Índice
Índice
Enviada especial do Observador à Hungria
Willi Patzilt arranca a noite eleitoral com um cigarro numa mão, copo de vinho branco na outra e um sorriso na cara. É alemão e um das dezenas de estrangeiros que estão esta noite na Universidade Mathias Corvinum (MCC), em Budapeste, mas nem por isso está totalmente alheado do que se passa na política húngara: afinal, o seu pai dá aulas nesta Universidade, que foi fundada por um homem próximo do Fidesz (Andras Tombor) e que é acusada pela oposição de ser favorecida financeiramente pelo governo húngaro pelos seus laços próximos com o maior partido do país. “Não estou muito por dentro dos detalhes da política húngara, mas… Se Vikor Orbán renovar a maioria de dois terços esta noite, será um murro na cara do Ocidente“, afirma este jovem de 21 anos que diz ao Observador estudar “law [Direito]” em Munique. “Law and order” [lei e ordem], acrescenta, com um sorriso. Ao início da noite, Patzilt estava longe de poder antever a força do “murro” que o eleitorado húngaro daria ao Ocidente: os resultados, ainda provisórios, apontavam para uma nova maioria de dois terços de deputados do Fidesz no Parlamento.
Com o jovem estudante alemão está o colega e amigo Christian Husson, cujo pai também é professor na MCC. Ambos estão particularmente interessados nos efeitos que a eleição húngara pode vir a ter no resto da Europa: “Em França, por exemplo, isto não é tão simples”, comenta Christian, filho de mãe francesa, a propósito das presidenciais que terão lugar este mês. “Na política francesa, a guerra na Ucrânia prejudica mais os conservadores, porque na Europa ocidental há um pensamento único em relação à guerra. Aqui é diferente.”
A MCC organizou um serão para húngaros e estrangeiros acompanharem a noite eleitoral no país, com debates realizados em inglês com a presença de vários professores da Universidade. Os mais novos, porém, parecem inicialmente mais interessados no bar aberto (não era necessário pagar entrada, apenas registar-se) que nas intervenções que se vão ouvindo no palco — por várias vezes é pedido silêncio e por várias vezes esse pedido não é respeitado. Pouca lei e ordem na sala, é certo, mas não se pense que a audiência é menos conservadora por isso. Praticamente todas as pessoas ouvidas pelo Observador ao longo desta noite deixaram claro que estavam a torcer por uma vitória do Fidesz e por uma vaga conservadora na Europa.
Esse foi um tema amplamente repetido ao longo do debate pelos oradores, que iam enfatizando o sentimento de isolamento que muitos conservadores europeus sentem numa União Europeia que consideram inclinada à esquerda. “Se o Fidesz ganhar, podemos esperar muito barulho no Twitter, eles vão ladrar e ladrar”, afirma o espanhol Rodrigo Ballester, antigo funcionário da Comissão Europeia e atual diretor do Centro de Estudos Europeus da MCC. O professor alemão de Ciência Política Werner Josef Patzelt, que é membro da CDU e que tem apelado a uma coligação dos democratas-cristãos com a extrema-direita da AfD, completa o pensamento: “Se a oposição vencer”, diz num momento em que os resultados da noite eleitoral ainda não são conhecidos, “não será um governo coeso, que siga políticas próprias, mas sim um que vai seguir tudo o que os europeus quiserem que eles digam.”
Falta de independência dos media e corrupção não preocupam estes eleitores. “São acusações de quem não sabe distinguir Budapeste de Bucareste”
Ainda não são oito da noite. As urnas fecharam há menos de uma hora e ainda falta hora e meia até serem conhecidos os primeiros resultados das eleições — na Hungria, não existem sondagens à boca das urnas. Na MCC, o ambiente está animado, mas contido. Afinal, as sondagens têm dito que o Fidesz deveria ganhar, mas não por muito, e há sempre a possibilidade de haver surpresas. Ninguém se arrisca a lançar foguetes antes da festa.
