Discurso de André Ventura

na abertura do IV Congresso do Chega

Quis a história ou o destino que o nosso IV Congresso fosse realizado no mesmo dia em que acaba de facto a legislatura em Portugal. E isso não é de somenos. Significa que o partido reúne o seu órgão máximo, que elege os seus órgãos principais no dia em que o poder socialista se dissolve e regressa o poder ao povo. No dia dos destroços desta legislatura a nossa alegria e força emergem como a verdadeira força de alternativa em Portugal.”

André Ventura começa o Congresso com uma data que anuncia como sendo um momento de viragem, com uma coincidência de calendário que atribui ao destino. O líder do Chega é assumidamente católico, faz questão do dizer por várias vezes e fê-lo também aqui. Esta sexta-feira terminou oficialmente a legislatura e André Ventura mostra aos militantes que os “destroços” do PS podem ser a “força” para o Chega mostrar ao que vai — até porque a queda do Governo deu ao partido a possibilidade de o partido ir a votos mais cedo e poder passar de um deputado único para um grupo parlamentar.

Hoje na AR assistimos a momentos bizarros, Ferro Rodrigues foi aplaudido de pé por todos. Confesso que ainda me levantei, mas depois disse: ‘É mais forte do que eu, é impossível bater palmas a Ferro Rodrigues’. Já há muito tempo que devia ter saído do palco. Ferro Rodrigues não só não dignificou como menosprezou, como retirou sentido e prestígio ao estado português. Chega nunca pagará a traidores.”

Ferro Rodrigues é um dos “inimigos” favoritos do Chega e isso nota-se perfeitamente quando André Ventura usa parte do discurso inicial do Congresso para captar a atenção dos militantes. Ouviram-se assobios quando o líder do partido disse o nome do até agora presidente da Assembleia da República e há um episódio que não foi recordado, mas que ficará na história do partido e do socialista: Ferro repreendeu Ventura por usar demasiadas vezes a palavra “vergonha” e por isso “ofender” o Parlamento. Agora, Ventura disse perante todos os congressistas que não se levantou para aplaudir Ferro na hora da despedida porque foi “mais forte” do que o próprio. Os vídeos mostram que, quando todos se levantaram, ainda se levantou, bateu duas palmas tímidas, e depois parou.

País prepara-se para o novo ato eleitoral depois de dois anos e vários meses de luta quase sacrificial naquela AR em que tudo era pretexto para nos tirarem tempo para falar, para nos tirarem direitos, para nos tentarem humilhar.”

Foi um quase sacrifício. André Ventura puxou das emoções de quem tinha à frente para lembrar que esteve dois anos sozinho na Assembleia da República a dar o corpo às balas, ao dizer que foi humilhado pelos colegas de hemiciclo e que lhe retiraram direitos (ao referir-se ao tempo que tinha para falar enquanto deputado únicos). Mas podem ler-se duas ideias: quem for ocupar aquelas cadeiras em nome do Chega não terá vida fácil; mas o aumento de deputados pode dar a força que Ventura sozinho não teve.

Temos a capacidade nas nossas mãos de impedir que voltem a gozar connosco porque a força que nos derem no dia 30 de janeiro… já ninguém se rirá mais. Ainda me lembro no primeiro dia que entrei na AR com o vosso voto, com a vossa coragem, com a vossa determinação e não tinha nada mais do que isso comigo.”

Com esta frase, André Ventura quis trazer os congressistas para perto de si, alertar que quem carrega o nome do Chega tem uma oportunidade de fazer diferente e apelou até ao coração, frisando que é preciso impedir que parem de “gozar” com o partido. Mas lembrou também um dos dias de viragem do Chega, aquele em que foi eleito para a Assembleia da República, mas não deixou os louros por atribuir: só tem ali um lugar pela coragem daqueles que estiveram consigo.

Riam-se durante muitos meses e não percebiam que a força já não estava no Parlamento, fechada nos gabinetes da AR, em Portugal a força estava a nascer do lado de fora. Agora já ninguém se ri de nós, agora tremem por todos os lados quando veem cada sondagem, cada vez que imaginam como será o hemiciclo com o Chega no dia 30 de janeiro.

Gozar, rir, humilhar. Ventura repetiu várias vezes estas palavras para dizer que foi alvo de uma espécie de bullying político no Parlamento, do qual vai ter a sua vingança em breve. Ao dizer “agora já ninguém se ri de nós”, o líder do Chega está a falar para fora, a mostrar que quem não acreditou teve (ou vai ter) a prova de que o partido chegou ao espetro político português para ficar. E recorreu às sondagens, que têm colocado o Chega como a “terceira força política”. Este é um dos objetivos para os quais Ventura vai apontado há vários meses e voltou a referi-lo como sendo uma meta para o partido.

