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Quais são as ameaças da Coreia do Norte?

(Este Explicador, originalmente publicado a 3 de janeiro de 2017, foi atualizado e expandido a 16 de abril)

A Coreia do Norte tem um longo historial de ameaças, sobretudo dirigidas aos Estados Unidos, à Coreia do Sul e à China. Desde as mais retóricas, como a de tornar a capital da Coreia do Sul, Seul, “num mar de fogo”, em 1994, às mais concretas, como a de que tem mísseis prontos a atingir o continente dos EUA, o regime norte-coreano tem emitido frequentemente todo o tipo de avisos.

Uma das mais recentes foi feita no primeiro dia do ano, durante a mensagem de ano novo do líder norte-coreano, Kim Jong-un. No discurso, Kim garantiu que o regime entrou “na fase final de testes do míssil balístico intercontinental”, depois de em 2016, ano em que terá efetuado dois testes nucleares, a Coreia do Norte se ter tornado numa “potência nuclear”.

Depois de ter afirmado que construiu um dispositivo nuclear em miniatura, capaz de ser alojado em mísseis de longo alcance, o líder norte-coreano sublinhou que o país já “pode equipar os seus mísseis balísticos intercontinentais de um novo tipo com ogivas nucleares mais poderosas e manter ao alcance de tiro todas as zonas cheias de malfeitores da Terra, incluindo a zona continental dos EUA“.

A South Korean man watches a television screen showing North Korean leader Kim Jong-Un's New Year speech, at a railroad station in Seoul on January 1, 2015. North Korean leader Kim Jong-Un said he was open to the "highest-level" talks with South Korea as he called for an improvement in strained cross-border relations. AFP PHOTO / JUNG YEON-JE (Photo credit should read JUNG YEON-JE/AFP/Getty Images)

(Imagem: JUNG YEON-JE/AFP/Getty Images)

Um ano antes, o regime norte-coreano tinha divulgado a ameaça que foi levada mais a sério: a de que o país teria em sua posse uma bomba de hidrogénio, um dispositivo nuclear ainda mais poderoso do que a bomba atómica.

Em dezembro de 2015, Kim Jong-un sublinhou que a Coreia do Norte se tinha tornado um “estado de armas nucleares poderosas pronto a detonar bombas atómicas e de hidrogénio auto-suficientes para defender de forma confiável a soberania e a dignidade da nação”, deixando o resto do mundo em estado de alerta.

Mas há mais: o facto de Kim Jong-un ter feito o anúncio do míssil intercontinental no primeiro dia do ano pode não ser uma coincidência. Quem o afirma é Thae Yong-ho, diplomata norte-coreano que desertou para a Coreia do Sul.

Num encontro com jornalistas sul-coreanos, citado pelo The New York Times, o diplomata revelou que o regime de Pyongyang está a aproveitar as mudanças de liderança nos Estados Unidos (onde Trump tomou posse a 20 de janeiro) e na Coreia do Sul (onde a presidente, Park Geun-hye, foi destituída em dezembro) para fazer avançar o programa nuclear.

Questionado pelos jornalistas sul-coreanos sobre as condições em que o programa avançaria, Thae Yong-ho sublinhou que a Coreia do Norte não teme sanções da China, já que uma queda do regime de Kim Jong-un poderia abrir portas a uma Coreia unificada e pró-americana junto à fronteira chinesa.

Enquanto Kim Jong-un estiver no poder, a Coreia do Norte nunca vai desistir das suas armas nucleares, mesmo que lhe ofereçam um bilião ou dez biliões de dólares de recompensa“, destacou o diplomata.

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Quantos testes nucleares é que a Coreia do Norte já efetuou?

Ao longo dos últimos dez anos, a Coreia do Norte terá levado a cabo cinco testes nucleares, todos numa zona subterrânea na região de Punggye-ri, no nordeste do país.

O primeiro aconteceu a 9 de outubro de 2006, quando o regime comunista, na altura ainda liderado por Kim Jong-il, detonou pela primeira vez um dispositivo de fissão nuclear. A explosão foi detetada pelos dispositivos de avaliação sísmica dos EUA, que registaram um abalo de magnitude 4 na escala de Richter.

