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Fredrik Backman, sueco, nascido em 1982, começou há publicar há 10 anos e já terá vendido cerca de 15 milhões de livros
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Fredrik Backman, sueco, nascido em 1982, começou há publicar há 10 anos e já terá vendido cerca de 15 milhões de livros

Linnéa Jonasson Bernholm/Appendix Fotografi

Fredrik Backman, sueco, nascido em 1982, começou há publicar há 10 anos e já terá vendido cerca de 15 milhões de livros

Linnéa Jonasson Bernholm/Appendix Fotografi

Um sueco entre milhões (de livros): qual é a receita de Fredrik Backman para best-sellers?

Começou em 2012 e, a cada novo livro, tudo parece apontado para a transformação quase imediata em série. Com "Gente Ansiosa" publicado em Portugal, tentamos perceber quais os ingredientes do fenómeno.

Fredrik Backman, autor sueco, começou a publicar em 2012. A partir daí, multiplicaram-se os best-sellers. Tudo começou com En man som heter Ove (Um homem chamado Ove), publicado em Portugal pela Presença e adaptado para filme por Hannes Holm. A seguir, Saker min son behöver veta om världen (tradução livre: Coisas que o meu filho precisa de saber sobre o mundo, 2012), Min mormor hälsar och säger förlåt (A minha avó pede desculpa, 2013), Britt-Marie var här (Britt-Marie esteve aqui, 2014), Beartown (2017), Us against you (2018) e Folk med ångest (Gente Ansiosa, 2019, publicado agora em Portugal pela Porto Editora). Quase todos estes foram publicados em Portugal pela Porto Editora, excepto o primeiro, que foi editado pela Presença, e os dois cujos títulos não aparecem em português ainda não têm edição nacional. O sucesso do primeiro livro impulsionou as vendas, e o autor, que nasceu em 1982, já foi traduzido para 46 línguas.

Backman já terá vendido cerca de 15 milhões de cópias dos seus romances, o que nos leva a tentar perceber se existirá uma fórmula para se chegar a tantos leitores. No meio de tantas publicações, o sueco sobressai em número, atingindo também relevância nas adaptações para formato audiovisual que partem da sua obra. Assim sendo, e lidos os romances do autor sueco, parece-nos que é possível destrinçar o mecanismo destes best-sellers.

Desengane-se quem procurar complexidade ou uma subjectividade difícil de atingir. Ao contrário de obras como A Guerra dos Tronos, de George R. R. Martin, fundados num mundo erigido pela primeira vez, e que encantam e viciam não apenas pelo drama político, pelas personagens bem traçadas e pela escrita cuidada, mas também por uma acção imprevisível, tal como a vida, e pela humanidade que reside na luta acérrima pelo poder, a obra de Backman é de uma simplicidade tal que se compreende que chegue a tantas prateleiras por cumprir outro intento – o do entretenimento. E Backman não será particularmente profícuo, surpreendendo o leitor com guinadas estilísticas ou contornos literários por explorar.

A capa da edição portuguesa de "Gente Ansiosa", de Fredrik Backman (Porto Editora)

Pelo contrário, encontrada a fórmula, Backman repetiu-a, e os milhões de leitores, aparentemente, não se queixaram nem se fartaram, continuando a ser entretidos. Assim, ao começarmos por Ove, vemos que a fórmula se repete com Britt-Marie, por exemplo. O autor começa por delinear uma personagem que chega ao leitor imbuída à primeira vista de humanidade. Ove é desagradável, anti-social, obcecado com o cumprimento das regras. Sendo inflexível, a graça torna-se evidente. O leitor vê situações em que uma das personagens fica incomodada e isso, por si só, tem um carácter lúdico.

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Para mais, o livro está escrito em pequenos capítulos, cada um com uma acção, razão pela qual o leitor vê as situações, acabando a escrita por somente veicular um sentido, não a afastando muito da posterior adaptação ao formato audiovisual. É que já tudo parece feito para isso. O ritmo é o de um filme, não há contemplações, as descrições são à justa. Ao longo da leitura, vemos Ove em cena.

