre de que dispõe, há uma parte considerável que é dedicada à vida interna do partido — de cuja comissão política faz parte –, o que a vai mantendo sempre por dentro das decisões relativas à política nacional. Também por isso, não teme que as eleições sejam demasiado marcadas por temas nacionais em detrimento das grandes questões europeias. “Acho que é inevitável isso aconteça e que muito do comportamento eleitoral também vá ser determinado pelas questões nacionais. As pessoas tendem a votar naquilo que lhes é mais próximo ou nas políticas que lhes são mais próximas. E isso não me assusta, devo dizer. Até porque se há um nível de abstenção tão elevado nas eleições europeias é precisamente porque as pessoas dizem que estamos a falar de questões nacionais quando na verdade estamos a falar de questões que são profundamente influenciadas pelas políticas europeias”.

Marisa Matias foi várias vezes abordada por populares que queriam deixar-lhe uma mensagem de força

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O cigarro está perto do fim e a eurodeputada começa a encaminhar-se com a deputada bloquista Isabel Pires para junto do grupo de independentistas catalães que viajaram até Lisboa para participar neste desfile.

Marisa Matias não os conhece a todos, mas quando chega é reconhecida por uns e é apresentada a outros. A festa é grande e os longos abraços demonstram-no. Entre cumprimentos mais cordiais e palavras de forças, o momento é despachado em poucos minutos. Isabel Pires, que fala num espanhol fluente com os independentistas, fica para trás porque Marisa Matias tem de regressar à comitiva do Bloco de Esquerda. Os bloquistas estão quase a chegar ao Palácio da Independência, no Rossio. É ali que, para fechar o dia, vai ter lugar um comício internacional organizado pelo partido, onde vão intervir membros do Podemos, d’os Verdes da Noruega, Jean-Luc Mélenchon e a própria Marisa Matias.

Já se veem as bandeiras vermelhas e roxas do Bloco de Esquerda, por entre a multidão que desce a Avenida. Marisa segue a passos largos para tentar chegar ao grupo do partido, mas há quem reconheça a candidata o que a obriga a abrandar a marcha. “Esta malta é toda do Bloco de Esquerda?”, pergunta. “Era bom sinal, mas não. O senhor é muito otimista”.

Sucessora de Catarina Martins? “Acho difícil, mas nunca digo nunca”

“Bem-vinda, Marisa!”, diz Mariana Mortágua ao megafone assim que a eurodeputada regressa do cigarro — que afinal foram dois — e do cumprimento aos independentistas catalães. “Deixa passar, deixa, deixa passar; sou feminista e o mundo vou mudar”, grita de seguida a deputada, conseguindo que todo o grupo do Bloco de Esquerda comece a fazer-se ouvir na chegada ao Rossio. “A Mariana [Mortágua] tem muito jeito para isto. É preciso saber estar ali. Já todas tentámos e nem todas fazemos isto bem”, revela ao Observador num comentário lateral.

Marisa Matias é constantemente abraçada por populares que a reconhecem e que lhe deixam mensagens de força e de confiança. Perguntamos se este apoio que sente nas ruas permite fazer o partido sonhar com um resultado histórico nas próximas eleições europeias. “Tenho dificuldade em quantificar objetivos eleitorais. Tenho imenso respeito pelas eleições e pelos votos. Os votos não são nossos. Por isso, acho sempre que quando colocamos números nesses objetivos estamos a tratar os eleitores como meros instrumentos para a eleição. E eu não entendo assim. Obviamente que, quando nos apresentamos a eleições, fazemo-lo sempre com o objetivo de aumentar a nossa representação”, reconhece, sem querer comprometer-se com números ou metas concretas.

A europdeputada foi uma das mais solicitadas na comitiva do Bloco de Esquerda durante o desfile na Avenida da Liberdade, em Lisboa

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Gosta da vida em Bruxelas e do trabalho que faz no Parlamento Europeu — “é por isso que me racandidato” — mas não se imagina a ficar por lá muito mais tempo. “Não creio que ninguém se possa eternizar na política. Sinceramente, aprendi que nunca se deve dizer nunca”. E concretiza: “Pela natureza do Parlamento Europeu acho que o primeiro mandato é muito importante para se começarem a conhecer os cantos à casa para perceber de que forma se pode fazer um trabalho mais efetivo. O segundo mandato é de maior consolidação, onde percebemos que já temos maior influência. E um terceiro mandato pode permitir uma consolidação dessa influência e desse trabalho. Por isso diria que três mandatos são uma medida razoável. Sinceramente, mais do que isso acho difícil”, confessa. 