Líder do CDS colocou-se atrás de muros com medo de ir a eleições e que está barricado no Largo do Caldas à espera que alguém o tire de lá. CDS desapareceu, mas isso não nos deve deixar alegres, significa que temos de ir buscar esses votos e essas pessoas, que há uma parte eleitoral que precisa de uma nova voz e não os podemos deixar fugir para os partidos do sistema.”

Depois de Ferro, que mereceu uma intervenção logo no início, André Ventura dedicou-se às críticas. E chegou a muitos adversários, a começar por Francisco Rodrigues dos Santos que disse estar “barricado” e que teve “medo de ir a eleições”. Mas a mensagem ia muito além da crítica: André Ventura mostrou-se empenhado em conquistar o eleitorado do CDS, que ficou órfão e alertou aos congressistas, dizendo que o Chega tem de conquistar os votos dos eleitores dos democratas-cristãos que não se reveem no partido.

“O PSD, quem o viu e quem o vê. Enredado numa luta interna entre quem tem mais militantes e quem leva mais autocarros para votar amanhã. Entre um líder que anda a fazer gala pelo país inteiro e se for preciso governa com o PS. Durante quatro anos Rui Rio disse que o PS não servia para Portugal, apresentou-se como candidato alternativo a António Costa, disse que tinha um novo modelo para Portugal e votou contra o OE. Agora diz que está disposto a negociar e viabilizar um Governo do PS. Se isto não é querer um tacho qualquer, já não sei o que é querer tachos. Rui Rio quer ser vice-primeiro-ministro de António Costa, que seja mas não contará connosco para essa tarefa.”

O CDS estava arrumado e André Ventura seguiu para o PSD, a começar pelo atual líder e atribuindo-lhe o facto de estar disposto a fazer tudo e o seu contrário. Numa curta leitura da história política atual, o líder do Chega disse que Rio se apresentou aos portugueses como uma “alternativa” e que, agora, está disposto a conseguir qualquer “tacho”. Ventura assegurou que o Chega não será muleta do PSD para que Rio seja vice-primeiro-ministro de Costa (mas nesse cenário também não seria necessário). E esse é exatamente a grande questão do Chega: o PSD colocou uma linha vermelha e disse não estar disposto a negociar com o Chega. Assim, independentemente do resultado, Ventura sabe que não terá força para travar um possível bloco central.

O outro candidato do PSD disse a toda a hora que havia linhas vermelhas e quando lhe perguntavam “e com o PS?”, ele dizia “sobre isso não vou falar”. Ou seja, deitarmo-nos com o PS talvez seja uma possibilidade, com o Chega isso nem pensar. Paulo Rangel se for eleito líder do PSD é o líder mais frouxo que o PSD já teve na sua história. Será o maior desastre que podemos ter.

Paulo Rangel era o próximo alvo. André Ventura acusou-o se ser “incapaz de ter uma palavra dura e de lidar com o sistema”, chamou-lhe “frouxo” e antecipou que seria um “desastre” na liderança do PSD. Mas mostrou uma espécie de ciúmes, ao dizer que Rangel está disponível para se “deitar” com o PS mas não com o Chega. Mas para Ventura esta postura de Rangel nem sequer é uma novidade, o candidato a líder social-democrata sempre colocou uma linha vermelha ao Chega. Sobre a preferência para as eleições, nem uma palavra, mas as críticas dividiram-se.

Temos de assistir a tudo. Até o PAN que está com 2% nas sondagens ou 1% veio dizer que não faz acordos de Governo com o Chega. E até a IL a dizer que recusa acordos com o Chega. Fico a pensar quando é que algum dia disse que queria acordos com estes partidos.”

Depois de PSD e CDS, André Ventura foi até aos partidos mais pequenos para deixar uma mensagem: o Chega nunca mostrou que pretendia fazer quaisquer acordos com PAN ou IL. O líder do Chega recordou palavras dos dirigentes destes partidos a recusarem negociar com o Chega, mas fê-lo quase em jeito de humilhação pelos resultados que os partidos têm nas sondagens em comparação com o partido que lidera. Para Ventura, só o Chega pode viabilizar um Governo à direita.

Todas as sondagens nos colocam como terceira força política. Também queria mais, muito mais, e podem ter a certeza que vou lutar para ter muito mais, mas temos de fazer a nossa parte.”

A terceira força política foi um objetivo há muito traçado por André Ventura, mas o líder do Chega admitiu esta noite que quer mais. Com esta afirmação fez recordar o último Congresso, em que o partido disse estar a preparar-se para ser Governo de Portugal. Tendo em conta as sondagens André Ventura pode chegar mesmo a conseguir este resultado, mas o presidente do Chega não se cansa de o repetir (e mais tarde até deu um número). Ventura tem habituado os militantes a apontar sempre para cima e hoje voltou a fazê-lo. Agora que poderá ficar nesse lugar, parece estar a preparar quem o segue para pensar no passo seguinte.