Acompanhamo-lo aos 59 anos, pouco depois de ter ficado viúvo. Se, por um lado, nos compadecemos com a nova solidão, e com o que parece ter sido um amor totalizante Sonja, uma mulher que era a antítese de Ove – aberta, gentil, sociável, fácil –, por outro também revemos a vida num desfasamento entre gerações. Ove é um homem prático, exaspera-se com quem não sabe trocar um pneu ou usar uma chave de fendas. A vida é o que existe em torno do seu bairro, as regras que ali existem devem ser cumpridas por terem sido criadas.

"Pequenos capítulos, cada um com uma acção, razão pela qual o leitor vê as situações, acabando a escrita por somente veicular um sentido, não a afastando muito da posterior adaptação ao formato audiovisual. É que já tudo parece feito para isso. O ritmo é o de um filme, não há contemplações, as descrições são à justa."

Na vida moderna, tudo o desilude, tudo parece demasiado fácil – a Internet é rápida, o café é instantâneo. Após a morte de Sonja, parece que não há nada para amar. Ida, e tendo Ove perdido o emprego, considerado velho para a sua função e sendo tratado como uma mini-peça na engrenagem, sente que nada lhe resta, e por isso enceta a última acção. Várias vezes, tenta pôr fim à própria vida. Não o consegue, e a culpa é da incompetência alheia. Sempre que tenta, vem um vizinho interromper porque precisa de ajuda. Ou então a corda que usa para se enforcar não funciona, também por incompetência alheia, de quem nem uma corda sabe fazer. Pelo meio, as tendências obsessivo-compulsivas vão dando graça, já que Ove parece frequentemente uma hipérbole de si mesmo, no seu exagero e na sua inflexibilidade. Ao tentar enforcar-se, põe protectores de plástico nos pés do banco:

Estava fora de questão deixar aqueles cabrões entrar aqui de qualquer maneira e desatarem a riscar-lhe o soalho com os sapatos” (p. 58)

Neste cenário, Backman cria um fundo de beleza. Uma família muda-se para a casa ao lado e a solidão de Ove vai-se atenuando, ainda que este lhe ofereça todas as resistências. Afinal, tudo o que de si difere é condenável. Para Ove, há uma ordem natural das coisas, rompê-la é um abuso, uma incompetência. Quando a vizinha lhe diz que não tem carta e tem 30 anos, a reacção é esta: “Trinta?! E ainda não tem cara de condução? Tem algum problema que a impeça?” Absurdo e desagradável, Ove é tão directo que poderia ter sido o par de Olive Kitteridge, personagem de Elizabeth Strout. Mas o seu par foi Sonja, e também por isso o leitor parece dar um desconto. É difícil, ainda que à distância da versão de Ove, antipatizar com ela. Personagem feita de luz, ao tornar-se ausente, deixa o marido às escuras:

“Nunca percebeu porque é que ela o tinha escolhido a ele. Só gostava de coisas abstratas, como música e livros e palavras estranhas. Ove era, todo ele, um homem de coisas tangíveis. Gostava de chaves de fenda e filtros de óleo. Seguia pela vida fora de mãos enfiadas nos bolsos com determinação. Ela dançava pela vida fora.” (p. 107)

O que impulsiona os romances de Backman é uma história que entretém. Assim, é este o grande activo perante os leitores, excluindo-se grandes descrições ou contemplações

Linnéa Jonasson Bernholm/Appendix Fotografi

Diferentes como a noite e o dia, vê-se que Ove é a noite na equação. O leitor, ao ver-se forçado a simpatizar com Sonja, entende que a escuridão fique sem ela mais escura, e por isso até a antipatia de Ove consegue saber a dor, roubando a empatia de quem o lê. Pelo meio, os sucessivos laivos de humor prendem, porque, ao invés de macular, a leitura entretém o tempo todo.

