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epa09033484 Spanish Prime Minister Pedro Sanchez intervenes during a plenary session on the six-month-long State of Alarm declared November 2020 due to the coronavirus pandemic held at the Lower House in Madrid, Spain, 24 February 2021.  EPA/Emilio Naranjo
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Pedro Sánchez vai a eleições em julho

Emilio Naranjo/EPA

Pedro Sánchez vai a eleições em julho

Emilio Naranjo/EPA

Uma pandemia e um pico de inflação depois, que marcas deixa o "sanchismo" na economia espanhola?

Sánchez atravessou a Covid e a inflação com apoios e subsídios, piscou o olho aos jovens e pôs a mira nos ricos. Arrancou com reformas na habitação, pensões e lei laboral. Quais foram os efeitos?

Os resultados de domingo passado em Espanha foram, para Juan Martínez Lázaro, professor de Economia na IE Business School, em Madrid, um sinal claro para Pedro Sánchez e a coligação que lhe permite governar: não foram um voto contra os líderes regionais do PSOE, nem um cartão vermelho aos resultados de uma economia que está em recuperação, com uma das taxas de inflação mais baixas da Europa e o emprego em máximos. Na mira estiveram as opções política de Sánchez, acredita.

“Mais pessoas estão a pensar mudar o governo. E é uma possibilidade. Mas acho que não será por razões económicas, como noutras eleições, e sim porque as pessoas querem uma mudança política”, diz, em declarações ao Observador.

Junto dos eleitores não terá caído bem, conjetura o economista, a mudança de posição, logo após as últimas legislativas, com o Unidas Podemos — “Sánchez disse que não ia fazer um acordo com o Podemos. Dois dias depois das eleições foi o que fez” — nem os acordos com a coligação basca EH Bildu em matérias como a habitação. A avaliação que Juan Martínez Lázaro faz é que, nos últimos anos, Pedro Sánchez tem governado para a reeleição e não fez reformas “importantes”. As alterações à lei laboral, diz, ainda têm de provar a sua eficácia porque “a taxa de desemprego mantém-se elevada”; a reforma das pensões tem sido vista com ceticismo pelas instituições internacionais; a lei da habitação arrisca não ter efeitos práticos perante a esperada rejeição pelas comunidades autónomas.

Na economia, o atual chefe do governo espanhol — que tirou consequências das eleições de domingo e dissolveu o Parlamento, antecipando as legislativas que só ocorreriam em dezembro, colocando o seu lugar em risco — passou por dois períodos particularmente desafiantes para qualquer governante: a pandemia da Covid-19 e a crise da inflação que foi agravada com a guerra na Ucrânia. Foi nesse contexto que Espanha aumentou muito a despesa pública e, como consequência, o défice, que em 2022 ficou nos 4,8%. As receitas adicionais que a inflação imprimiu às contas públicas estão a ser usadas para nova despesa, focada nos mais jovens e nas famílias de menores rendimentos. “Na minha opinião, uma parte desta despesa tem sido feita para Pedro Sánchez se manter no poder e acho que isso não é a política orçamental de que Espanha precisa”, acredita o economista espanhol.

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A derrocada socialista e a vitória “excecional” do PP (que precisa do VOX) numas eleições que fortalecem a direita

A economia do país vizinho está hoje em recuperação, embora ainda abaixo do nível do pré-pandemia. Globalmente, “o conjunto de indicadores disponíveis dá uma imagem relativamente otimista do estado da economia espanhola”, refere a equipa de economistas do BPI ao Observador. Até porque o PIB está a crescer — no segundo trimestre espera-se que recupere para os níveis do pré-pandemia —, o emprego está em valores recorde e a taxa de inflação é agora uma das mais baixas da Europa. Mas também há nuvens no horizonte — entre elas o défice, o desemprego e uma presidência do Conselho da UE que será assumida em plena crise política.

