Entrevista em São Miguel, Açores
Falta um dia e meio de campanha, e o candidato do PS à presidência do governo regional dos Açores desce a pedreira do Nordeste, na ponta oriental da ilha de São Miguel, com a passada larga do costume. É engolido pelo verde dos campos à sua volta, porque pessoas há poucas para cumprimentar. É lá em baixo, num muro à beira da estrada engolido por essa mancha verde e azul (com o mar ao fundo) que o também Presidente do Governo regional dá uma curta entrevista ao Observador.
Um carro ou outro passa, e vários são os gatos que, passando ali à volta, se vão entrelaçar nas pernas de entrevistadora e entrevistado, mas Vasco Cordeiro não sai do mesmo registo: não equaciona outros cenários que não o da maioria absoluta, e rejeita extrapolar para acordos futuros o entendimento que o CDS na região tem tido com o PS na Assembleia Legislativa. “O pior serviço que se pode prestar aos Açores” era esse, deixar o PS a olhar para a esquerda ou para a direita, preocupado em governar à vista, alerta. Ou seja, só com maioria absoluta é que o PS dá estabilidade aos Açores. É esta a mensagem de campanha dos socialistas, numa altura em que a única sondagem divulgada aponta para a reedição da maioria, mas por um triz. Será a sexta desde que Carlos César iniciou as maiorias absolutas do PS nos Açores no ano 2000. Não é demais? O PSD esteve no governo mais tempo, responde Cordeiro.
Candidata-se para o terceiro e último mandato na presidência do Governo regional dos Açores. Há 24 anos que o PS governa nos Açores, 20 deles com maioria absoluta. Isto não é tempo demais?
É tempo que tem sido renovado de quatro em quatro anos, e uma das razões pelas quais acredito que o PS tem merecido a confiança dos açorianos tem sido porque o próprio PS tem sabido renovar-se.
Antes do PS, foi o PSD que liderou os Açores durante outras duas décadas e o PS era o primeiro a apontar o dedo aos vícios que se criam e ao facto de as maiorias absolutas muito prolongadas não serem vantajosas. Não se aplica o mesmo princípio ao PS?
O que posso dizer sobre isso é que, se retirarmos a situação do presidente Madruga da Costa, entre 1995 e 1996, o presidente do PSD que esteve mais tempo no Governo regional, Mota Amaral, esteve mais tempo do que qualquer um dos presidentes do PS.
É uma competição entre os dois partidos?
Não é competição nenhuma. É indesmentível, na situação que estamos a viver, que termos a possibilidade de ter segurança, estabilidade, ter as condições para passarmos esta tormenta que estamos a viver com um rumo certo é uma vantagem. E aí, o juízo dos açorianos a cada quatro anos é que é soberano.
“Oposição está na campanha para tirar maioria ao PS”
A crise pandémica dá mais força à ideia de que o PS deve manter-se no poder?
Não, esta crise pandémica dá mais força à necessidade de estabilidade, de segurança, de ter no fundo uma governação que coloque como critério principal e único a defesa dos Açores e dos açorianos e não uma disputa entre partidos.
E como é que se consegue essa estabilidade se não for através da maioria absoluta? Com que partido é que o PS conta se não tiver maioria?
É melhor não irmos por aí porque a minha resposta a essa matéria é clara: os açorianos decidirão. Aquilo a que temos assistido nesta campanha é os partidos da oposição a estarem nesta campanha por causa do PS, para tirar a maioria absoluta ao PS. E o PS está nesta campanha por causa dos Açores.
O CDS é um partido que tem viabilizado vários orçamentos na Assembleia Legislativa Regional. É um parceiro preferencial do PS?
O CDS tem votado a favor…
…Sem necessidade de votar a favor, porque os votos do PS chegam.
Exato. Mas há outro dado que é importante salientar, das iniciativas que foram aprovadas nesta legislatura na Assembleia Legislativa regional cerca de 94% foram aprovadas por mais de um partido. Julgo que isso dá nota da forma como o PS encara as condições que tem na Assembleia Legislativa da região. Condições de segurança e de estabilidade, mas que não impedem um trabalho de diálogo, de concertação e de cooperação com outros partidos, uma vez que só assim é que se explica este número.
Mas os orçamentos são sempre momentos importantes para a estabilidade de um governo, e o CDS votou três vezes, nas últimas quatro, ao lado do PS, mesmo não sendo preciso aritmeticamente. Isso diz alguma coisa. É um parceiro preferencial?
A forma como as propostas de orçamento são apresentadas bem como a postura de diálogo e de concertação que o PS tem assumido têm permitido construir esse quadro mais alargado de aprovação, ou, dito de outra forma, de não-voto-contra por parte de outros partidos.
Isso pode aplicar-se a um cenário futuro, se o PS não tiver a maioria?
Pode-se aplicar ao passado, que é a realidade que nós temos. Futurologia não fazemos.
Não equaciona outro cenário que não o da maioria absoluta?