Se for eleita, e nem a pior sondagem prevê que tal não aconteça, Marisa Matias ficará mais cinco anos no Parlamento Europeu. Não tem plano para quando regressar nem para o seu futuro na vida interna do partido. “Nunca pensei nisso”. Sendo uma das figuras de proa do Bloco de Esquerda é muitas vezes apontada como uma possível sucessora de Catarina Martins. “Acho que estamos muito bem representados. Apoiei sempre a Catarina [Martins]”, diz numa primeira resposta. Recordamos-lhe que foi a própria quem, instantes antes, tinha afirmado que ninguém é eterno na política. “Pronto. Então digo o seguinte: Não digo nunca, porque nunca digo nunca, mas não é algo em que tenha pensado ou sequer que deseje. Não tenho essa ambição pessoal. Vejo este projeto de uma forma coletiva e creio, sinceramente, que temos uma excelente líder partidária. Isto não é um pró-forma, é um apoio convicto”, remata.

Não digo nunca, porque nunca digo nunca, mas não é algo em que tenha pensado ou sequer que deseje. Não tenho essa ambição pessoal. Vejo este projeto de uma forma coletiva e creio, sinceramente, que temos uma excelente líder partidária. Isto não é um pró-forma, é um apoio convicto", remata.

A comitiva do Bloco de Esquerda chega ao Palácio da Independência. Vão-se arrumando os cartazes, as bandeiras e as faixas que acompanharam o partido avenida abaixo. Servem-se as primeiras minis deste fim de tarde e trocam-se as primeiras impressões. Marisa Matias dispensa a cerveja até porque nem é apreciadora e tem um discurso para fazer.

Os temas desta campanha têm estado centrados sobretudo em casos nacionais e a eurodeputada já confessou não estar preocupada com isso. Mas em ano com mais do que uma eleição, até a dinâmica entre os vários partidos é trabalhada para ter efeito eleitoral. É assim com PSD e CDS, que este ano concorrem separados e a disputar parte do mesmo eleitorado. E é assim ainda mais à esquerda, já que a “geringonça” vai ter de se desmontar para cada uma das partes se apresentar a votos. Basta ver a troca de argumentos nos dois debates televisivos já emitidos para perceber que agora é cada um por si.

Marisa Matias hesita quando começa a falar da relação com os comunistas. “São duas forças de esquerda, que têm certamente muita coisa comum — como a visão sobre a política económica ou a defesa dos setores estratégicos — mas também têm muita coisa em que se distinguem. São duas esquerdas que ocupam dois espaços distintos. O Bloco de Esquerda tem uma abordagem distinta de problemas relacionados com os direitos das mulheres e do combate às alterações climáticas, por exemplo”. Sobre a agressividade crescente entre os dois partidos responde de forma lacónica, repetindo aquilo que respondeu diretamente ao próprio João Ferreira no primeiro debate televisivo a seis: “Não nos enganamos no adversário“.

Conhece bem os ataques que os adversários têm reservados para atacar o Bloco de Esquerda. Sabe que o partido cometeu erros — como no caso de Ricardo Robles, “que foi difícil de resolver, mas que o BE resolveu como ninguém” — e as visões negativas que existem do outro lado. “Não somos populistas, como às vezes querem fazer-nos pensar. Somos um partido que tenta ser popular, isso sim”.

E sobre as acusações de serem um partido de extrema-esquerda? “O Bloco é um partido de esquerda. Não é de extrema-esquerda. Talvez dizer que é um partido de esquerda radical não seja um insulto. As políticas radicais são as que vão às raízes. Mas de extrema-esquerda não somos de certeza. Somos de esquerda, de uma esquerda responsável”. Uma ideia que repetiria no discurso que encerrou um logo dia de pré-campanha.

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