PIB recupera, mas abaixo dos colegas europeus

A estratégia de Sánchez não tem sido muito diferente à do amigo e homólogo português, António Costa: acenar com o crescimento económico, até acima da média europeia, e o emprego a robustecer. A economia de Espanha cresceu 5,5% em 2022, acima da média da zona euro de 3,5%, ainda no rescaldo de uma crise pandémica em que caiu mais do que os colegas europeus.

Esse salto foi na altura sublinhado por Pedro Sánchez como uma confirmação da “força” e “resiliência da economia espanhola”. No Twitter, respondia com esse número aos “profetas do apocalipse”. “Hoje temos um crescimento económico forte, a inflação mais baixa da Europa e um recorde de emprego”, afirmou.

A recuperação prolongou-se pelo arranque de 2023. No primeiro trimestre do ano, a economia espanhola expandiu 3,8% em comparação com o mesmo período do ano anterior e 0,5% em cadeia, em ambos os casos acima da média da UE, 1,2% e 0,2%, respetivamente. Mas apesar dessa recuperação ainda não voltou aos níveis do pré-pandemia e está a recuperar menos do que países como a Grécia, Itália ou França.

Juan Martínez Lázaro lembra que a quebra também foi maior em Espanha que, por isso, está a demorar mais a voltar aos níveis anteriores. As previsões mais otimistas apontam, porém, para uma recuperação até aos níveis de 2019 no segundo trimestre do ano. “Tivemos uma recessão mais profunda em 2020, perto de 11% e tem sido muito difícil recuperar a economia para o nível que queríamos”, afirma.

Se o emprego já regressou aos níveis pré-pandemia, a produtividade “tem-se mantido fraca e as horas trabalhadas também reagem com desfasamento”, o que pode estar relacionado “com alterações de preferências na sequência da pandemia e também com alterações mais estruturais subjacentes à economia, como o envelhecimento da população em idade ativa”, avalia o departamento de research do BPI, ao Observador.

De uma forma geral, os indicadores dão “uma imagem relativamente otimista do estado da economia” espanhola, referem os economistas. Em particular, o emprego “está a ter um desempenho muito bom, com uma aceleração do ritmo de crescimento face ao segundo semestre de 2022”. Os indicadores relacionados com o setor dos serviços, como o PMI, que permite acompanhar a evolução das compras realizadas pelas empresas do setor, “também transmitem uma mensagem positiva”.

Por outro lado, os indicadores “menos favoráveis” estão relacionados com o setor industrial, como o PMI ou a produção industrial, “que se apresentam mais moderados (em linha com o resto da Europa)”, analisam. O consumo privado “também se mantém fraco”, como mostra a quebra do consumo privado entre o último trimestre do ano passado e o primeiro deste ano, o que “não surpreende num ambiente de alta inflação e alta de juros”.

E, de facto, apesar de a inflação ser das menores da União Europeia, a perda de poder de compra faz-se sentir nas decisões familiares. Uma análise da PwC aos resultados do primeiro trimestre também salienta que o crescimento em cadeia de 0,5% se explica por melhorias nas exportações e no investimento, que foram capazes de compensar uma nova contração no consumo das famílias, pelo segundo trimestre consecutivo. É uma “crise estranha” a que se vive no país, que baralha o eleitorado, descreveu Pablo Simón, professor de política na Universidade Carlos III, em Madrid, antes das eleições de domingo, ao Financial Times.

Despesa pública subiu 41% com Sánchez

Espanha foi dos países que mais sofreram na economia com a pandemia e apontou, à semelhança de outros, para o aumento da despesa pública para apoiar os trabalhadores e proteger o emprego. Juan Martínez Lázaro diz que Pedro Sánchez aumentou muito a despesa pública para subsidiar as camadas dos consumidores com menores rendimentos. “Aumentou o défice orçamental que, em 2020, foi mais de 11% do PIB. Desde então o défice tem diminuído devido às receitas que o governo teve com a inflação. Mas as novas receitas foram para novas despesas. O governo tem gastado muito dinheiro a subsidiar. Acho que não é a forma adequada”, observa o economista, que aponta para o aumento da dívida pública, agora perto dos 113% do PIB (em 2019, estava abaixo dos 100%).