Na altura, o teste foi amplamente criticado por todo o mundo, ao mesmo tempo que George W. Bush garantia que os EUA iriam tomar medidas para defender o Ocidente de um possível ataque nuclear norte-coreano. Foi a partir deste dia que a Coreia de Norte se juntou ao exclusivo grupo de países com poder nuclear.

This video grab taken from North Korean TV on March 20, 2013 shows North Korean leader Kim Jong-Un's overseeing a live fire military drill. Kim Jong-Un oversaw a live fire military drill using drones and cruise missile interceptors, state media said, amid heightened tensions on the Korean peninsula. ----EDITORS NOTE --- RESTRICTED TO EDITORIAL USE - MANDATORY CREDIT " AFP PHOTO / NORTH KOREAN TV" - NO MARKETING NO ADVERTISING CAMPAIGNS - DISTRIBUTED AS A SERVICE TO CLIENTS - AFP PHOTO/HO/NORTH KOREAN TV (Photo credit should read NORTH KOREAN TV/AFP/Getty Images)

Kim Jong-un durante um teste nuclear na Coreia do Norte (Imagem: NORTH KOREAN TV/AFP/Getty Images)

O segundo teste aconteceu a 25 de maio de 2009 no mesmo local, e foi igualmente condenado a nível mundial. Na altura, o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-il, encontrava-se mal de saúde, e o país preparava-se para ficar nas mãos do seu filho, Kim Jong-un.

O teste foi entendido como uma tentativa de o regime norte-coreano se mostrar estável mesmo em tempos de crise. Tanto a Coreia do Sul como o Japão confirmaram que registaram atividade sísmica no dia do teste.

Já com Kim Jong-un à frente do país, a Coreia do Norte terá voltado a detonar um dispositivo nuclear a 12 de fevereiro de 2013. O regime confirmou, na altura, que tinha testado um dispositivo “com uma capacidade explosiva maior do que anteriormente”.

A grande ameaça deste teste foi o facto de Pyongyang ter anunciado que se tratava de um dispositivo em miniatura, com urânio enriquecido (informações nunca confirmadas), alarmando o resto do mundo com a hipótese de conseguir colocar o dispositivo dentro de um míssil de longo alcance.

Os últimos dois testes foram conduzidos em 2016. O primeiro foi logo em janeiro, com o regime de Kim Jon-un a garantir que detonou pela primeira vez uma bomba de hidrogénio — um dispositivo com uma capacidade de destruição milhares de vezes superior ao das bombas atómicas que destruíram Hiroshima e Nagasaki. Nunca se chegou a confirmar que se tratava efetivamente de uma bomba de hidrogénio.

O segundo, em setembro de 2016, foi o maior de sempre. Pela primeira vez, o regime de Pyongyang garantiu que tinha conseguido desenvolver um sistema que se pode montar num míssil de longo alcance, levando o então Presidente dos EUA Barack Obama a anunciar “consequências graves” para a Coreia do Norte.

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Que credibilidade têm as ameaças da Coreia do Norte?

Como a quantidade de informação que sai da Coreia do Norte é muito reduzida — e filtrada pelo regime –, responder esta questão pode ser uma tarefa complicada. Mas é possível avaliar esta credibilidade através de alguns exemplos.

Em janeiro de 2016, depois de um teste de um míssil que terá falhado, o governo norte-coreano divulgou um vídeo que se veio a provar mais tarde ser falso. Na montagem, que utiliza diversas filmagens de um mesmo momento para simular um conjunto de vários lançamentos, enquanto Kim Jong-un assiste, satisfeito, num barco. O vídeo terá servido para ocultar o teste falhado.

No que diz respeito aos testes nucleares, a sua veracidade nunca foi confirmada — a única confirmação externa dos cinco testes foram os registos sísmicos dos serviços geológicos dos Estados Unidos, da Coreia do Sul e do Japão, sem a certeza de que se tratou de dispositivos nucleares.

Já no caso da bomba de hidrogénio, vários especialistas garantiram na altura que a probabilidade de a Coreia do Norte ter efetivamente esse dispositivo era muito diminuta. “Penso que continuam apenas a desenvolvê-la”, sublinhou à imprensa Lee Chun-geun, um perito sul-coreano.