O jantar será servido em breve mas, antes disso, ainda há tempo para dois dedos de conversa. A esta hora, o espaço parece ter ainda mais estrangeiros que húngaros. É o caso do francês Thibault Mercier, advogado de profissão, que está em Budapeste há cinco dias para trabalhar como observador do processo eleitoral. Aceita falar ao Observador sobre aquilo que viu e ouviu nas assembleias de voto neste domingo e não tem nada a apontar, ao contrário do que aconteceu em 2018, quando a Organização Europeia para a Segurança e Cooperação acusou as autoridades húngaras de terem conduzido um processo eleitoral “livre, mas não justo”: “Daquilo que vi desta vez, não me parece que tenha sido esse o caso agora“, diz Thibault. “Como advogado, vejo que eles têm em vigor um sistema judicial que permite o recurso e que é eficiente, respeita o Estado de Direito. Ouvi algumas críticas em relação à cobertura dos media — a oposição diz que é enviesada, os pró-Fidesz dizem que é justa —, mas não sou especialista nessa área”, afirma.
Uma avaliação com que Barnabás Heincz concorda. Jornalista e estudante de Direito, reconhece haver um problema com a imprensa na Hungria, mas diz que não é culpa do governo: “Os media não estão numa situação boa, mas é porque as pessoas não compram jornais”, resume. “Há liberdade de imprensa. O que não há é tanto pluralismo, porque é uma imprensa polarizada, que ou é pró-governo ou é da oposição.” O facto de canais estatais como o M1 não conduzirem debates durante a campanha eleitoral e terem apenas dado cinco minutos a cada partido da oposição em estúdio não o incomoda, porque “eles têm os seus próprios canais por onde comunicam, as pessoas se quiserem têm acesso à informação”.
Barnabás considera que as críticas que Bruxelas tem feito a Budapeste — congelando os fundos de recuperação pós-Covid por suspeitas de deterioração do Estado de Direito no país — são infundadas. “Corrupção? Sabem que há países como a República Checa, onde um só partido recebe a maioria do dinheiro, que estão acima da Hungria nos rankings de transparência? Ter de ouvir acusações de corrupção de pessoas que não sabem distinguir Budapeste [capital húngara] de Bucareste [Roménia]… Vá lá”, diz, com uma gargalhada, ao Observador. O seu amigo Sámuel Kállo é, segundo o próprio, “mais ingénuo”. “Acho que há problemas nessas áreas e que devem ser discutidos, mas acho que por vezes é melhor sacrificar a ideia de um ‘Estado de Direito ideal’, o que quer que isso seja, para se obter resultados“, sentencia. Apesar disso, sublinha que espera que o Fidesz ganhe sem maioria de dois terços, por considerar que “o debate” é importante.
Viktor Orbán, o “carismático”, e Pétér Máki-Zay, o político que tem “o futuro acabado”
Com a comida já disposta numa mesa central, o debate é interrompido para o jantar. Kinga Szabó senta-se mais afastada da multidão, com a comida no colo. Antiga funcionária do Instituto Robert Schuman, ligado ao Partido Popular Europeu, também conhece de perto a política europeia e desvaloriza as críticas de Bruxelas aos governos de Orbán: “Orbán é um político carismático, que gosta de lutar por aquilo em que acredita e isso é importante para a Hungria. Mas é claro que isso não é conveniente para aqueles que preferem opiniões mais mainstream“, defende esta húngara de origem alemã.
“Passei muito tempo em Bruxelas, sei bem como funcionam estes procedimentos, são muito influenciáveis. E quando se ouve críticas não devemos logo aceitar de imediato e mudar tudo, devemos ouvir, pensar e só depois decidir”, acrescenta. Não arrisca fazer previsões sobre o que vai acontecer nesta noite eleitoral — “Depois das 23h vou soar muito mais inteligente”, comenta entre gargalhadas —, mas diz-se “com esperança” numa vitória do Fidesz.
Não é preciso esperar muito para Kinga ver as suas esperanças começarem a confirmar-se. Com a chegada das 21h30 e a divulgação dos primeiros resultados, correspondentes aos círculos eleitorais mais pequenos onde o Fidesz é mais forte, os ecrãs de televisão sintonizados na M1 mostram aquilo que parece ser uma vitória para o partido de Viktor Orbán a desenhar-se. “Temos dados muito animadores”, comenta a apresentadora do evento antes de dar o palco a mais um painel de debate.
