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Rui Oliveira/Observador

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Vasco Mourão: “Não tenho o mínimo de sentido de camaradagem com os meus funcionários, mas tenho uma relação de confiança"

No ano do 25.º aniversário do Grupo Cafeína, falámos com o empresário Vasco Mourão sobre o início do seu quarteirão gastronómico no Porto, os efeitos da pandemia e os projetos que tem para o futuro.

Nasceu no Porto numa família de advogados, ainda estudou direito, mas acabou por trocar o curso pela restauração. No final dos anos 80, Vasco Mourão começou por ter um bar de praia com um amigo, seguiu-se a sua primeira experiência gastronómica a dirigir um restaurante na baixa, isto numa época em que o lazer e a animação portuenses se dividiam entre a Ribeira e a Foz.

Os dois projetos dependiam da meteorologia e o sonho de Vasco em abrir um negócio à prova de inverno localizado na sua área de residência, a Foz, ganhava dimensão. Em 1995 surge o Cafeína, um restaurante influenciado pela gastronomia francesa na cozinha portuguesa, requintado, sofisticado e diferente do que existia.

Dois anos depois, o empresário compra um edifício do outro lado da rua, dá-lhe um toque oriental e inaugura mais um restaurante, o Terra. “A minha intenção sempre foi ter uma oferta diferenciada, que as mesmas pessoas pudessem variar dentro do mesmo bairro, ir a sítios com conceitos diferentes, com preços diferentes e com posicionamentos diferentes. O meu propósito é esse.”

No mesmo quarteirão, aposta num desejo antigo ao abrir um italiano, o Portarossa, e arrisca em algo descontraído que batiza com o seu próprio nome, a Casa Vasco. “Quando comecei nesta vida, percebi logo que tinha que confinar os negócios à zona onde vivo para poder ir a pé para todo o lado, e assim reduzir a parte mais chata que isto tem: as deslocações e o tempo que se perde com elas.”

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Vasco Mourão não sabe cozinhar, nunca aprendeu, prefere gerir pessoas, espaços e custos. Com quatro restaurantes praticamente à porta de casa, regressa à baixa do Porto em 2017, primeiro com o Panca e depois com a Tasca Vasco, dois projetos que não vingaram. Um ano depois, vende parte do seu negócio global ao grupo José Avillez e juntos compram o espaço do antigo Café Progresso, o mais antigo da cidade, para lá instalarem um segundo Cafeína. Com a pandemia a parceria desfez-se e o espaço foi alugado à Casa Guedes, negócio famoso pelas suas sandes de pernil.

A Covid-19 obrigou-o a abrandar, fechou os restaurantes e remodelou-os, dispensou funcionários e rendeu-se ao takeaway, mas ainda não conseguiu calcular o prejuízo de forma rigorosa. “Acho que estava relativamente preparado para uma parte significativa das perdas, a parte que não estava preparada pedi ao banco”, confessa. Ainda assim, prepara-se para abrir um quinto restaurante na Foz ainda este ano. “A vida é assim, vejo isto como um desafio.”

Pragmático, autoritário e com “ímpeto para o negócio”, Vasco Mourão é atento aos detalhes, assume-se como um workaholic e não imagina o grupo Cafeína depois de si. Toma decisões algures entre a estratégia e a emoção, raramente se arrepende e vê nas crises financeiras e sociais “uma necessidade que obriga sempre as pessoas a melhorar”.

Aos 55 anos, Vasco Mourão é um dos empresários da restauração mais bem sucedidos do país, com um verdadeiro quarteirão gastronómico na Foz

Rui Oliveira/Observador

Fale-me das suas origens.
Tenho 55 anos, nasci no Porto numa família de advogados. Vivi sempre aqui na Foz, também estudei direito, mas não cheguei a acabar o curso. No meio dos estudos surgiu a hipótese de abrir um bar na Praia da Luz, foi o meu primeiro negócio nesta área. Eu e um amigo meu, que depois se tornou meu sócio, comprámos uma concessão de barracas e transformámos aquilo num bar em 1989. Estive lá até 1997.