No entanto, os especialistas concordam que desde a subida de Kim Jong-un ao poder o país tem feito progressos efetivos no desenvolvimento de armas nucleares. Em relação ao míssil de longo alcance anunciado no primeiro dia do ano, apesar do ceticismo com que foi recebido no Ocidente, a investigadora Melissa Hanham, especialista em relações internacionais ouvida pelo The Guardian, garante: “Penso que vamos ver um teste em 2017“.

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Qual é o verdadeiro poder militar da Coreia do Norte?

Também aqui é muito difícil ter números exatos. Ainda assim, segundo o Military Balance de 2016, estudo publicado anualmente pelo think thank britânico International Institute for Strategic Studies, e citado aqui pelo Japan Times, a Coreia do Norte tem o seguinte poder militar:

  • Cerca de 300 mil militares prontos a combater
  • Cerca de 5,7 milhões de militares na reserva
  • 73 submarinos
  • Cerca de 21 mil armas de artilharia pesada

Dados da edição do ano anterior do mesmo relatório dão, ainda, conta da existência de 563 aviões da Força Aérea e de 3.500 tanques de guerra. No que toca ao poder nuclear, o Institute for Science and International Security, instituição não-governamental norte-americana que se dedica ao estudo da proliferação nuclear, assegura que a Coreia do Norte dispõe de plutónio suficiente para desenvolver pelo menos 21 armas nucleares.

North Korean soldiers ride in vehicles during a military parade past Kim Il-Sung square marking the 60th anniversary of the Korean war armistice in Pyongyang on July 27, 2013. North Korea mounted its largest ever military parade on July 27 to mark the 60th anniversary of the armistice that ended fighting in the Korean War, displaying its long-range missiles at a ceremony presided over by leader Kim Jong-Un. AFP PHOTO / Ed Jones (Photo credit should read Ed Jones/AFP/Getty Images)

Parada militar em Pyongyang. (Imagem: Ed Jones/AFP/Getty Images)

Apesar dos números relativamente impressionantes, a esmagadora maioria dos militares norte-coreanos estão mal equipados e têm pouco treino, e as armas que existem no país são obsoletas, sendo em larga medida adaptações de antigas armas soviéticas.

Olhemos, por exemplo, para o caso de Eom Yeong Nam, um antigo soldado norte-coreano que desertou em 2010, e que relatou o dia a dia nas forças armadas da Coreia do Norte ao Japan Times, em julho de 2016. Eom esteve durante 10 anos no exército norte-coreano. “Exceto o treino militar básico durante dois ou três meses por ano, trabalhamos em prédios de apartamentos ou em estruturas de betão durante nove ou dez meses”, sublinha o antigo militar.

Desde que Kim Jong-un assumiu a liderança do país, conta Eom, o exército passou a concentrar os seus esforços em criar armas assimétricas (como as nucleares), reconhecendo que as suas armas convencionais, do tempo da União Soviética, se tinham tornado obsoletas.

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Que posição é que os EUA de Trump estão a assumir? E a Rússia de Putin?

Desde a campanha eleitoral Donald Trump, o Presidente dos EUA, apontou baterias à ameaça norte-coreana. Chegou a dizer, em novembro, que queria convidar Kim Jong-un para comer hambúrgueres na Casa Branca.

As autoridades norte-americanas já vieram dizer que os EUA não temem um ataque. “Estamos confiantes na nossa defesa antimíssil e na nossa defesa a partir dos nossos aliados e do nosso território nacional”, declarou o porta-voz do Pentágono Peter Cook em conferência de imprensa. Antes de tomar posse, a 20 de janeiro, Donald Trump já veio garantir que uma “arma nuclear capaz de atingir partes dos EUA” simplesmente “não vai acontecer”.

Ao mesmo tempo, o futuro presidente norte-americano utilizou o Twitter para atacar a China, atribuindo-lhe culpas no desenvolvimento do armamento nuclear da Coreia do Norte e acusando o país de “não ajudar” na questão norte-coreana.

Já como Presidente, no início de abril, Donald Trump garantiu que os EUA estão dispostos a “agir unilateralmente” contra a Coreia do Norte, ou seja, mesmo que a China não aumente a pressão sobre Pyongyang. A declaração, numa entrevista ao Financial Times, surgiu alguns dias antes de Trump receber o Presidente chinês, Xi Jinping, na Flórida.