O cenário que equaciono é o seguinte: no dia 25, os açorianos devem ir votar porque através do exercício do voto podem dar mais força aos Açores. E para além disso, um dos aspetos que o PS considera que deve ser avaliado, no meio de toda a conjuntura que vivemos, é o valor da estabilidade, da segurança, de não termos algo semelhante a um barco no meio de uma tormenta com vários a quererem agarrar o leme. Um a dizer que é para a direita, outro a dizer que é para a esquerda, para a frente ou para trás. Esse é o pior serviço que se pode prestar aos Açores. O juízo que a partir daí se faz é explicitar aquilo que achamos que está em causa no dia 25: está em causa dar força aos Açores e à nossa autonomia através do voto, e sendo o PS um garante de estabilidade, de rumo firme, tudo isto deve ser valorado e decidido pelos açorianos.
Quando fala nessa dualidade entre olhar para a esquerda ou para a direita, faz mais sentido o PS olhar para a esquerda, para o BE por exemplo, se precisar de um mandato ou dois para chegar à maioria? Não seria mais coerente com o que se passa em termos nacionais?
Essa é uma forma inteligente de procurar resposta à pergunta sobre a qual já respondi. Os açorianos decidirão no domingo. Não há necessidade de estarmos aqui a especular. Não há receio nenhum.
Candidato do PSD investigado. “Notícia não é nova, já foi notícia aqui nos Açores”
Há quem equacione ainda um outro cenário. Mota Amaral fê-lo num artigo de opinião esta semana: se o PS não tiver maioria, todos os partidos juntarem-se numa espécie de geringonça alargada para tirar o PS do poder…
O doutor Mota Amaral foi meu antecessor como presidente do governo regional, permitir-me-á não comentar as suas declarações.
Pode comentar só o cenário.
Aquilo que nós temos notado nesta campanha é que todos os partidos estão nesta campanha por causa do PS. O PS está nesta campanha por causa dos Açores. Julgo que o que está em causa é percetível e os açorianos avaliarão.
António Costa não esteve cá a fazer campanha ao seu lado. Porquê?
Naturalmente porque as solicitações que tem a outro nível não o permitiram. Mas quem me dera a mim que todos os partidos que são candidatos a estas eleições regionais tivessem um líder nacional que tivesse feito tanto pelos Açores como António Costa.
Esta quinta-feira o jornal Público divulgou uma notícia sobre o seu adversário, o candidato do PSD à presidência do governo regional, que está a ser investigado pelo MP por insolvência culposa em relação a uma empresa pública, a Azores Parque. Não é estranho esta notícia sair a dois dias das eleições?
Isso terá de perguntar ao jornal que publicou. A notícia não é nova, já foi notícia aqui nos Açores. Sobre isso só tenho a dizer: que se esclareça tudo o mais rápido possível.
Campanha sem festa “é uma questão de respeito”
Em relação a esta campanha, é a primeira da era Covid. Como é fazer campanha assim?
É diferente. Muito diferente. Desde o contacto com as pessoas, até aos eventos de campanha que o PS decidiu que não realizaria: comícios, jantares, almoços-comício. É uma situação que impõe algumas diferenças mas mesmo assim temos feito esforço no sentido de contribuir para o esclarecimento, para a mobilização das pessoas, para irem votar no dia 25.
E não fazem esse tipo de eventos para dar o exemplo? A campanha nos Açores tem de servir de ensaio para as campanhas que se seguem para o ano, presidenciais e autárquicas?
Não, é sobretudo um sinal de respeito. Um sinal de respeito para com as pessoas, trabalhadores, que ao longo destes meses fizeram muitos sacrifícios para preservar a saúde pública. E acho que esta é uma forma de demonstrar algum respeito.
Está a candidatar-se para um terceiro e último mandato. O seu próximo governo já vai refletir a preparação da sua sucessão?
Agradeço a confiança que demonstra na eleição do PS, mas vamos aguardar por domingo.
Imagino que espere que vá ser eleito. Se for eleito, terá de preparar a sua sucessão. Francisco César é um nome possível?
Agradeço a confiança que demonstra na eleição do PS, mas vamos aguardar por domingo.
Não vai sair desta resposta. O PS vai discutir brevemente o apoio para as presidenciais de janeiro. Já decidiu o que vai fazer?
Depois das regionais conversamos. Neste momento, a minha prioridade é os Açores, fazer tudo o que estiver ao meu alcance para defender e preservar os Açores nesta tempestade pandémica que aí vem. A segunda prioridade são as eleições regionais. Depois então teremos oportunidade de falar.
Concorda com Augusto Santos Silva, que diz que Ana Gomes, socialista, não daria uma boa candidata do PS?
A minha resposta mantém-se.
Se o PS vencer estas eleições baterá o recorde ficando à frente do Governo durante 28 anos. Há falta de liberdade política nos Açores?
Já referi alguns elementos que dão bem nota do clima e da postura de diálogo do PS. Eu sei que há alguns partidos que gostam muito de insistir nesta tecla, mas a verdade é que à pergunta ‘digam-me onde, quando, com quem é que isso aconteceu’ ninguém indica um caso concreto, ninguém indica uma situação concreta. As situações não são toleráveis, como não é tolerável a acusação geral e abstrata. Portanto, se sabe diga qual foi a situação para que eu possa agir.