Martínez Lázaro olha para muitas das políticas recentemente implementadas por Sánchez como eleitoralistas, sobretudo aquelas mais focadas nas famílias com menores rendimentos e nos jovens. No ano passado, fez aprovar uma lei que passa a atribuir 400 euros aos jovens com 18 anos para gastarem em cultura — “no cinema, teatro ou em videojogos”, por exemplo. “Como este ano temos eleições gerais [legislativas], ele queria ter o apoio destes grupos. Deu muitos subsídios, aumentou a despesa para se manter no poder e ter apoio social”. Segundo cálculos do El Economista, desde que Sánchez chegou ao poder, em 2018, a despesa pública escalou 41%. “É muito difícil reduzir a despesa pública quando se quer vencer eleições”, nota Juan Martínez Lázaro.

Sánchez pôs a mira nos mais ricos e nas grandes empresas, da energia à banca. No portefólio do primeiro-ministro socialista ficará o imposto “solidário” criado temporariamente (à partida, vigorará durante dois anos) para os mais ricos ajudarem a pagar as medidas anticrise. A medida entrou em vigor no final de 2022 e aplica-se a quem tem um património líquido superior a três milhões de euros, que terá de pagar anualmente uma percentagem consoante o património, entre 1,7% e 3,5%.

É, também, da sua autoria o famigerado “windfall tax“, uma taxa sobre lucros excessivos que Sánchez aplicou em janeiro, arranque de um difícil ano eleitoral, sobre as receitas do setor da banca e da energia, e que inspirou Portugal (apenas para o setor energético). Em resposta ao aumento do custo de vida, Sánchez partiu do argumento de que os bancos estavam a ter lucros “extraordinários” que advinham da subida das taxas de juro que, para as famílias, têm efeitos negativos.

As empresas de energia também estavam a ganhar demasiado com o gás e a eletricidade mais caro por causa da invasão da Rússia à Ucrânia, considerou-se. As receitas com este novo imposto serão usadas para financiar as medidas de alívio ao impacto da inflação, como os subsídios aos combustíveis e aos transportes públicos. Em fevereiro, o governo estimou uma receita de três mil milhões de euros este ano, só fruto deste imposto, para “evitar que a classe média e trabalhadora suporte todo o peso da crise”.

E, de facto, muitos milhões estão a sair de grandes empresas em Espanha. A segunda maior petrolífera espanhola, a Cepsa, reportou o pagamento de 323 milhões de euros ao abrigo deste “windfall tax“, o que a deixou com perdas de 297 milhões no primeiro trimestre (mais do dobro do impacto nos principais concorrentes). Já para a Repsol, o novo imposto custou 450 milhões (40% dos ganhos do trimestre, segundo o Financial Times), do CaixaBank saíram 373 milhões de euros, do BBVA 225 milhões, do Santander 224 milhões de euros e da Iberdrola 216 milhões de euros (15% dos ganhos do trimestre).

Um ambicioso pacote anti-inflação

Espanha viu a taxa de inflação escalar acima dos 10% em vários meses de 2022 e os preços da energia atingiram máximos. Mas depois desse pico, a taxa de inflação média anual em Espanha está, atualmente, entre as mais baixas da União Europeia: em maio chegou aos 2,9%, só acima da Bélgica (2,7%) e do Luxemburgo (2%). Esta evolução pode ser, em parte, explicada pelo efeito base — a subida foi maior do que noutros países no ano passado. O economista Juan Martínez Lázaro lembra, também, que o governo tomou medidas para reduzir o IVA da eletricidade e do gás, o que acabou por ajudar a manter os preços mais baixos.

