“Foi no dia 6 de agosto de 2014 pelas 14h14 que o vi pela primeira vez. Olhei para ele e apaixonei-me”, conta Andreia Paes de Vasconcelos, mãe do Tomás, agora com 15 meses. Andreia tinha 30 anos quando engravidou do Tomás. “Foi uma gravidez normal, com as análises e as ecografias com valores e parâmetros regulares”. Porém, o Tomás nasceu com um cromossoma a mais: tem trissomia 21 ou síndrome de Down (T21).

Quem espera um bebé quer que nasça perfeito. Mas os processos biológicos que conduzem à formação do embrião e desenvolvimento do feto são extremamente complexos e, por vezes, os erros acontecem. O rastreio combinado é o exame mais importante do primeiro trimestre permitindo detetar entre 80 a 95 por cento dos casos de anomalia genética, por trissomia 21, 18 (síndrome de Edwards, T18) e 13 (síndrome de Patau, T13). Um rastreio positivo indica alto risco para anomalia genética e à grávida é sugerida a realização de um exame de diagnóstico invasivo (amniocentese ou biópsia das vilosidades coriónicas) que, no entanto, acarreta um risco de aborto entre 0,5 e um por cento.

Mas cinco em cada 100 mulheres com rastreio combinado positivo serão sujeitas desnecessariamente a exames de diagnóstico invasivo (os chamados falsos positivos), e cinco a 15 por cento dos casos de anomalia genética por T21, T18 e T13 nem sequer serão detetados pelo rastreio combinado (os chamados falsos negativos). Este foi o caso de Andreia e de muitas outras mulheres que são confrontadas, no parto, com uma situação completamente inesperada e na maioria dos casos desconhecida e assustadora.

Novos testes com taxas de deteção superiores a 99 por cento

Desde há cerca de três anos que existem no mercado português novos testes de rastreio pré natal não invasivos (e.g. Panorama, Harmony e Tomorrow) que analisam o ADN do feto presente no sangue da mãe, permitindo despistar as trissomias dos cromossomas 21, 18 e 13, alterações no número dos cromossomas sexuais, nomeadamente monossomia do cromossoma X (síndrome de Turner), obter informação sobre o sexo do bebé, detetar gémeos desaparecidos, triploidias e microdeleções (consoante o teste e a opção comercial escolhida). Apesar de semelhantes em relação ao tipo de resultado obtido, a metodologia por detrás de ambos é diferente, bem como a eficiência e as limitações. A escolha dependerá das características de cada gestação e de cada teste.

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O que é o rastreio combinado do primeiro trimestre?

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É um rastreio precoce realizado entre as 11 e as 13 semanas de gravidez:

  • avalia o grau de risco de anomias cromossómicas no feto, nomeadamente T21, T18 e T13.
  • combina a informação do rastreio bioquímico e do exame ecográfico.

Rastreio bioquímico: através da análise ao sangue da grávida, detetam-se os níveis de determinados marcadores (hormonas e proteínas) com grande sensibilidade e especificidade para o despiste das anomalias referidas.

Exame ecográfico: permite determinar com exatidão a idade gestacional, medir a espessura da translucência da nuca e verificar presença do osso nasal.

Em associação com outros fatores (idade, peso e hábitos tabágicos da mãe e idade gestacional), o rastreio combinado do primeiro trimestre deteta 80 a 95 por cento dos casos de anomalia genética.

Em caso de rastreio combinado positivo (probabilidade inferior a 1:250) são sugeridos exames de diagnóstico invasivo (taxa de deteção de 100%) para recolha de células do feto para análise do ADN (ácido desoxirribonucleico). São eles:

  • Amniocentese – recolha de amostra de líquido amniótico existente no interior da placenta.
  • Biópsia das vilosidades coriónicas – recolha de células do tecido das vilosidades coriónicas que fazem parte da placenta.

Os novos testes pré-natais não invasivos apresentam elevada sensibilidade, detetando mais de 99 por cento dos casos de trissomia. Segundo Marta Vidal, diretora da Echevarne Portugal e responsável pela comercialização do Panorama no país, “estes testes são fáceis de realizar (basta fazer uma colheita de sangue materno que é posteriormente analisada num laboratório especializado nos Estados Unidos da América) e não apresentam risco para a mãe e bebé, para além de poderem ser realizados precocemente a partir das nove semanas até ao final da gravidez, minimizando os falsos positivos e os falsos negativos em menos de 0.1 por cento”. Isto significa que apenas uma em cada 1.000 grávidas terá de se submeter a um teste invasivo ou descobrirá no parto que o seu bebé apresenta algum tipo de trissomia.

Há apenas um teste que se realiza em Portugal, o Tomorrow, que pode ser realizado às dez semanas de gravidez e que oferece resultados em seis dias, uma vez que as amostras não têm de ser enviadas para fora do país.

Em todo o caso, “estes testes não substituem a amniocentese, mas evitam as desnecessárias, com risco de perda fetal associada”, esclarece Marta. Para além disso, a idade não é limitativa (embora estejam recomendados para grávidas de alto risco, nomeadamente com idade superior a 35 anos, com ecografia suspeita ou caso de trissomia anterior), uma vez que os testes foram validados em grávidas tanto de alto como de baixo risco.

