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O petróleo, a principal fonte de receitas do esforço de guerra, passou a ser alvo de duas medidas de travão às receitas russas, e entraram ambas em vigor esta segunda-feira: o teto de 60 dólares por barril que foi acordado entre a União Europeia, os países do G7 e a Austrália, e o embargo dos 27 à compra de petróleo made in Rússia, que é o segundo maior fornecedor a nível mundial.
Com esta ação cuidadosamente calibrada e negociada durante semanas, os aliados que apoiam a Ucrânia querem impedir que a dependência energética continue a ser uma arma a favor da máquina de guerra russa. Mas sem causar perturbação adicional no mercado global, assegurando o abastecimento, a estabilidade de preço e o controlo da inflação. Uma espécie de quadratura do círculo. A consequência é que estas medidas vêm acompanhadas de ângulos cegos ou áreas de sombra que podem comprometer a sua eficácia.
Há dúvidas sobre o alcance desta iniciativa e os analistas indicam que será preciso esperar para medir o pulso à forma como os mercados vão reagir a um mecanismo inédito e cuja aplicação e monitorização podem revelar-se complexas.
O teto de 60 dólares por barril aplica-se quando?
O teto que entrou em vigor esta segunda-feira, de 60 dólares por barril, irá ser aplicado também aos produtos refinados a 5 de fevereiro — a Rússia é o maior fornecedor mundial de diesel à Europa e, mais do que o petróleo, o abastecimento deste combustível é apontado como um risco. Este teto permite uma transição suave na medida em que não será aplicado ao petróleo comprado acima do valor desde que seja carregado em petroleiros antes de 5 de dezembro e descarregado até 19 de janeiro de 2023, refere o comunicado divulgado este fim de semana pela Comissão Europeia. A janela de 45 dias acautela o circuito de transporte e descarga do crude transacionado antes do cap estar em vigor.
A quem e onde se aplica o teto e a proibição de importar petróleo russo?
Sendo uma sanção aprovada pela União Europeia, a interdição de comprar crude e refinados russos aplica-se aos países e cidadãos que tenham a nacionalidade da UE e a empresas e organizações que estejam abrangidas pelo enquadramento legal da União Europeia. Incluindo as subsidiárias de empresas europeias em países terceiros, bem como aeronaves e navios que operem na jurisdição dos estados-membros. De acordo com o documento da Comissão Europeia, o transporte marítimo de petróleo russo que contratado ou operado por empresas ou cidadãos da UE está interdito, tal como agentes e intermediários envolvidos na transação.
No que diz respeito ao teto dos 60 dólares, todos os países estão a ser convidados pela coligação para aderirem, o que lhes permitirá continuar a usar o transporte e outros serviços associados (seguros e financiamento) fornecidos por operadores europeus e a preço mais baixo. A coligação inclui a União Europeia, os Estados Unidos, o Reino Unido, a Austrália, o Canadá e o Japão.
O que acontece a quem ficar de fora ou a quem não cumprir?
Os clientes de países que não entrarem no acordo não vão ter acesso ao teto dos 60 euros, inferior ao preço dos mercados internacionais (mas não inferior ao que alguns grandes clientes já pagam porque conseguem o crude russo a um desconto considerável). E não podem usar companhias nem navios europeus para transportar o petróleo, nem serviços correlacionados como seguros e financiamento — há dados internacionais que indicam que a maioria dos armadores de petróleo e seguradoras nesta área são europeus. E se um petroleiro de uma parte terceira transportar petróleo russo comprado acima do teto, os agentes da UE ficam interditados de oferecer seguros, financiamentos e outros serviços a esse navio durante 90 dias depois da carga ser carregada. Os navios com bandeira da UE que não cumpram serão sujeitos a penalizações previstas nas legislações nacionais, mas a UE a está a preparar uma sanção de 5% do volume de negócios de empresas que violem as sanções.
O que diz a Rússia a esta teto imposto por terceiros?
A resposta para já é esta. “A Rússia não vai aceitar” este limite ao preço de venda do seu petróleo. A reação do porta-voz do Kremlin, Dmititry Peskov, surgiu logo no sábado com a indicação de que Moscovo estava analisar o acordo entre a UE e o G7 para dar resposta. O país já tinha avisado que ia suspender a venda de petróleo a países que aceitem implementar o teto, admitindo até reduzir a produção.
