Um núcleo duro cada vez mais pequeno e cada vez mais coeso. André Ventura está rodeado daqueles que lhe dão segurança e que nunca lhe trouxeram problemas de maior e é assim que quer continuar, com os devidos ajustes. Por isso mesmo, reunião magna após reunião magna, as caras do Chega são as mesmas e apenas vão caindo os desalinhados.
É o caso de Nuno Afonso, que protagoniza o arranque da V Convenção do Chega, ao revelar que vai deixar o partido do qual é fundador por não se rever na corrente de André Ventura e na forma como lidera. Nuno Afonso perde lugar na direção, mas há mais: uns por necessidade, outros por opção. A palavra final é de André Ventura, que se mantém como o homem forte do Chega.
Com críticos de fora, André Ventura blinda direção com o núcleo duro
André Ventura
Por muito que haja novos focos de interesse dentro do partido, André Ventura é o homem do Chega. A cara mais conhecida, o rosto que aparece até em cartazes para juntas de freguesia e a voz do Chega do panorama político nacional. Os autarcas com o selo do partido são muitos (apesar dos que foram saindo e outros a quem foi retirada confiança política), a bancada parlamentar tem 12 deputados, mas André Ventura continua a ser quem aparece quando o assunto tem relevância nacional (ou internacional), quem surge em audições mediáticas a ministros, quem chama os jornalistas para anunciar pedidos de demissão (e foram muitos nos últimos tempos).
Mais do que ser o presidente do Chega, André Ventura quer ser visto como o líder da oposição ao Governo e, depois de finalizar a arrumação interna do partido nesta reunião magna, quer focar-se em preparar o próximo ciclo eleitoral para fazer crescer o Chega a nível nacional, através da eleição dos primeiros representantes na Madeira, mas também com a conquista do(s) primeiro(s) lugar(es) no Parlamento Europeu. Até lá, conseguiu atingir o lugar de terceira força política que vaticinou, suporta uma solução de governo nos Açores e quer provar que sem o Chega não há qualquer coligação à direita que possa chegar ao Executivo.
André Ventura viu-se a braços durante os últimos meses com um crescimento da oposição interna, acusações sobre falta de democracia e críticas sobre alegadas tentativas de cancelamento de correntes que não concordavam com a direção. Mas a verdade é que o presidente do Chega parte para a Convenção como o único candidato ao cargo mais importante do partido e sem ninguém que lhe faça frente — as vozes mais críticas dizem que suspendeu e expulsou quem tinha opiniões diferentes e que mudou a forma de inscrição para delegados para que não houvesse espaço para oponentes.
Nuno Afonso
É o fim da era de Nuno Afonso no Chega. Entalado entre sucessivos afastamentos dos cargos que chegou em tempos a ocupar (com acusações de deslealdade) e os críticos que suspiravam por uma liderança diferente de André Ventura, o número dois do partido atirou a toalha ao chão e não só não vai à Convenção, pela primeira vez desde a fundação, como pôs um ponto final na ligação ao Chega ao anunciar no Observador que vai sair do partido.
Nuno Afonso justifica saída do Chega e ataca Ventura. “Nunca será uma alternativa”
Depois de meses em que a oposição interna alimentou a possibilidade de Nuno Afonso se candidatar frente a Ventura (uma hipótese que o próprio assumiu), o fundador do Chega desistiu da luta por considerar que André Ventura montou uma estratégia pouco democrática para afastar críticos, suspendendo-os ou expulsando-os.
No dia do adeus, recorda o sonho desmoronado de um “partido assente na democracia e na liberdade” — vendido por um “amigo de longa data” — que acabou por se esfumar pelo que diz ser um presidente “autoritário“, autocentrado e defensor de um sistema baseado na falta de democracia interna.
O afastamento de Nuno Afonso foi acontecendo aos poucos, desde a saída de coordenador autárquico à ausência na lista para deputados, passando pela exoneração de chefe do gabinete parlamentar até à retirada de confiança política, mas o número dois do partido acaba por sair pelo seu próprio pé, deixando a liderança de Ventura ainda mais à vontade. É de esperar que, mesmo fora, seja ele o alvo dos maiores ataques da linha oficial do partido.