“A transmissão de preços grossistas de energia mais altos/baixos para preços retalhistas é mais rápida em Espanha, pelo que quando os preços aumentaram, o aumento da inflação foi mais rápido do que no resto da zona euro e vice-versa”, explica, por sua vez, o BPI ao Observador.

Na energia — cujos preços estão a cair —, Espanha foi um dos primeiros países a lançar um plano agressivo de combate à escalada do preço da eletricidade, que incluiu a criação de uma taxa que as produtoras de energia sem custos com CO2 estavam a obter na venda de eletricidade a preços recorde fixados pelas centrais a gás. O país também começou por reduzir o IVA de eletricidade de 21% para 10% em 2021 e, um ano depois, em junho de 2022, para 5%. Em outubro, foi a vez do IVA do gás cair, de 21% para 5%, ao abrigo da diretiva europeia que permitiu a redução sem autorização prévia de Bruxelas, isto se for cumprido o limite de categorias de bens com taxa reduzida. Estas reduções na eletricidade e no gás foram prolongadas até final de 2023.

Em conjunto com Portugal pôs em marcha um mecanismo ibérico para limitar o preço médio do gás na produção de eletricidade, pedido pelos dois países ibéricos em março do ano passado como resposta à crise energética. Este mecanismo já foi prolongado até ao final deste ano, mas não tem sido sempre necessário, devido à redução do preço do gás natural pelo fim do inverno e da inexistência de perturbações ao normal abastecimento deste combustível, apesar de não ter fim à vista a guerra na Ucrânia.

Do IVA da luz aos cheques para todos. Como compara o pacote anti-inflação de Costa com os planos de outros países

O país vizinho também deu, durante parte de 2022, um desconto de 20 cêntimos por litro de gasolina e gasóleo. Se este apoio chegou ao fim em janeiro deste ano, o governo espanhol decidiu prolongar por 2023 a gratuitidade das viagens na Renfe, no caso dos viajantes frequentes, nos comboios de curto e médio curso, assim como o desconto de 50% nos comboios regionais. No final de 2022, estes apoios estavam a chegar a 2,5 milhões de pessoas.

À semelhança de Portugal, houve também medidas específicas para as famílias mais vulneráveis, como uma tarifa social na eletricidade, alargando os descontos na luz, e prolongou a proibição de cortes no fornecimento de energia. Às famílias com menores rendimentos e património deu um cheque de 200 euros (acima dos 125 euros que Costa fez chegar a todos os portugueses com salários até 2.700 euros), e outro no arranque de 2023, de que podem beneficiar cerca de 4,3 milhões de famílias.

Foram quatro os pacotes anunciados pelo governo de Pedro Sánchez ao longo de 2022 para combater os efeitos da inflação, o que, segundo a Reuters, coloca o total das ajudas em 45 mil milhões de euros desde o início daquele ano. O Banco de Espanha calcula que as medidas do governo espanhol para fazer baixar a inflação, em 2022, tenham reduzido o índice de preços no consumidor em 2,3 pontos percentuais e melhorado o PIB em 1,1 pontos.

Espanha foi também um dos primeiros países a baixar o IVA de alguns produtos alimentares, e foi mesmo apresentado como uma referência nesse campo. Mas em fevereiro, o IVA zero no país não foi capaz de impedir o aumento dos preços. No fim de contas, o cabaz espanhol é menos ambicioso do que o português — só tem 11 produtos, enquanto o criado pelo Governo de Costa chega aos 46, e não inclui nem carne nem peixe.

Distribuição sob pressão máxima do Governo por causa de preço dos alimentos. Medidas de outros países estão a ser estudadas

Excluindo a energia e a alimentação dos dados da inflação — a chamada inflação subjacente — Espanha assistiu a dois meses consecutivos de quedas “substanciais”. “Embora possa haver muitas razões por trás disso, gostaríamos de salientar que em Espanha os efeitos da segunda ordem foram muito limitados (os salários estão a aumentar a uma taxa moderada e as margens de lucro medidas pelo excedente operacional bruto sobre as vendas totais ainda não recuperaram níveis pré-pandémicos)”, indicam os economistas do BPI.