Como foi essa experiência?
Tive várias fases. Primeiro, nunca pensei que desse tanto trabalho, depois, nunca pensei que faturasse tanto dinheiro e também nunca pensei que fosse tão difícil ganhar dinheiro. Ali era especialmente difícil, porque estamos a falar de uma área consideravelmente grande, acaba por ter uma variedade de custos para gerir e ainda por cima de forma sazonal. Matei a minha cabeça durante anos, mas acho que transformei aquilo num negócio giro. Depois separei-me do sócio que tinha, eu fiquei com o Cafeína e ele com o Café na Praça, que era outro café/restaurante que tínhamos na baixa do Porto.

Esse café foi o seu primeiro contacto com o negócio de comida?
Sim, abri-o em 1991, ficava na Praça da Lisboa. Era um negócio com uma vertente cultural e artística muito ativa, mas acabou por fechar em 2002 com a falência comercial daquela zona. No da Luz havia uma oferta residual de comida, mas era algo simples e não tinha um significado muito grande. Foi no Café na Praça onde basicamente aprendi a gerir um restaurante, claro que aprendi com os erros e alguns clientes provavelmente ainda se lembrarão deles.

Algum que o tenha marcado especialmente?
Aquilo tinha um problema enorme que era o facto de a cozinha ser minúscula e também não tinha uma estrutura que permitisse sustentar um negócio daquele género. Lembro-me de uma vez em que a cozinheira não apareceu e fui cozinhar, eu não sei cozinhar nada, então fiz omeletes e mesmo assim foi uma desgraça. Hoje em dia não é fácil pensar que se possa ter um negócio a funcionar assim, mas na altura foi giro.

Continua sem saber cozinhar?
Nada, acho que já não vou a tempo. Em teoria até gostava, mas acho que já não vale a pena.

Como era o Porto nessa altura?
A baixa tinha tido imensa pujança comercial, mas estava começar a cair pela abertura dos centros comerciais que fizeram com que as grandes marcas fechassem as lojas no centro. Do ponto de vista urbanístico, estava extremamente degradada e acabou por ficar deserta. A Ribeira na altura já era um local muito turístico, foi um sítio de grande animação noturna até limitarem o trânsito de automóveis naquela zona. A Foz era o grande polo de animação do Porto, as discotecas, os bares e os restaurantes situavam-se aqui, só mais tarde a animação noturna passou para a zona industrial e uma parte de cidade um bocado árida. De uma forma completamente espontânea acabou por aparecer na rua Galeria Paris o epicentro do que é hoje a movida. Na realidade, estas coisas são um bocado cíclicas.

"Tenho uma ligação emocional a estas casas, a estes negócios, à zona, aos clientes, além do interesse económico. Não me posso desassociar isso. Estou muito habituado a ter um trabalho a porta de casa que esta sempre a funcionar as 9h até as 2h e para mim perder isso será um vazio complicado."

O Cafeína surge em que contexto?
Abriu em 1995 numa altura em que tinha dois negócios com alguma dimensão, a Praia da Luz e o Café na Praça, mas ambos estavam muito dependentes do tempo, pois a grande parte dos espaços era a céu aberto. Desesperava com aquilo e queria abrir um negócio de inverno, fazia sentido numa cidade que estava sempre a chover. Encontrei uma casa que estava fechada e meia abandonada e decidi abrir lá.

O que tinha pensado para aquela espaço?
Tinha estado na Alemanha a ver uns cafés e restaurantes, queria um modelo internacional e cosmopolita. Nessa época, gostava que os espaços que geria fossem muito públicos.

Como assim?
Num restaurante, as pessoas só entram para almoçar ou jantar, a maioria faz reserva, há uma formalidade, um filtro. Gostava muito da parte pública de um negócio, em que as pessoas pudessem entrar e sair a qualquer altura do dia. O Cafeína começou por ser um restaurante/cafetaria/bar e foi assim durante anos. Era um sítio onde qualquer pessoa entrava a qualquer hora para beber um café e se misturava com as outras que estavam a almoçar ou a jantar. Depois com os anos mudei, acho que também tem a ver com a idade, acabei por privilegiar mais a parte de restaurante e abandonei um pouco esse conceito.