Temos a mesma fórmula de sucesso comercial em A minha avó pede desculpa e Britt-Marie esteve aqui, que recupera uma personagem secundária do primeiro. Em A minha avó pede desculpa, temos um tom infantil que não desfasa do resto da obra de Backman. Afinal, sendo os seus romances de acção, quase cénicos, o que os impulsiona é uma história que entretém. Assim, é este o grande activo perante os leitores, excluindo-se grandes descrições ou contemplações. Há, ainda assim, um conflito que possibilita a história e até cria a empatia. No caso deste livro, sabemos mais do que Elsa, a criança que é a personagem do cerne e não faz ideia de que a avó está doente. Quando esta morre, deixa para trás uma série de cartas que versam sobre os seus arrependimentos e se dirigem a quem prejudicou durante a vida. O olhar pueril da criança não é muito comum na literatura para adultos e, quando feito de forma convincente, consegue sempre proporcionar uma experiência de visualização de inocência. Como esta se alia à sagacidade de Elsa, há um permanente fundo de ternura, e a simplicidade omnipresente adequa o livro também para o público infanto-juvenil.

"Não há no autor sueco a tendência para grandes voos, assumindo, ao que se vê, a literatura como forma de comunicação para entreter e, o que não será coisa de somenos, para divertir. O entretenimento, ao funcionar neste suporte, é transposto para outros, onde cumpre a mesma função."

Britt-Marie, tal como Ove, é uma personagem que padece de alguma obsessão-compulsão. Logo na primeira página, eis um fragmento que define o que aí vem:

(…) nenhuma pessoa civilizada pensaria alguma vez em organizar uma gaveta de talheres de forma diferente da que devem ser organizadas as gavetas de talheres” (p. 9).

Aqui, parece evidente que Backman se auto-pastichou na composição da personagem, repetindo a fórmula que tinha tido sucesso junto do público. Como Ove, Britt-Marie também tem tendência para ser desagradável – mais do que exploração de personagens, no cômputo de uma obra, esta decisão parece mais manobra comercial. Saída de um casamento longo, após uma infidelidade do marido, a personagem tem de refazer a vida, sustentar-se, remodelar o quotidiano. Depois da morte de um amor perfeito, com Ove, temos o que resta de um casamento falhado. As intervenções de Britt-Marie parecem passivo-agressivas, mas o leitor regista que há um desfasamento com o mundo. Não apenas Britt-Marie parece não entender como os sistemas funcionam (tendo ido ao centro de emprego, quer um emprego no dia seguinte) como não se desencaixa do seu próprio sistema mental. Como a personagem tem o seu quê de inesperado, o leitor assiste sem precisar de intervir, já que a literatura de Backman é de entretenimento.

[o trailer de “Beartown”:]

Gente Ansiosa tem o mesmo tom leve e o mesma matiz cómica, que funciona sempre para enfileirar leitores. Publicado pela primeira vez em 2019, chega agora a Portugal pela Porto Editora. O livro é ágil, a acção, que se passa  numa pequena cidade da Suécia que um dia acorda com uma tentativa assalto, ziguezagueia sem deambular. Após a tentativa, o assaltante foge e invade um apartamento aberto a visitas. Quem lá estava fica refém. Os polícias, pai e filho, para além de não parecerem ter grande aptidão para a ordem, parecem não ter qualquer experiência com a desordem. Não carregam armas e vão tacteando a ver se descobrem o que fazer.

A partir daqui, Backman tece vários fios de acção, entrelaçando-os. Há um quê de quebra-cabeças, propulsionado pela decisão de fazer da história, em parte, um policial. Contudo, os fios que se entrelaçam impõem que o livro seja categorizado de outras formas, já que não se trata apenas de se chegar à identidade do assaltante. Assim, a opção de ambientar a história numa pequena localidade é, afinal, o que a possibilita e a sustenta, já que o leitor se depara com a forma como as personagens sabem das vidas umas das outras, o que servirá para amarrar os fios.

[o trailer da série “Gente Ansiosa”:]

Para mais, como nos outros livros aqui referidos, Backman foca-se nas personagens, mas mete-as em cena. Não se vê nunca uma sem a outra, o que faz com que o leitor não se desligue.

Em Backman, tudo tem função. O texto é sempre fácil, a narrativa é eficaz. O humor, que parece vir sempre sustentado num leve tom absurdo ou no desconforto causado pela frontalidade de alguém, agarra o leitor porque o entretém. Assim, não há no autor sueco a tendência para grandes voos, assumindo, ao que se vê, a literatura como forma de comunicação para entreter e, o que não será coisa de somenos, para divertir. O entretenimento, ao funcionar neste suporte, é transposto para outros, onde cumpre a mesma função.

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