A reunião com o Presidente chinês parece ter tido resultados, já que no Twitter, nesta manhã de domingo após o lançamento falhado pela Coreia do Norte, Donald Trump já dizia que a China está “a trabalhar connosco sobre o problema norte-coreano”. “Veremos o que vai acontecer“, afirmou o Presidente norte-americano na sua página no Twitter. Horas antes, o vice de Trump, Mike Pence, tinha dito em Tóquio que se tratou de uma “provocação” por parte da Coreia do Norte.

Esse encontro com Xi Jinping aconteceu numa altura em que outra potência estava no centro das atenções: a Rússia. Moscovo tem condenado todos os testes nucleares anunciados pela Coreia do Norte, apesar de os dois países manterem relações diplomáticas relativamente estáveis desde o final da Guerra da Coreia, em que a União Soviética foi aliada da Coreia do Norte.

Em novembro, por exemplo, a Rússia demorou a aprovar um pacote de sanções impostas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas em resposta ao teste nuclear de setembro, atitude entendida pelos críticos de Putin como uma forma de atrasar o processo de imposição de sanções a Kim Jong-un.

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Que outras armas tem Pyongyang?

Um desertor norte-coreano que falou com a imprensa ocidental chamou a atenção para uma outra estratégia militar que Pyongyang poderá querer executar. O ex-militar diz que alguns dos melhores soldados da Coreia do Norte foram treinados para, caso seja necessário, se infiltrarem na Coreia do Sul “com roupas diferentes” e raptar turistas norte-americanos (e outros Ocidentais). A ideia seria usar esses reféns como moeda de troca contra Trump, caso o Presidente do EUA avance militarmente contra a Coreia do Norte.

É por esta razão que este desertor, chamado Ung-gil Lee, diz que “se Trump não tiver a certeza de que consegue livrar-se de Kim-Jong-un, o melhor é não atacar”.

Como o ex-candidato presidencial republicano John McCain afirmou, “existe artilharia perto da fronteira entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul que consegue atingir Seul e limpá-los todos antes de… quero dizer, isto é um caso muito sério”. Para John McCain, este pode ser “o primeiro grande teste a Trump, como presidente“.

Contudo, acrescenta o republicano, se a China quiser, “consegue perfeitamente acabar com isto”, ou seja, com as insurreições coreanas. Isto porque a China tem um grande controlo sobre a economia coreana e pode atuar “para evitar o que pode ser um acontecimento cataclísmico“.

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O que pode acontecer nas próximas semanas?

Horas depois do lançamento falhado, chegaram várias informações à imprensa, citando fontes próximas da Casa Branca, dizendo que Trump gostaria que a China tomasse a dianteira na gestão deste problema. Contudo, oficialmente, a Administração Trump não descarta uma intervenção súbita caso haja novas “provocações” (expressão usada por Mike Pence).

“Todas as opções estão em cima da mesa. [As opções] estão a ser sujeitas a refinamento e desenvolvimento”, afirmou domingo o tenente-gerenal H.R. McMaster, que integra o Conselho de Segurança Nacional de Trump.

O Presidente já deixou claro que não irá aceitar que os EUA e os seus aliados e parceiros na região estejam sob ameaça por parte deste regime hostil, dotado de armas nucleares. Portanto, estamos a trabalhar em conjunto com os nossos aliados e parceiros para, sob liderança da China, desenvolver um conjunto de opções”.

Questionado sobre a possibilidade de a Coreia do Norte tentar realizar outro teste, para fazer esquecer o flop deste fim de semana, o responsável acrescentou que as “opções” estarão “prontas a serem usadas caso este padrão de comportamento desestabilizador continue“.

Na declaração de H.R. McMaster, é importante a referência “sob liderança da China”, um sinal de que, para já, a bola continua do lado chinês — (um contraste com o que Trump admitia há algumas semanas, isto é, a atuação unilateral contra a Coreia).

Nas próximas semanas, meses, penso que temos uma grande oportunidade para tomar iniciativas — outras que não o conflito armado — para evitarmos o pior“, acrescentou McMaster.