Como foi recebido o projeto?
Muito bem, sempre foi um restaurante que teve muito sucesso, talvez com mais dificuldade ao almoço no arranque. Tenho alguns pratos de lá que estão desde o início, como o bife Wellington, o magret de pato com molho de laranja ou os crepes de legumes. O restaurante foi evoluindo, acho que mesmo as pessoas que vão lá desde sempre não têm ideia até que ponto é que o Cafeína mudou desde que abriu. O meu ponto de partida era ter alguma influência francesa na cozinha portuguesa, acho que foi isso que determinou o sucesso do restaurante. Mais tarde, tentei algumas influências italianas e asiáticas e tudo se foi somando. Esta mistura já existia em alguns sítios, mas talvez não com aquele modelo, muito descomprometido por um lado, mas algo sofisticado por outro. Acredito que o portuense reage muito positivamente ou negativamente conforme sente este tipo de projetos em relação a si próprio. Claro que há sempre pessoas para todos os gostos, mas já vi fecharam no Porto restaurantes francamente sofisticados, muito bem feitos e que teriam sucesso em qualquer parte do mundo, mas que cá foram rejeitados completamente. Acho que isto acontece porque o cliente não gosta muito de coisas que se sinta muito longe delas, gosta de coisas diferentes e que sejam tendência, mas que têm que se sentir confortáveis. É a experiência que eu tenho.

Esse é um risco que nunca quis correr?
Eu corro sempre no limite, o meu exercício é esse.

Vasco não sabe cozinhar, não vai às compras nem lida com fornecedores, prefere dedicar-se aos detalhes da sala, das mesas e das casas de banho

Rui Oliveira/Observador

Em 1999 abre o Terra, exatamente em frente ao Cafeína.
Sim, mesmo em frente existia um restaurante muito tradicional aqui na Foz, chamava-se Porto Fino, esteve aberto durante quase 20 anos e ardeu em 1999. Pensei que poderia vir para ali uma churrasqueira em frente a mim e seria um problema, então comprei-o um bocado a medo. Foi estratégia e estava com receio de fazer concorrência a mim próprio, então decidir abrir um restaurante completamente diferente, inicialmente chamava-se Oriental. Teve um sucesso comercial grande e não era minimamente complementar do Cafeína. Em 2004 senti necessidade de os tornar complementares de alguma forma, uma vez que mandava imensos clientes embora, então mudei o conceito do Oriental, onde tinha um público muito específico, mas que não crescia, e assim nasceu o Terra, como hoje o conhecemos. O objetivo era o Terra ter números muito semelhantes aos do Cafeína e ao fim de um ano consegui. Comecei logo a ter sushi, que era algo que não havia no Porto, e hoje continua a ser um dos pontos fortes da casa.

O público é necessariamente diferente nos dois restaurantes?
Hoje não, são complementares. Para mim é fundamental frequentarem um lado e o outro.

O Portarossa surge alguns anos depois. Porquê?
Sim, abriu em 2013 no mesmo quarteirão, num sítio onde um amigo meu tinha um restaurante, mas que não correu bem e então decidi comprar-lhe. Achei que aquilo tinha um caráter de uma pizaria de bairro e há muitos anos que queria ter um negócio de pizzas, que é sempre mais fácil e mais rentável. A ideia era fazer uma pizaria um bocadinho mais chique e hoje é um enorme sucesso. O Portarossa é talvez o restaurante que tenho com mais sucesso desde o início, à semelhança do Cafeína. Também tive restaurantes que correram mal, lembro-me do Trinca Espinhas, em Matosinhos, por exemplo, que abri em 1999 e fechou passado pouco tempo. Nem tudo me correu bem. E essa experiência serviu para perceber que nunca mais na minha vida quero ter um negócio ligado ao peixe, é um produto que tem uma grande variação de preço e de aproveitamento.

A Casa Vasco nasce logo a seguir duas ruas abaixo?
Um ano depois. Na verdade, já tinha aquele espaço desde 2003, foi uma taberna antiga, depois uma loja gourmet que abri com o meu irmão, que evoluiu para uma casa de tapas. Precisava de mudar a estrutura para tornar aquilo num restaurante, então submeti o projeto à Câmara para fazer obras e surgiu a Casa Vasco. A minha intenção sempre foi ter uma oferta diferenciada, que as mesmas pessoas pudessem variar dentro do mesmo bairro, ir a sítios com conceitos diferentes, com preços diferentes e com posicionamentos diferentes. O meu propósito é esse. Ao longo destes anos tenho pessoas que fazem um ciclo muito fechado nos meus restaurantes, pessoas que vêm ao Porto três dias e ficam só pelos meus restaurantes. Acho que até lhes devia dar um prémio.