Nuno Afonso justifica saída do Chega e ataca Ventura. “Nunca será uma alternativa”
Diogo Pacheco Amorim
Não é de agora a relação de Pacheco Amorim com a direita portuguesa — esteve com Manuel Monteiro no CDS e depois na Nova Democracia; esteve ao lado de Marcelo Rebelo de Sousa na oposição interna a Francisco Pinto Balsemão; ajudou a fazer a Aliança Democrática de Sá Carneiro, Freitas e Ribeiro Telles; foi uma peça importante MDLP de Spínola; e, antes disso, pertenceu ao MIRN de Kaúlza de Arriaga. Foi pela mão de Ventura que chegou ao Parlamento.
O ideólogo do Chega tornou-se num dos homens fortes do partido e um dos mais reconhecidos a nível nacional. E contando que Ventura não é omnipresente (mesmo que, num partido quase unipessoal, às vezes o pareça), Pacheco Amorim faz-lhe muitas vezes as dobras.
Já foi vice-presidente e passou para vogal na mesma altura em que Nuno Afonso foi despromovido. A diferença é que foi o próprio Diogo Pacheco Amorim a sugerir a manobra, que justificou como uma questão de rotatividade. Despegado dos cargos, está disponível para aquilo que André Ventura precisar. E o líder do Chega faz questão de não prescindir de um dos cérebros da equação.
Rui Paulo Sousa
Está em todo o lado e isso vale-lhe muitas críticas internas. Além de fazer parte da direção do Chega e de ter o cargo de secretário-geral (que exerce juntamente com Pedro Pinto), André Ventura apostou naquele que costuma ser o homem do terreno (chegou a ser mandatário nacional e diretor de campanha) para coordenador da Comissão de Ética, onde tinha o poder de julgar e punir todos os militantes.
Apesar de discreto à frente das câmaras, aparece quase sempre com o presidente do Chega e foi um dos elementos do núcleo duro de que Ventura não abdicou no caminho até à Assembleia da República.
Com os estatutos que foram chumbados pelo Tribunal Constitucional acaba por perder poder, já que as regras que vão passar a vigorar não preveem nem a comissão de ética, nem a figura de secretário-geral. Ainda assim, não deixará de ser um dos elementos mais imprescindíveis do núcleo duro de Venutra.
Pedro Pinto
É outro dos homens de confiança de André Ventura e alguém para quem o líder do Chega vai ter de arranjar um lugar na equipa da direção. As alterações dos estatutos obrigaram à eliminação da figura de secretário-geral, cargo que Pedro Pinto ocupava no Chega ao lado de Rui Paulo Sousa.
O líder do partido vai ter de mover algumas peças da direção e excluir outras, mas lealdade é a palavra de ordem para Ventura — aliás, este foi o critério número um na escolha das listas para deputados. Nesse sentido, Pedro Pinto, o primeiro na linha de combate do Chega, nunca ficará de fora das opções.
Depois de duas eleições em que deu a cara por Beja, Pedro Pinto foi o trunfo usado pelo Chega para conseguir um deputado por Faro — e foi bem sucedido. Foi escolhido para ser líder da bancada parlamentar e tem sido tudo menos discreto: em poucos meses, o ex-CDS já ameaçou um assessor do PS com violência física e chamou um dos deputados do Bloco de Esquerda de “palhaço”. Independentemente dos percalços, Pedro Pinto é um dos homens de quem André Ventura não abdica.
“Palhaço, vai-te embora.” Ataque do Chega à IL acaba com Pedro Pinto a ofender deputado do Bloco
Gabriel Mithá Ribeiro
O coordenador do programa do Chega e um dos nomes apresentados para a vice-presidência da Assembleia da República protagonizou o primeiro caso problemático na bancada parlamentar. Resolveu-se, mas deixou mossa.
Mithá Ribeiro não gostou de ter sido afastado da coordenação do gabinete de estudos e resolveu expressar as críticas à vista de todos: começou por escrever no Facebook que se demitia de vice-presidente da direção e marcou uma conferência de imprensa em Leiria (distrito pelo qual foi eleito) para deixar em cima da mesa a hipótese de ficar como deputado não-inscrito, acusando a corrente oficial do partido de falta de liberdade de expressão.