As reformas nas pensões e na lei laboral. Efeitos vão perdurar?

Juan Martínez Lázaro não vê reformas com significado da autoria de Pedro Sánchez em Espanha nos últimos anos. “Para continuarmos a receber os fundos do Next Generation EU tivemos de aprovar reformas no Parlamento, como a lei laboral. Mas acho que não é suficiente. A nossa taxa de desemprego está perto de 13%, temos cerca de três milhões de desempregados”, defende o economista. Em Portugal e na média da UE a taxa de desemprego é metade desse valor, mas Espanha há muito que foge a esta regra (já antes da governação de Sánchez). O ponto de Lázaro é que a reforma laboral que foi feita não parece estar a reduzir este fosso. Em pior estado está a taxa de desemprego jovem (29,8% em 2022), que é das mais altas da UE (média de 14,5% no mesmo ano).

De forma semelhante ao que Portugal fez, também Sánchez apertou o cerco aos contratos temporários, tentando incentivar a contratação permanente. As alterações laborais foram uma das bandeiras da coligação com o Unidas Podemos. Como explicou o El País, uma das mudanças restringe os contratos temporários, que passam a poder manter-se apenas em circunstâncias excecionais, como motivos estruturais (alterações na produção da empresa, por exemplo), e para substituição temporária de trabalhadores. As empresas podem também recorrer a este tipo de contratação em situações de picos de trabalho, como no Natal ou nas campanhas agrícolas. A nova lei reforça ainda a contratação coletiva para os trabalhadores de empresas de subcontratação e facilita os apoios em caso de layoff.

A reforma foi aprovada numa votação caricata, com apenas um voto de diferença — e só porque um deputado do PP se enganou a votar (aprovou a lei laboral em vez de votar contra). Foi o voto que faltava para que tivesse luz verde.

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Foram quatro os pacotes anunciados pelo governo de Pedro Sánchez ao longo de 2022 para combater os efeitos da inflação, o que, segundo a Reuters, coloca o total das ajudas em 45 mil milhões

Europa Press via Getty Images

Mas está a reforma a ter os efeitos desejados no mercado de trabalho? Depende do indicador para que se olha. Dados divulgados pelo governo espanhol um ano depois da entrada em vigor da reforma são positivos: o emprego atingiu os valores de 2007, o número de jovens com trabalho chegou ao melhor valor desde 2011, e os contratos temporários caíram 30% nos primeiros 11 meses de 2022 — alterações que o executivo de Sánchez se apressou a atribuir às alterações.

Nem tudo são boas notícias: um relatório do instituto EY-Sagardoy Talento e Innovación, elaborado com a Fedea e o BBVA Research, que entrevistou 500 gestores de recursos humanos, concluiu que apesar de reduzir os contratos temporários, a lei não foi capaz de melhorar a qualidade do emprego. Mais: a taxa de desemprego mantém-se no dobro da média da UE.

Sánchez também pôs em marcha uma reforma das pensões que demorou três anos a preparar e que, entre outros aspetos, muda a sua fórmula de cálculo, podendo o futuro pensionista optar por uma que alarga o número de anos tidos em conta; fez aprovar melhorias das pensões de quem teve carreiras contributivas intermitentes, como muitas mulheres; e aumentos para as pensões mínimas. Para aumentar as receitas, e reforçar a “sustentabilidade do sistema” (foi assim que foi apresentado pelo governo) introduziu um “mecanismo de equidade intergeracional”, que cria uma contribuição social adicional sobre trabalhadores e empresas, e funciona como uma espécie de “almofada” para fazer face a eventuais desvios na despesa com pensões — o que lhe valeu muitas críticas dos empregadores —; criou uma contribuição “solidária” para os salários mais altos; e aumentou a base de incidência (ou seja, o limite a partir do qual deixam de incidir as contribuições) pelo índice de preços no consumidor, acrescido de um adicional.