"Acredito que quem conseguir chegar ao fim deste período de pandemia e sobreviver a trabalhar de forma razoavelmente tranquila, poderá ser sair melhor. A necessidade obriga sempre as pessoas a melhorar."

Abre restaurantes de uma forma estratégica, emocional ou tem um instinto investidor muito apurado?
Só com o Cafeína e o Terra estava bem. No caso da Casa Vasco tinha muitas memórias daquele espaço e o Portarossa nasce na sequência da crise de 2008 a 2011. Nessa altura, senti-me abalado e fragilizado, pensei no que podia correr mal e decidi que não podia ter as coisas tão concentradas, ou seja, se um restaurante corresse mal tinha que ter outros para me segurar. Aí foi mais estratégia, no sentido de crescer um pouco e tentar diversificar a oferta dentro da mesma zona.

Essa crise mexeu consigo?
Foi uma crise que me marcou muito, a mim como a todos os empresários do país. Nunca tinha vivido uma crise não aguda, não que do ponto de vista do negócio tenha sido especialmente afetado, que não fui, mas vivi aquilo com muita intensidade, existiram muitas transformações, foi intenso. Nesse momento defini que devia ter mais alternativas. Nas crises, a principal dificuldade é gerir os custos e nessa em particular o mais dramático foi o aumento do IVA na restauração, foi difícil de conseguir ajustar tudo.

Alguma vez ponderou fechar as portas?
Não, nunca me vi nessa situação.

Em 2016 regressa à baixa com um projeto novo.
Sim, o Panca abriu em 2016 muito por vontade do chef Camilo Jaña que trabalha comigo desde 2006. Como não cozinho, tenho de ter um braço direito que cozinhe. O Camilo é chileno e o Panca surge porque ele queria ter um negócio próprio ligado ao ceviche. Entre ele ir embora e abrir um restaurante com ele, preferi entrar com ele. Era uma coisa mais dele do que minha, aquilo teve imenso sucesso durante o primeiro ano e meio e depois caiu. Eu stressei um bocado, porque acho que os restaurantes étnicos são poucos consensuais. O Porto tem, apesar de tudo, uma clientela muito limitada de locais. Sempre gostei muito mais de me basear em locais e agora está aqui a prova à vista com esta pandemia. O Terra, por exemplo, tem sushi, mas quem quiser comer um bife também o pode fazer. O Panca era muito segmentado, muito tendência, eu irritei-me e achei que devia abrir a Tasca Vasco, que foi uma coisa mais tradicional. Também não resultou, mas o sítio não era grande coisa. Enfim, não diria que são erros de percurso, mas aprendizagens. Este tipo de negócios têm de ter algo de pessoal. Por exemplo, achava que fazia sentido abrir uma segunda Casa Vasco, hoje acho que não, pensei em abrir um segundo Cafeína na baixa, mas agora também acho que já não faz sentido.

Isso quer dizer que muda de ideias rapidamente?
Não, mas não sou fechado. Gosto de ir aprendendo e ir vendo, mesmo assim é difícil. Se começo com ideias fixas é que a coisa ficaria grave.

O Panca foi o segundo restaurante do empresário no centro da cidade. Especialista em ceviche e empadas argentinas, o negócio acabou por fechar

© Tiago Lessa / Divulgação

Em junho de 2018 vende parte do seus cinco restaurantes ao grupo José Avillez. Como é que isto acontece?
A nossa relação nasce pela amizade que já tinha há vários anos com o José Avillez, e depois com o interesse deles em desenvolverem algo no Porto achei que poderiam ser bons sócios. Vendi-lhes uma parte maioritária em cada um dos meus cinco restaurantes. O objetivo era que o negócio crescesse de forma rápida e mais consistente, foi um projeto que na realidade não durou muito tempo por causa da pandemia.

O Café Progresso, entretanto fechado, chegou a ter painéis de um Cafeína Downtown. Como ficou esse processo?
Sim, a ideia era fazermos um Cafeína na baixa, uma intenção que nasceu desta sociedade que deixou de existir e, portanto, isso também já não se vai fazer. O espaço é meu e aluguei-o à Casa Guedes.