Segundo Graça Pinto, diretora do Centro de Medicina de Reprodução do Centro Hospitalar de Lisboa Central, estes testes são “uma ferramenta importante, útil e complementar, mas não substituem o rastreio combinado” (ver caixa 1). Na sua opinião, “a avaliação por ecografistas experientes e de referência e a antecipação do estudo morfológico quando se considera necessário, permite aumentar a deteção precoce dos casos de trissomia”. Na sua prática clínica, aconselha os testes pré natais não invasivos a grávidas que não pretendem correr risco com os métodos invasivos, com rastreio combinado negativo mas espessura da translucência da nuca aumentada, ou com problemas de fertilidade, risco aumentado e idade avançada, caso contrário, com rastreios bioquímicos positivos aconselha sempre a amniocentese ou biópsia das vilosidades coriónicas.

Que limitações têm os testes?

O custo dos testes é uma grande limitação. Com um preço a variar entre os 395 euros e os 750 euros (consoante a marca do teste e a opção de despiste requerida), e sem comparticipação pelo Serviço Nacional de Saúde ou seguradoras (à exceção de uma), estes testes são ainda uma opção dispendiosa.

Graça Pinto sugere os testes pré-natais não invasivos em situações de risco aumentado e quando reconhece capacidade económica por parte dos pais. Refere que a população infértil que atende, nomeadamente no privado, “está bastante informada e quando chega ao consultório sabe bem o que perguntar”, e nestes casos, “quem paga 3.750 euros por um tratamento, também paga o teste”. Mas a maioria da população não terá essa hipótese.

Quais são os síndromes mais comuns?

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  • T21 (síndrome de Down) – 1 em cada 600 nascimentos (associada a atraso mental leve a moderado podendo provocar defeitos cardíacos congénitos e outras malformações)
  • T18 (síndrome de Edwards) – 1 em cada 6.000 nascimentos
  • T13 (síndrome de Patau) – 1 em cada 10.000 nascimentos

Estas duas malformações estão associadas a uma elevada taxa de aborto espontâneo, a malformações congénitas graves e uma reduzida esperança de vida.

  • Monossomia X (síndrome de Turner) – 1 em cada 2.500 rapariga (as raparigas com este síndrome apresentam baixa estatura, perturbação da função reprodutora e outras anomalias associadas)

Segundo Marta Vidal, “este é um setor novo e em expansão, sendo necessário formar médicos e laboratórios, e informar as pessoas”. Esclarece que “a tecnologia envolvida é caríssima e os aspetos logísticos relacionados com o envio das amostras para análise nos Estados Unidos encarece ainda mais o teste”, mas acredita que “com o aumento do número de testes realizados, o preço vai descer, tal como já vem acontecendo”.

Para além disso, estes testes ainda não têm valor de diagnóstico, ou seja, apesar da elevada probabilidade associada ao seu resultado (99%), estes testes apenas identificam o fator de risco associado às anomalias genéticas despistadas e, em caso de resultado de “alto risco”, a grávida é encaminhada para o seu médico assistente que aconselhará um exame de diagnóstico invasivo (amniocentese ou biópsia das vilosidades coriónicas), o que limita a opção pelos testes.

Rastreio combinado pode não ser suficiente

Inês Cardoso, 39 anos, está grávida de 36 semanas e fez um destes testes às 16. “Perdi um bebé há cerca de um ano e, com a minha idade, estava indicada para amniocentese. Nunca tinha ouvido falar destes testes, foi a médica que me falou neles, e como não queria correr riscos, fiz”, esclarece. “É uma recolha simples de sangue utilizando um kit próprio da marca. Não houve condições prévias, apenas tive que preencher um questionário”. Em 10 dias ficou a saber que o seu bebé não tinha nenhuma das trissomias despistadas e que era uma menina.

Ana Neves também se inclui no grupo de grávidas de alto risco. Tem 41 anos e está grávida de 21 semanas. “A minha probabilidade de ter um bebé com T21 era, só por causa da idade, de 1 para 39. Mas depois, com o rastreio bioquímico e os parâmetros da ecografia passou para 1 para 700”. Conhecia os novos testes e falou deles à sua médica, que achou que “não valia a pena fazer”, valorizando antes os resultados satisfatórios do rastreio combinado. Ainda assim, a médica considerou importante fazer um acompanhamento minucioso do crescimento do bebé e, por isso, sugeriu a antecipação da ecografia morfológica para as 18 semanas e a realização de um ecocardiograma fetal na mesma altura, para além da realização de uma segunda ecografia morfológica às 22 semanas. Ana está tranquila e confiante com esta proposta e não fará a amniocentese evitando, assim, os riscos associados.

Rastreios-Gravidez

Andreia só soube da existência dos testes depois de ter o Tomás. Acha fundamental que as grávidas sejam mais bem informadas pelos médicos sobre o risco de terem bebés com anomalias cromossómicas: “O rastreio combinado não deteta todos os casos, e as pessoas não sabem isso”. Na sua opinião, a decisão de interromper a gravidez é sempre dos pais, “mas uma coisa é terem nove meses para se preparar e outra completamente diferente é serem surpreendidos no parto. É preciso ter uma bagagem emocional muito grande, uma grande estrutura psicológica”, afirma. Reconhece que os estímulos e as oportunidades oferecidas ao filho serão determinantes no seu desenvolvimento cognitivo, e, por isso, dá-lhe “tudo”. Mas as terapias necessárias, o acompanhamento constante, as doenças que podem estar associadas à síndrome e a falta de apoio estatal dificultam muito o processo. Como quer ter mais filhos e quer ter a certeza que estão bem, já decidiu que, da próxima vez, fará “de certeza a amniocentese”.

Já Inês não tem dúvidas: “Estes testes são maravilhosos. Espero que sejam generalizados e que possam ser comparticipados pelo Sistema Nacional de Saúde”.