Há outra medida que tem sido vista como um risco para a sustentabilidade do sistema: a fórmula de atualização das pensões que tem em conta a média anual do índice de preços no consumidor — e que, em janeiro de 2023, determinou atualizações de 8,5%, quase em linha com a inflação média anual, 8,4%, o que ajudou a elevar a despesa com pensões para um recorde de quase 12 mil milhões de euros em maio. “As agências internacionais já disseram que este tipo de reforma não vai ser suficiente para resolver o problema com o sistema de pensões. O problema é que não temos dinheiro suficiente para pagar as pensões. Esta não é a reforma de que precisávamos, é um cosmético”, atira Juan Martínez Lázaro.

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Estas reformas foram necessárias para o cumprimento de uma componente do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) acordado com Bruxelas, que consistia em garantir a sustentabilidade a longo prazo do sistema de pensões. O quarto desembolso das verbas do PRR depende da avaliação que a Comissão Europeia fizer das alterações nas pensões.

Sánchez viu ainda sindicatos e patrões fecharem um acordo bipartido (portanto, sem o governo) para aumentos salariais, semelhante — mas menos ambicioso — ao português: enquanto, por cá, o acordo tripartido (o governo está envolvido) compromete as empresas a aumentos salariais de, pelo menos, 5,1%, em 2023, em Espanha o limiar foi fixado em 4%. Já para 2024 e 2025 é de 3% (em Portugal, de 4,8% e 4,7%, respetivamente).

Alvo de acordo, mas só com os sindicatos, esteve a subida do salário mínimo, que subiu 8% para os 1.080 euros este ano, o que significa que, em cinco anos de Sánchez no governo, subiu 47%. Acordo alcançado com os sindicatos, mas não com as confederações patronais. Yolanda Diaz, ministra do Trabalho, estimou em 2,5 milhões o número de pessoas que recebe o salário mínimo em Espanha.

Mais habitação pública daqui para a frente. E nos últimos 5 anos?

Tem sido outra das bandeiras da governação de Sánchez: a lei da habitação de Espanha, que vai mais além do que a portuguesa nos limites ao aumento de rendas, mas também promete construção pública, uma área que Juan Martínez Lázaro acredita que foi descurada nos últimos anos. “Se Pedro Sánchez quer baixar os preços, tem de construir mais casas. E ao longo destes cinco anos que esteve no poder não o fez. Há um mês, durante a campanha eleitoral, prometeu perto de 20.000 novas casas nos próximos anos”, critica.

De facto, a lei da habitação de Sanchéz, a primeira da democracia, resulta de um acordo entre o governo espanhol com a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) e a coligação basca EH Bildu. Desde logo, introduz um limite máximo permanente à subida das rendas, uma questão que levantou intensos confrontos entre os partidos da coligação. É que enquanto o Unidas Podemos queria fixar a taxa nos 2%, o PSOE queria que subisse para 3% durante dois anos, e a partir daí que fosse estabelecida uma metodologia. Depois de um braço de ferro, a referência ao IPC (índice de preços no consumidor) foi eliminada da fórmula. Assim, este ano, mantém-se o limite de 2% (o mesmo valor que António Costa definiu para Portugal), e passa para 3% no próximo ano. A partir de 2025, será substituído por um novo índice de referência, que evitará que as rendas possam ser atualizadas desenfreadamente em momentos de inflação elevada. Não está ainda determinado mas não deverá levar a uma atualização superior à que adviria da atualização pelo IPC e deverá ser mais estável.

Outra das questões mais polémicas foi a definição de “zonas de tensão” — bairros ou municípios em que a subida significativa dos preços está a expulsar os residentes. Nesses locais, haverá limites adicionais. A declaração de uma zona como sendo de “tensão” é da responsabilidade das comunidades autónomas e dos municípios, e será válida por, pelo menos, três anos. Considera-se que a zona é de tensão quando o custo médio da renda ou da prestação mais despesas é superior a 30% do rendimento médio dos agregados da zona ou quando o montante da renda ou da compra de casa tenha aumentado, pelo menos, três pontos percentuais acima do IPC, nos cinco anos anteriores. Nestas zonas, os contratos de arrendamento em vigor ficam sujeitos a regras próprias de atualização.