Além de terminar com esta sociedade, o que a pandemia o obrigou mais a mudar?
Durante o período de confinamento mudou imenso a minha vida, foi uma nova realidade para mim. Desde 1989 que tenho negócios que fechavam apenas no Natal, dia de Páscoa ou passagem do ano. Foi estranhíssimo, uma pessoa que durante 30 anos está habituado a falar com pessoas, a preocupar-se e depois está dois meses em que não precisa de ir a lado nenhum nem falar com ninguém é estranho, mas também teve uma parte positiva. No meu caso fui para o campo, vivi a um ritmo que não estava habituado, mas tive logo consciência da gravidade da situação e que ia demorar a passar.

Que consequências trouxe a nível mais empresarial?
É a minha segunda grande crise e quando um negócio trava a fundo, o maior problema são sempre os custos. Tive que gerir e concentrar-me nisso, não me ia concentrar em fazer take away, pois sabia que ia ser relativamente residual nas receitas, por melhor que fosse. Tinha que me concentrar nos custos, no pessoal, não despedi ninguém, mas dispensei pessoas que tinha a prazo, tratar das rendas com os senhorios e depois acertar tudo com os fornecedores. Isso deu-me imenso trabalho e dores de cabeça, tive que pensar em fechar definitivamente a Tasca Vasco na baixa porque sabia que lá iria ser muito mais complicado. Só comecei a fazer take away no Portarossa e no Terra no dia 25 de maio e vou começar a fazer também na Casa Vasco.

Consegue calcular perdas monetárias?
Rigorosamente não, mas ainda estou a tê-las. Acho que estava relativamente preparado para uma parte significativa das perdas, a parte que não estava preparada pedi ao banco.

Qual foi o restaurante onde sentiu mais os efeitos da pandemia?
Sentiram todos porque fecharam, mas ao reabrirem todos eles têm funcionado bem, até surpreendentemente melhor do que eu esperava. Em todos eles fiz obras de recuperação do que existia, aproveitei o tempo de confinamento para melhorar os espaços. Aquele onde tenho mais dificuldade é sempre na Casa Vasco, que pela sua dimensão tem restrições legais que não há volta a dar, mas mesmo assim tem corrido bem.

"Acredito que o portuense reage muito positivamente ou negativamente conforme sente este tipo de projetos em relação a si próprio. Claro que há sempre pessoas para todos os gostos, mas já vi fecharam no Porto restaurantes francamente sofisticados, muito bem feitos e que teriam sucesso em qualquer parte do mundo, mas que cá foram rejeitados completamente."

Muito do seu público era também estrangeiro. Em que medida é que a ausência de turistas na cidade o afetou?
Tinha alguns, principalmente no Cafeína porque tinha mais marca. Sempre valorizei esse público, até porque os turistas são mais fáceis, têm mais disponibilidade para gastar dinheiro, são pessoas que vão e vêm. Sinto que nos últimos anos também me entreguei bastante aos turistas, mas nunca tomei uma decisão a pensar nesse público. Penso sempre os restaurantes para o público local, mas também não fiz nada para ter menos turistas. Normalmente eles marcam mesa com mais antecedência e até pela internet e tapam o restaurante quase por completo, por isso um português liga três ou quatro vezes e não consegue mesa ou quando a consegue janta rodeado de estrangeiros, comercialmente não é a melhor coisa do mundo. Podia fechar alguns canais para diminuir o cliente estrangeiro, mas nunca fiz isso, acho que as coisas são como são e nós queremos é trabalhar. Acredito que quem conseguir chegar ao fim deste período de pandemia e sobreviver a trabalhar de forma razoavelmente tranquila, poderá sair melhor. A necessidade obriga sempre as pessoas a melhorar.

Ainda não tem data definida, mas vai abrir um novo restaurante.
Sim, o Margherita, podemos dizer que será o irmão mais novo do Portarossa. Será também um italiano, igualmente informal, mas com uma decoração diferente do Portarossa, apesar de o posicionamento ser o mesmo. A ideia é continuar a ter uma cozinha com base na gastronomia italiana, mas com algumas variantes, ter mozarella bar, mais saladas e focaccias e, claro, pizzas.

Não há receio de os dois conceitos se confundirem um ao outro por serem tão parecidos?
Pode acontecer, mas não é um receio. Acho que vai acontecer um pouco isso, mas do ponto de vista comercial é mesmo propositado. O que não quero é que um seja menos que o outro, agora que se fundam e confundam não é um problema. O Portarossa tem muito sucesso, por isso das duas uma: ou este fica melhor e vai fazer sombra ou fica pior e também não dá.

