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Que rede de apoio existe para uma vítima de violência doméstica ?

Uma vítima de violência doméstica pode, desde logo, pedir ajuda à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) que faz uma avaliação genérica da situação e avalia o grau de risco, de forma a prever potenciais questões de homicídio “ainda que não as impeça”, explica Daniel Cotrim, assessor técnico da direção da APAV. A APAV presta ainda apoio à vítima, indicando-lhe estratégias de segurança, aconselhando-a nos passos a dar para apresentar queixa e apoiando-a ao nível psicológico.

A queixa formal deve contudo ser apresentada junto dos serviços do Ministério Público que funcionam no Tribunal, na esquadra da PSP, bem como nos postos da GNR ou na Polícia Judiciária. Logo na apresentação da queixa, a vítima tem de responder a uma série de questões que permitam avaliar a situação (“Há um historial de agressão?”; “Houve ameaças com armas?”; “O agressor é portador de armas de fogo?”, entre outras) e por aí se estabelece se há um risco baixo, médio ou elevado. No próprio dia, a vítima é notificada para no primeiro dia útil seguinte ir à esquadra de investigação criminal para apresentar testemunhas, exames que tenha feito em idas ao hospital, e mostrar marcas visíveis no corpo, caso tenha.

Se o risco for elevado, no prazo máximo de sete dias tem de haver uma segunda avaliação, para ser elaborado um plano de segurança, o que não impede que a investigação arranque logo com audição de testemunhas, mandatos de busca se houver armas, e envio do processo para tribunal. No momento da apresentação da queixa a polícia pode sempre aconselhar a vítima a não voltar a casa, mas não pode obrigá-la. Fonte policial disse ainda ao Observador que seria fundamental neste primeiro contacto ser feita uma ligação ao agressor para uma curta conversa. Mas são ainda poucos a fazê-lo. Haverá, aliás, muitos casos em que a vítima é protegida, sem que a polícia tenha tido qualquer contacto com o agressor.

Não têm faltado campanhas de sensibilização. A última, para assinalar o 25º aniversário da APAV, reunia as vozes de Aldina Duarte, Ana Bacalhau, Cuca Roseta, Gisela João, Manuela Azevedo, Marta Hugon, Rita Redshoes e Selma Uamusse.

 

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Em que é que consiste um plano de segurança?

O plano de segurança é elaborado pelas autoridades policiais e consiste numa pequena listagem de cuidados a ter, contactos diretos para a polícia da proximidade, conselhos básicos como mudança de rotinas, atenção ao entrar em casa, andar sempre acompanhada com família e amigos na rua, entrar em espaços públicos se avistar o agressor, entre outros.

Pode ainda a polícia sugerir a proteção por teleassistência (um serviço telefónico que garante uma resposta rápida em situações de perigo e ainda apoio emocional, 24 horas por dia, 365 dias por ano). Foi o que aconteceu no caso desta mãe, Sónia, de 37 anos, vítima de violência doméstica, que acabou por alegdamente se atirar ao rio com as duas filhas, em Caxias. A aplicação da medida de teleassistência encontrava-se em curso.

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Em quanto tempo a polícia conclui o processo de violência doméstica?

Segundo fonte da Polícia de Segurança Pública (PSP), a polícia consegue concluir um processo de violência doméstica num período entre cinco a 30 dias, consoante a gravidade do mesmo. Neste caso que tem sido noticiado nos últimos dias, de uma mãe – vítima de violência doméstica – que acabou por conduzir à morte as duas filhas, no Rio Tejo, depois de ter apresentado queixa no final do ano passado (novembro) por violência doméstica, o processo “até funcionou” e “foi rápido”, garantiu a mesma fonte.

Já a família, tem uma versão diferente. O irmão da mulher de 37 anos (que ficou em prisão preventiva acusada de dois homicídios qualificados) diz que as autoridades nada fizeram e o companheiro, pai das crianças, nega qualquer violência ou abuso das meninas.

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Como é prestado o apoio psicológico às vítimas?

Quando a vítima apresenta queixa na polícia não recebe qualquer acompanhamento psicológico, mas é normal ser encaminhada para a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) ou outras organizações da área que possam prestar esse apoio, caso a vítima ainda não tenha pedido ajuda nesse sentido.

No que toca à APAV, num primeiro momento, esse acompanhamento psicológico fixa-se na reconstrução factual dos dados, ou seja, naquilo que conduziu à violência, para evitar o “fenómeno da vitimação secundária (que a história se repita)”, explicou ao Observador Daniel Cotrim, assessor técnico da direção da APAV. Depois os técnicos focam-se na questão da organização da própria pessoa, nas reações e competências, trabalhando a autoestima, identidade corporal, medo, vergonha, entre outros.

A regularidade e intensidade desse apoio vai depender do parecer do técnico da APAV e da própria vítima. As consultas podem ser semanais, de duas em duas semanas ou uma vez por mês. E só vai quem quer.

“Acontece que muitas vezes não faz sentido trabalhar a parte psicológica se a pessoa não estiver compensada do ponto de vista químico”, afirmou Daniel Cotrim, acrescentando que “muitas vezes encaminhamos as pessoas para os seus médicos de família para pedirem uma consulta de psiquiatria” ou então os técnicos pedem autorização à vítima para contactarem eles mesmos os médicos de família.

“A área da saúde mental é fundamental e falta fazer muito aqui. Não posso enviar uma pessoa para apoio psiquiátrico e dizerem-lhe que tem consulta daqui a seis meses.”