Nas zonas de tensão, a lei reduz para cinco o número de fogos que um senhorio tem de ter para ser considerado grande proprietário (e não 10, como atualmente). Quando estes senhorios arrendem numa zona de tensão, é-lhes aplicado um “índice de contenção de preços”, que dependerá de zona para zona. No caso dos pequenos proprietários, que terão incentivos fiscais para que lhes compense colocar a casa a arrendar, a renda terá de ser indexada à renda anterior, se for um contrato novo. Se a casa estiver a ser arrendada pela primeira vez, numa zona de tensão, estará sujeita ao índice de contenção de preços que se aplica aos grandes proprietários.

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Haverá também maior proteção em caso de despejo: os senhorios têm de informar sobre a data e hora do despejo, e o apoio aos mais vulneráveis é reforçado, como o acesso obrigatório a soluções extrajudiciais. Outro dos focos das promessas é a habitação social: a percentagem de terrenos que lhe são destinados é aumentada de 30% para 40% nos terrenos urbanizáveis. Sánchez prometeu, na campanha eleitoral, construir ou renovar 113 mil com financiamento público, para arrendamento acessível, nos próximos anos.

De facto, tanto em Portugal como em Espanha, os governos foram optando por subsídios públicos e incentivos fiscais para encorajar a compra de casa, daí que sejam dos países com maiores níveis de proprietários de imóveis na Europa ocidental, mais de 75%. Em Espanha, só 3% da habitação é pública (ainda assim um valor acima do português), o que compara com os 9% da média da UE. O primeiro-ministro espanhol estabeleceu como objetivo que Espanha atinja os níveis dos países nórdicos, 20%.

Mas, segundo o El Economista, a lei da habitação é um dos dossiês que fica em banho-maria com as eleições antecipadas. Isto porque o PP já veio dizer que não vai aplicar a lei nos pontos que são da competência das regiões ou dos municípios, como a regulação das rendas em zonas de tensão ou delimitação dos grandes proprietários. Fontes do setor ouvidas pelo jornal espanhol admitem mesmo que a lei venha a ser revogada na sua totalidade, se o PP vencer as eleições gerais de 23 de julho. E mesmo se for aplicada nalgumas comunidades e não noutras colocam a hipótese de Espanha ficar a “duas velocidades”, e a deslocar o investimento para as comunidades que não imponham limites ao arrendamento.

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No início de maio, também durante a campanha, Sánchez anunciou uma linha de garantias para ajudar os jovens a comprar casa, em que garantirá até 20% da hipoteca. A medida aplicar-se-á a jovens com menos de 35 anos e rendimento anual inferior a 37.800 euros, assim como a famílias com menores independentemente da idade. O objetivo, disse Sánchez, é fazer com que a habitação deixe de ser um “problema enorme” para os jovens, e seja um direito constitucional. Em Espanha, os jovens saem de casa dos pais, em média, aos 29,9 anos, mais três anos do que na média da UE (em Portugal, ultrapassa os 30 anos).

Mas a medida arrisca não passar de uma promessa, depois de as eleições de domingo, e a antecipação das legislativas, terem deixado Espanha em carris incertos. Alberto Núñez Feijóo, líder do PP, fala numa Espanha “farta do sanchismo” e promete dar luta. Mas mesmo após as eleições, e quer o PP volte ao poder ou Sánchez se mantenha no cargo, pode demorar semanas, ou meses, até formar um novo governo. Tudo numa altura em que Espanha assumirá a Presidência do Conselho da UE. O economista Juan Martínez Lázaro não tem dúvidas: “Acho que vamos perder a oportunidade de fazer muitas coisas”.

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