Quando não dá certo, costuma eliminar logo?
Não elimino logo, mas há uma altura em que não dá. Não fico a marinar nas coisas durante anos, não fico preso a uma ideia ou a um negócio.

Abrir um restaurante em plena pandemia não é um risco demasiado grande?
A vida é assim, vejo isto como um desafio. O meu impulso é abrir já, mas ter cinco restaurantes com esta dimensão abertos é um barco grande. Como a Covid-19 ainda não está resolvida, aliás, estamos a entrar numa fase mais crítica, tenho que acalmar o meu ímpeto de abertura, mas espero abrir ainda este inverno.

Prestes a abrir o seu quinto restaurante na Foz, o empresário garante que quer ficar por aqui

Rui Oliveira/Observador

O Cafeína continua fechado para obras. Que mudanças se podem esperar?
Ao contrário dos outros restaurantes, que tiveram pequenas alterações da minha autoria, o Cafeína tem um projeto próprio do arquiteto José Carlos Cruz, que estava responsável pelo que iria ser feito no Cafeína da baixa, mas que depois não foi para a frente. Entendemos fazer aqui uma coisa integral quase de raiz, algo que requalificasse o espaço, que reestruturasse o restaurante, fazendo alterações de fundo, mas respeitando a sua personalidade e identidade. As pessoas não se vão sentir noutro sítio, a intenção não é essa, mas vão reparar em mudanças relativamente grandes. Era necessário fazer um upgrade ao restaurante para que ele se pudesse posicionar acima do que é. O Cafeína vai passar a estar noutro patamar do ponto de vista da sua organização e da sua oferta, porque é isso que o mercado espera. Começou por ser um café/restaurante ligeiro, mas foi-se tornando cada vez mais sofisticado, requintado e com mais qualidade porque os próprios clientes exigiram isso.

A carta também irá sofrer alterações?
Provavelmente sim. Os pratos que temos desde o início devem permanecer, ainda que com um restyling. O restaurante propriamente foi todo reformulado e terá um espaço, onde funcionava o meu antigo escritório, que dará origem a duas salas de jantar para grupos de 10 a 12 pessoas.

Bem, o tempo não está muito propício para grupos…
Sim, talvez todos os elementos da mesma família. Acredito que isto em seis meses esteja resolvido, com a vacina de Oxford acho que é certinho.

A opção de concentrar os seus negócios na Foz é algo emocional ou pura estratégica?
Tem mais a ver com a minha qualidade de vida. Quando comecei nesta vida, percebi logo que tinha que confinar os negócios à zona onde vivo para poder ir a pé para todo o lado e assim reduzir a parte mais chata que isto tem: as deslocações e o tempo que se perde com elas. O Avillez achou que esta minha teoria tinha toda a lógica e aplicou exatamente o mesmo no Chiado, que é a zona onde ele vive. Para mim, isto faz todo o sentido. Apostei na baixa depois, mas fui para motivar o Camilo, se fosse sozinho nunca o teria feito.

"É uma questão de personalidade, mas eu sempre tive uma distância grande com as pessoas, é mesmo a minha maneira de ser, mas tenho uma relação amigável, eles sabem isso. Não tenho o mínimo de sentido de camaradagem com os meu funcionários, zero. Sou incapaz de ir beber um copo com eles, mas tenho uma relação de confiança."

Como é a sua rotina?
Não vou às compras, não cozinho nem fico à noite nos restaurantes, tenho uma visão mais empresarial do negócio. Chego ao escritório às 10h, trato dos e-mails e à hora do almoço dou uma volta pelos restaurantes todos para ver se está tudo em ordem. Não entro nas cozinhas, mas sou muito atento às salas, às toalhas, aos copos, às casas de banho. Normalmente almoço num dos restaurantes, depois à tarde volto para o escritório e antes do jantar faço exatamente a mesma ronda. Raramente janto fora, mas até à meia noite estou sempre a ligar, há dias em que telefono duas vezes para cada restaurante para saber como está a correr tudo ou se houve algum problema.