Quem são os principais clientes do petróleo russo?
A Comissão repete que a meta do teto tem duas finalidades: manter a fluxo do petróleo russo nos mercados globais e ao mesmo tempo cortar as receitas que estão a financiar a guerra. No entanto, e de acordo com dados da Agência Internacional de Energia, as exportações russas estão a subir, apesar da forte contração da procura da UE que caiu mais de um milhão barris por dia. Isto porque países como a China, a Índia e a Turquia têm reforçado as suas compras, mais 1,2 milhões de barris por dia indica o relatório de novembro da AIE, aproveitando preços de desconto. De acordo com o analista de petróleo da Bloomberg, Julian Lee, o principal crude russo, que é o dos Urais, estava a ser negociado com um desconto de cerca de 40% face ao preço internacional do Brent. Um desconto de 33 dólares por barril — a estimativa é a de que os 40 dólares por barril serão a fasquia mínima para a Rússia cobrir os custos de produção — pode comprometer a eficácia do teto de 60 dólares, para além dos países que aderiram, a maioria dos quais já baniu as compras de petróleo russo há meses.
Portugal vai ser afetado por esta interdição?
Ao contrário de outros países da UE, Portugal já não importa petróleo russo desde 2020. O relatório da Agência Internacional de Energia relativo a outubro mostra que a Europa ainda importava 1,4 milhões de barris diários. A Alemanha, a Holanda e a Polónia foram no passado os maiores clientes europeus do crude da Rússia, mas têm capacidade para comprar as suas reservas em outras geografias (ao contrário do gás natural que exige infraestruturas para acolher e converter cargas da GNL). Países como a Hungria e a Eslováquia negociaram exceções para continuar a receber o crude russo, mas o maior problema, como aliás alertou a AIE no último relatório, será o fornecimento mundial de diesel. As compras de gasóleo russo caíram apenas 50 kb (mil barris) por dia para 560 kb por dia e a Agência antecipa uma corrida renhida por cargas de origem alternativa por parte da Europa, nomeadamente vindas do Médio Oriente, Estados Unidos e Índia. Portugal suspendeu logo a importação de VGO (gasóleo de vácuo) um subproduto usado para fabricar gasóleo, mas será afetado (como já foi) por um novo pico de preços deste produto que é o combustível mais consumido.
Como foi calculado este teto?
Segundo Bruxelas este teto resultou de um exercício técnico que obteve o consenso do membros da coligação dos teto aos preços sobre o nível adequado de preço e que será publicado no diário oficial da União Europeia.
Vai ser revisto?
Sim. O teto pode ser ajustado no futuro em função da evolução do mercado e de mudanças de natureza técnica. Esta alteração terá em conta uma variedade de fatores que pode ponderar a eficácia da medida, a sua implementação, a adesão internacional e o alinhamento. Quando isso acontecer está prevista uma janela de 90 dias para os serviços de transporte marítimo se ajustarem.
Como é que teto se combina com o embargo ao petróleo russo na UE?
O limite ao preço não interfere, diz a Comissão Europeia, no impacto da proibição de importação de petróleo russo e produtos petrolíferos pela UE que, lembra Bruxelas, prevê exceções e casos específicos previamente acordados. Estas situações permitem a certos estados-membros continuarem a importar petróleo e produtos refinados. Em particular os países que são abastecidos através de pipeline, podem recorrer a importações marítimas se o fornecimento for interrompido de forma unilateral. Também serão acautelados projetos que sejam considerados essenciais para a segurança do abastecimento.
Como estão a reagir os mercados? E a OPEP?
As cotações do Brent chegaram a valorizar 3% para mais de 87 dólares por barril ao final do dia estavam em queda de mais de 2% em Londres e Iorque. A influenciar a evolução das cotações estão outros fatores como o abrandamento económico e a decisão da OPEP + (grupo que inclui a Rússia) de manter o corte na produção diária de dois milhões de barris diários até ao final do ano. Este corte anunciado em outubro enfureceu os países ocidentais a braços com recorde de décadas na inflação, mas foi justificado com a travagem da economia mundial, com especial foco na China.