 

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E quando a vítima decide interromper o apoio. O que faz a APAV?

Não pode fazer grande coisa, na verdade, pois não pode obrigar a vítima a frequentar as sessões. Quanto muito pode tentar voltar a contactá-la, mas com muito cuidado pois o técnico não pode correr o risco de enviar uma carta ou uma mensagem para o telemóvel que pode ser lida pelo agressor e piorar assim a situação.AF_APAV_MulherCriat_130x90mm atequeamorte

 

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E quando também há vítimas menores? Quem deve intervir?

Além das autoridades policiais (nomeadamente a PJ) e do Ministério Público, a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) é a entidade responsável por proteger e promover os direitos da criança e do jovem, sendo que tem uma atuação limitada pela própria lei. A sinalização de uma criança junto da CPCJ pode ser feita por qualquer autoridade policial ou pessoa, por carta, email, ou fax, telefone ou presencialmente.

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O que faz a CPCJ quando recebe a sinalização de uma criança?

Essa sinalização dá lugar a um primeiro contacto da CPCJ com a família que é chamada para se perceber se há legitimidade para a Comissão intervir. E por família entende-se a mãe, o pai e a criança, sendo que todos serão ouvidos. Mesmo uma criança que ainda não fale é analisada do ponto de vista do comportamento e atitudes na presença dos pais. E para que os técnicos da CPCJ possam avançar na avaliação precisam que ambos os pais deem consentimento para tal. Também a criança se tiver mais de 12 anos tem de assinar uma declaração de não oposição.

Só com esse consentimento, o técnico da CPCJ poderá falar com a escola ou creche, o centro de saúde, familiares, associações desportivas se for o caso, Segurança Social e todas as entidades quantas aquelas que possam fornecer informação importante para que “os técnicos não partam da estaca zero”, explicou ao Observador Ana Melo Baptista, jurista da equipa técnica da comissão nacional de promoção de direitos e proteção da criança.

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Ora, muitas vezes esse consentimento não é dado.

Mas se em causa estiver uma suspeita de abuso sexual por parte do pai, por exemplo, aí a CPCJ remete imediatamente o caso para o Ministério Público e sai de cena, uma vez que para atuar tem sempre de haver consentimento dos pais e se um dos pais é o potencial agressor, não faz sentido. Esta foi uma alteração recente à lei que já era defendida há muito pelos técnicos.

Foi o que aconteceu no caso destas crianças que acabaram por morrer em Caxias, na segunda-feira. A CPCJ remeteu o caso de alegados abusos sexuais para o Ministério Público que, a 2 de dezembro de 2015, decidiu “requerer o processo judicial de promoção e proteção” das crianças, confirmou ao Observador fonte oficial da Procuradoria Geral da República, acrescentando que “o processo, nesta fase, é dirigido por um juiz e tem em vista a aplicação de medidas de protecção”. Essas medidas não chegarão a ser aplicadas pois uma das crianças já é certo que morreu e a outra também terá morrido, embora ainda não se tenha encontrado o corpo, acreditam as autoridades.

 

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As deliberações da CPCJ são de caráter obrigatório?

Não. As deliberações não são coercivas.

Quando os técnicos da CPCJ, depois de feita uma avaliação, percebem que é preciso proteger a (s) criança (s), deliberam a medida a aplicar naquele caso e comunicam aos pais que têm oito dias para pensar e comunicar se concordam ou não. Caso concordem, é redigido um acordo de promoção e proteção da criança que será assinado também pela criança, caso tenha mais de 12 anos, e a medidas ou as medidas são aplicadas, com a ajuda da CPCJ se assim os pais entenderem. Caso não concordem, a CPCJ não tem como os obrigar.

Mas há situações “excecionais” em que quer a CPCJ, quer entidades com competência em matéria de infância e juventude (escolas, por exemplo), mesmo que não haja consentimento por parte dos pais, podem intervir. “Em situações muito complicadas em que acreditamos que existe perigo atual e iminente para a vida e integridade física e psicológica das crianças”, explicou ao Observador Ana Melo Batista, jurista da CPCJ. Nesses casos, são tomadas, “à força, com a ajuda da polícia”, todas as medidas “para proteger a criança” do perigo em que se encontra. E o caso é remetido imediatamente para o Ministério Público que abre um processo judicial.

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O que falha no apoio à vítima?

Um dos pontos que mais falha no apoio às vítimas é a parte do apoio psicológico e psiquiátrico. “A área da saúde mental é fundamental. A violência doméstica já faz parte do plano nacional de saúde mental mas falta fazer muito”, admite Daniel Cotrim, assessor técnico da direção da APAV. E exemplifica: “Eu não posso enviar uma pessoa para apoio psiquiátrico e dizerem-lhe que tem consulta daqui a seis meses.”

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Em relação à proteção de menores, quando há real perigo identificado as estruturas agem de imediato. Neste caso trágico da mulher vítima de violência doméstica que acabou por matar as duas filhas também sinalizadas por alegados abusos sexuais por parte do pai, as várias fontes contactadas pelo Observador respondem em uníssono: nada fazia prever este desfecho. A mulher tinha uma rede de suporte familiar, e tanto ela como as filhas estavam a viver longe do alegado agressor. Daí recusarem que algo tenha falhado na proteção dos menores. O processo relativo ao abuso sexual das crianças estava, nesta fase, a ser “dirigido por um juiz e tem em vista a aplicação de medidas de proteção”, acrescentou fonte oficial da PGR, sem adiantar pormenores.

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