Alguma vez teve que sair de casa à pressa para acudir uma urgência?
Sim, já. Por vezes há problemas com os arrumadores, mas com clientes muito raramente. Lembro-me de alguém que se sentiu mal, mas como vivo ao lado é fácil.

Que tipo de patrão considera ser?
É uma questão de personalidade, mas eu sempre tive uma distância grande com as pessoas, é mesmo a minha maneira de ser, mas tenho uma relação amigável, eles sabem isso. Não tenho o mínimo de sentido de camaradagem com os meu funcionários, zero. Sou incapaz de ir beber um copo com eles, mas tenho uma relação de confiança. Tenho aqui pessoas há muitos anos a trabalhar para mim e acho que gostam de aqui estar, sabem que me preocupo com o negócio, com os clientes e que estou sempre presente. Sei que sou uma pessoa naturalmente autoritária, embora hoje me modere mais, mas se me excedo sou o primeiro a pedir desculpa. Ainda ontem pedi desculpa a uma funcionária que trabalha aqui há imensos anos, discuti com ela e pedi-lhe desculpas. Eu mando naturalmente desde pequeno, sou irmão mais velho e para mim mandar não é difícil, as pessoas também me obedecem naturalmente. Claro que evito ser prepotente, não me considero assim, acho que em geral as pessoas gostam de ter uma pessoa que lidere.

Isso pode ser o segredo do seu sucesso?
Umas das chaves do meu sucesso foi sempre as equipas que tive e fui sempre eu que as fiz. Há uns três ou quatro anos comecei a delegar isso e não resultou, por isso, retomei agora. Se há um cozinheiro, claro que o Camilo o entrevista, mas a seguir entrevisto eu. Agora, com uma certa distância, peço para tirarem a máscara e posso dizer que uma parte importante nas pessoas que escolho é cara; escolho-as só de olhar para a cara delas. Nestes últimos anos, claramente tive equipas piores e em parte contribuiu não ser eu a contratar as pessoas. Um dos aspetos positivos desta situação pandémica é permitir contratar pessoas novas e renovar equipas; às vezes também é preciso.

O que gosta de fazer quando não está a trabalhar?
Agora como tenho uma quinta em Viana do Castelo, gosto de fazer jardinagem, passeios a pé e de bicicleta, também gosto de montar a cavalo, mas as minhas costas já não me deixam. Leio livros, vejo filmes e séries porque me entretêm. Vivi a minha vida toda mergulhado no trabalho, isto também é um tipo de atividade em que a pessoas têm que estar absorvidas. Sou um workaholic assumido, mas agora tento não ter um envolvimento tão grande. Gosto de viajar, adoro vinhos e hotéis, aliás gostava de ter tido um hotel.

Ainda vai a tempo.
Não vou nada, não quero. As pessoas têm uma idade para fazer coisas. Habituei-me a ser considerado alguém com sucesso e sê-lo ao longo de muitos é relativamente raro. Hoje vejo empresários mais novos da minha área com um drive que já não tenho. Não podemos achar que temos sempre a mesma capacidade na vida até morrer, não temos, vamos perdendo. Não quero fazer novos negócios, uma coisa é um restaurante como o Margherita que é uma coisa confortável para mim, mas não quero investir em áreas que não conheço. O risco é grande e conheço exemplos de pessoas que fizeram isso nesta fase da vida e deram cabo da vida. Não quero isso.

Mas quer abrir mais restaurantes?
Não, quero ficar só com estes, o que significa ter mais de 100 empregados.

Mesmo que apareça uma boa oportunidade?
Não sei, para quem tem um ímpeto de negócio como eu, há essa tendência que tento controlar bastante bem. Quando a baixa começou a ter um sucesso louco, tive não sei quantas propostas para abrir coisas lá e disse sempre que não. Não faz sentido ter mais restaurante, até lhe digo que isto é um bocadinho demais para mim. Tenho uma ligação emocional a estas casas, a estes negócios, à zona, aos clientes, além do interesse económico, claro. Não me posso dissociar disso. Estou muito habituado a ter um trabalho à porta de casa que está sempre a funcionar as 9h até as 2h e para mim perder isso será um vazio complicado.

O grupo Cafeína terá vida depois de si?
Essa é uma questão complicada. Neste momento, em que não tenho sócios e sou só sou eu, é difícil prever. Claro que pode funcionar sem mim, não sei é com quem.

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