O nosso partido tem um número de militantes surpreendente, mas muitas vezes é incapaz de unir, capaz de criar rede e pensar mais no país do que nas lutas internas que tanto nos têm desgastado. De que nos vale ser o partido dos portugueses comuns mas quando olham para dentro da nossa casa pensam que não querem estar no meio de lutas que não acabam, intermináveis. (…) Conflitos que roçam a insanidade e a pessoalidade e fazem esquecer que os nossos adversários não somos nós próprios.

As críticas externas estavam feitas e foi preciso virar a agulha para o que se passa dentro do partido, até porque foram meses complicados no seio do partido. Foi a altura de pedir união. André Ventura apelou aos que estavam presentes para desconstruir um dos maiores problemas do partido: se há guerras internas “intermináveis” como olham os portugueses comuns para o partido? Esta é uma das grandes questões deste Congresso, como é que o partido vai começar a lidar com as questões internas, com a oposição que começa a ganhar peso e com a ideia de que o partido não pode mostrar fragilidades para o exterior. Estas afirmações dão a entender que Ventura não teve dúvidas de que este era um tema para o discurso inicial e lembrou uma ideia que já tinha traçado no Congresso anterior para dizer que os adversários do partido têm de estar fora e não dentro.

Governo dos Açores aceitou todas as nossas condições. E isso deve-nos orgulhar porque conseguimos pela primeira vez fazer a diferença. Talvez até fôssemos penalizados nas eleições dos Açores, mas quem me conhece sabe que nunca penso em resultados eleitorais.”

É um dos temas do momento e André Ventura aproveitou o púlpito para se defender e para garantir que não saiu fragilizado com a decisão do deputado açoriano, José Pacheco, que desautorizou a indicação da direção nacional para deixar cair o Governo dos Açores. O líder do Chega fez questão de dizer que Pacheco marcaria presença na reunião magna para explicar o que se passou, mas enalteceu que o partido só salvou José Manuel Bolieiro porque viu aceites “todas as condições” que impôs. Apesar disso, Ventura admitiu que toda a polémica em torno do partido nos Açores poderia levar a uma penalização do eleitorado.

No dia em que pedirem para me moderar, mais vale subirem a este palco, tirarem as faixas com aquela cara. E não digo que um dia não tenha de acontecer, mas o Chega nasceu para ser a rutura.”

A moderação voltou ao discurso, mas não há novidades na boca de Ventura: quem quiser um Chega moderado candidata-se e ganhe ao atual líder. A razão encontrou-a na fundação e fez questão de a lembrar a todos os que se sentavam à sua frente — alguns deles crentes de que o Chega devia mesmo seguir esse caminho — para dizer que o partido nasceu da “rutura”.

Posso garantir que já errei e já tive a perfeita perceção que errei, já fiz propostas que não devia ter feito, já disse em debates coisas que não devia ter dito e errei em declarações. Quem nunca?”

André Ventura voltou a apelar à emoção dos militantes do partido ao admitir que já errou diversas vezes desde que é líder do Chega. Entre os momentos que enumerou, destaca-se um que, apesar de não ter sido esclarecido, parece referir-se ao caso em que André Ventura chamou “bandidos” a membros de uma família do Bairro da Jamaica. O líder do Chega fez um mea culpa de vários erros e frisou que “já disse em debates coisas que não devia ter dito”. Recorde-se que André Ventura foi condenado a pedir desculpas à família Coxi por ter mostrado uma fotografia de Marcelo com moradores do bairro da Jamaica, a quem chamou “bandidos”.

Neste momento temos perante nós um dos maiores desafios das nossas vidas, o que acontecerá no dia 30 de janeiro cai marcar o futuro político do país por muitos anos e de Portugal ao longo das próximas décadas e temos a hipótese de fazer a diferença.

André Ventura recordou aos congressistas que as eleições antecipadas são um enorme desafio para o Chega, desde logo porque o partido não estava preparado para ir a votos dois anos antes do esperado, mas depois porque considera que é possível o partido fazer a “diferença” neste ato eleitoral. O líder do Chega acredita que a próxima ida às urnas é um momento de viragem na política em Portugal.

Vou lutar com tudo o que tenho, vou dar todas as horas do meu dia e da minha noite, todo o meu cansaço, toda a minha energia, todo o meu cansaço, todas as minhas lágrimas, tudo. Vou dar tudo para que no dia 30 possamos celebrar a enorme vitória de chegar aos 15% nas eleições legislativas.

No final do discurso, o momento de emoção a que André Ventura já habituou os militantes do Chega: as promessas de que dará tudo pelo partido não faltaram. E, tal como já tinha admitido, o líder do partido voltou a estabelecer um resultado ideal para as eleições antecipadas. 15% seriam a consagração do Chega como a terceira força política, mas André Ventura sabe duas coisas: provavelmente não precisa desse valor para ficar em terceiro e está a apontar para cima. Na reta final das presidenciais fez o mesmo e ficou aquém dos valores que apontava em comícios.