Não há aplausos nem gritos, mas é visível pelos sorrisos que a maioria da audiência está satisfeita com aquilo que vê. O professor Bence Bauer, diretor do Instituto para a Cooperação Germano-Húngaro, dá o tiro de partida, comentando que podemos estar perante “uma vitória esmagadora do Fidesz, uma vez mais”. “Creio que as esperanças da oposição se estão a desvanecer”, acrescenta. Enquanto o colega Sándor Gallai vai refletindo sobre o apoio popular ao Fidesz nas zonas mais rurais pelos eleitores esquecidos pela globalização, as notícias vão dando conta de que o candidato da oposição, Pétér Marki-Zay, está atrás do adversário do Fidesz no seu próprio círculo eleitoral, onde é autarca. Quando o microfone regressa às mãos de Bauer, este decreta que “o futuro político de Márki-Zay está acabado”. “Yes!”, comenta um dos membros da audiência de cabelos brancos.
Daí até à clarificação do resultado final, vai um pulo. Começam a chegar mais e mais resultados de círculos eleitorais e nas televisões vai-se repetindo a cor laranja do Fidesz. Subitamente, parece que Orbán não só vai vencer a sua quarta eleição consecutiva como vai repetir o feito de obter uma maioria de dois terços — mesmo estando a concorrer contra uma oposição unida pela primeira vez.
Uma maioria de dois terços não é motivo para ir celebrar? “Não, amanhã há aulas”. Mas também há quem festeje efusivamente
Por volta das onze da noite, o rosto de Orbán aparece na televisão para um discurso de vitória perante uma multidão galvanizada, que grita “Hungaria!“, a versão latinizada do nome do país (Magyarország em húngaro). O primeiro-ministro agradece o apoio, diz que tem de ser humilde e fala em amor pela pátria. E não tarda a partir para o ataque a Bruxelas e a outros poderes internacionais, que diz terem estado com a oposição: “Tivemos de lutar contra grandes forças: a esquerda daqui, a esquerda internacional, os burocratas em Bruxelas, as forças de [George] Soros, os media internacionais e até Zelensky”, afirma Orbán. Várias pessoas na sala abanam a cabeça em sinal de concordância.
O discurso de derrota de Márki-Zay, feito pouco depois, já não causa impacto na sala. Muitos já abandonaram a MCC, satisfeitos com o resultado. A maioria dos presentes prefere agora saborear um último copo de vinho e falar descontraidamente com velhos amigos ou novos conhecidos. Só uma jovem loira parece fixada num dos ecrãs onde fala o líder da oposição, ouvindo com atenção o que este tem a dizer. Não por devoção. “O Márki-Zay é apenas um fantoche nas mãos dos estrangeiros”, comenta a jovem de 22 anos, que prefere não ser identificada, com o Observador.
Votou pela primeira vez numa eleição legislativa esta tarde, convictamente no Fidesz. “Orbán já é primeiro-ministro há tanto tempo, sabe o que faz. É muito melhor do que o Márki-Zay”, afirma. Apesar disso, diz-se surpreendida com a dimensão da vitória — agora que já é claro que o Fidesz renovou a maioria de dois terços. “Não estava à espera, acho que nem o primeiro-ministro estava à espera”, comenta. Gostava de ir festejar com os amigos que estão a combinar encontrarem-se num bar para continuar a noite, mas decide ir para casa: “Amanhã há aulas”, diz simplesmente. Nada de euforias no átrio da MCC, por onde os convivas vão saindo satisfeitos, mas contidos.
Mas a alegria efusiva pela vitória de Viktor Orbán existe. “Desculpe a linguagem, mas porra, estou tão feliz!”, comenta o taxista que apanha o Observador à saída. “Vou trabalhar a noite toda só para me gabar aos clientes, como fiz ao casal que apanhei antes de si. Estavam tão tristes, coitados… Até tive pena”, acrescenta. Prefere direcionar a sua irritação contra os políticos da oposição, num primeiro momento de descompressão depois de uma campanha que parecia renhida — e que afinal deu uma vitória estrondosa ao Fidesz: “É bem feita”, diz. “O Márki-Zay tratou-nos a todos como se fôssemos burros. A oposição não percebe as pessoas, o que as preocupa. O Orbán sim. Ele entende-nos.”