O problema resolveu-se à porta fechada e a decisão de que Mithá Ribeiro se manteria no Chega teve direito a um vídeo onde os dois selaram as pazes, alegadamente sem ressentimentos e com elogios ao “grande líder” Ventura. Com ou sem sinais de fumo branco, o presidente do Chega não perdoa traições e vai mesmo aproveitar a demissão de Mithá para o manter fora da direção.
Rita Matias
A estrela em ascensão do partido, aposta maior de André Ventura, chegou ao Parlamento como a deputada mais nova do hemiciclo e a única mulher com assento na bancada do Chega — representa, portanto, duas franjas eleitorais nas quais o partido tenta investir.
Mantém-se como a cara da juventude do Chega, sendo responsável por esta estrutura, e deu nas vistas logo que chegou ao Parlamento por várias posições polémicas — e já depois de ter plagiado um discurso de Giorgia Meloni. Disse que era antifeminista (“o feminismo é um movimento que coloca muitas vezes a mulher e o homem em oposição”); questionada sobre se uma criança de dez anos que tivesse sido violada devia ou não levar a gravidez até ao fim, disse que “é pela vida” e que “lamenta se a criança for impedida de nascer”; e referiu-se à eutanásia como uma “nova versão de ‘câmaras de gás’ do século XXI”, num artigo de opinião no semanário “Novo” intitulado “Licença para matar”.
Mais do que as opiniões que vão gerando polémica, Rita Matias viu ainda o pai, que era assessor no gabinete do Chega desde o tempo em que Ventura era deputado único, a demitir-se pela incompatibilidade de ter a filha como deputada.
José Pacheco
O deputado dos Açores que ficou a representar o Chega sozinho no parlamento regional depois de Carlos Furtado se ter tornado não-inscrito foi uma das apostas de André Ventura na última reunião magna. Agora. no entanto, vai perder o lugar na direção — não porque o líder o queira afastar, mas porque os estatutos iniciais não permitem acumulação de cargos e José Pacheco é líder do Chega/Açores.
Quando André Ventura chamou José Pacheco para a direção, o deputado dos Açores era o único elemento do partido com capacidade para influenciar a governação. Nessa altura, o partido tinha andado a falar a duas vozes: a direção nacional queria retirar o apoio ao executivo local e o deputado acabou por meter um travão nas intenções.
Ainda assim, as questões ficaram saradas, o Chega manteve-se a apoiar o PSD no acordo de incidência parlamentar e Ventura quis dar um sinal de “unidade” que “sempre [disse] que tinha existido”. Vê agora o deputado regional a abandonar a direção por questões estatutárias.
Ricardo Regalla Dias
É o elemento mais discreto do núcleo duro de Ventura, mas assume uma importância bastante abrangente dentro do Chega. É diretor de comunicação e de protocolo e tem também a área das relações internacionais, onde o partido tem estado a investir para se afirmar entre as forças da direita direita radical — com o foco nas próximas eleições para o Parlamento Europeu.
As vezes em que surge à frente das câmaras são poucas e prefere o trabalho de bastidores. Porém, não deixa de ser um dos homens fortes de Ventura, sobre o qual pouco se sabe. Nota: tem uma forte inclinação monárquica, característica que partilha com Diogo Pacheco Amorim.
José Dias
É uma das caras que representa a oposição silenciada dentro do Chega. Chegou a ser vice-presidente, foi afastado sem perceber bem porquê e acabou expulso depois de criticar duramente André Ventura e de se colocar ao lado de Nuno Afonso, que é apontado como o candidato capaz de enfrentar o presidente do Chega.
Acusou o partido de o expulsar devido a opiniões que expressou e foi mais longe para dizer que “expulsar por delito de opinião só no tempo de Salazar”. Impugnou a decisão e está à espera de um parecer do Tribunal Constitucional. É um dos militantes que se recusa a desistir em prol da linha de pensamento que existe no partido — acabando por dar voz a muitos que têm a mesma opinião e menos espaço mediático.