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Como nasceu o Bloco de Esquerda?

O Bloco de Esquerda foi fundado em 1999 pela junção de três partidos políticos da esquerda radical – a União Democrática Popular, o Partido Socialista Revolucionário e a Política XXI, aos quais depois também se juntaram outros pequenos movimentos políticos e de cidadãos. Luís Fazenda (vindo da UDP), Francisco Louçã (do PSR), Miguel Portas (PXXI) e também Fernando Rosas foram os seus fundadores.

Os objetivos da fundação do Bloco de Esquerda passavam por criar uma ‘nova esquerda’ anti-capitalista, anti-conservadora, socialista, feminista e ecologista, para preencher aquilo que os seus fundadores descreviam como o vazio sentido por aqueles que não se identificavam nem com o PCP, nem com o PS, visto como demasiado central e neo-liberalista.

Pretendia assim ser um movimento político de convergência de diferentes tradições e experiências de esquerda, com uma identidade assente no pluralismo e na democracia (o Bloco não negava as origens dos três partidos que lhe deram vida).

O timing da fundação do partido prende-se sobretudo com a derrota da esquerda no referendo ao aborto de 1998, onde o ‘não’ venceu com 50,9% dos votos. Nesta lógica, o Bloco surge com o objetivo prático e claro de se tornar uma força política com expressão eleitoral. Para isso a meta era conquistar pelo menos um lugar no Parlamento Europeu nas eleições de junho de 1999.

O candidato a eurodeputado pelo Bloco era Miguel Portas, uma das figuras mais emblemáticas do partido. Para isso o BE tinha de conseguir um resultado superior à soma dos votos habitualmente conseguidos pelos três partidos que o constituíam. Mas o objetivo falhou, com o Bloco a conseguir na sua estreia no boletim de voto apenas 1,79% dos votos (muito atrás do CDS, que obteve 8,16% da votação).

Apesar de não terem cumprido o objetivo inicial, as eleições europeias funcionaram, no entanto, como ensaio para as legislativas desse mesmo ano, quatro meses depois. Na segunda ida às urnas, em outubro, o resultado do BE foi mais expressivo. Com 2,44% dos votos, o Bloco de Esquerda conseguia eleger dois deputados para a Assembleia da República: Francisco Louçã (que vinha do PSR) e Luís Fazenda (da UDP). Falhou a eleição de um terceiro, que seria Miguel Portas (da Política XXI).

A formação do Bloco a três revelou-se mesmo a única forma de estes três pequenos partidos terem expressão eleitoral, uma vez que antes alguns deles já tinham tentado concorrer coligados, mas sem sucesso. Portas e Louçã (PSR e Política XXI) já tinham surgido coligados nas autárquicas de 1997 mas ficaram muito aquém, inclusive atrás da UDP, que foi sozinha. Na década de 1990, o PSR de Louçã foi o que teve mais perto de conseguir eleger deputados, tendo sido em 1991 a sexta força política mais votada. Antes, no período pós-revolução, a UDP conseguiu eleger um deputado várias vezes – em 1975 (Américo Duarte), 1976 (Acácio Barreiros), 1979 e 1980 (Mário Tomé).

O impulso do Bloco de Esquerda foi inicialmente sustentado por uma agenda setorial e com o apoio de sectores do eleitorado mais jovem, da comunidade LGBT e de artistas ou inteletuais que não se identificavam com a esquerda tradicional. Destacou-se inicialmente por um discurso diferente no Parlamento e pela presença nas manifestações de rua. Beneficiou também de uma grande exposição mediática e de grande benevolência por parte da maioria dos jornalistas.

O Bloco procurou sempre distinguir-se dos tradicionais partidos com assento parlamentar. Daí que, por exemplo, não se chame ‘partido’ nem ‘coligação’ mas sim ‘bloco’, que em vez do tradicional secretário-geral tenha um coordenador nacional (ou, neste caso, dois), e que não organize congressos para eleger os seus dirigentes mas sim convenções. Isso não obstou a que, quando elegeu os primeiros deputados, tenha disputado com o PCP o direito de se sentar o mais à esquerda possível no hemiciclo de São Bento, na cadeira onde se haviam sentado os deputados da UDP, sinal de que se mantinha fiel às suas raízes radicais, de extrema-esquerda.

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Que partidos eram estes que estiveram na origem do BE e o que lhes aconteceu?

Desde a sua fundação, o Bloco de Esquerda sempre se afirmou como uma força política de correntes que não negava a origem dos três partidos que estiveram na base da sua formação – UDP, PSR, PXXI. Foi depois incluindo outros grupos e tendências, desde pequenos partidos como a Ruptura/FER, a grupos de cidadãos constituídos dentro do BE mas com relativa independência face à política geral do partido – caso das mulheres, homossexuais, LGBT, sindicalistas e ambientalistas.

Os três partidos fundadores do Bloco acabaram por se extinguir formalmente ao fim de alguns anos, passando a ser consideradas associações políticas, que têm práticas e ambições semelhantes – continuando a fazer congressos e a eleger dirigentes – e direitos dentro da máquina partidária. As associações políticas passaram a exprimir os seus ideais através da edição de uma revista de cada área.

– A União Democrática Popular (UDP), que entrou no BE liderada por Luís Fazenda, é a mais velha das correntes. Foi fundada como partido político comunista, de tendência maoista, em 1974 e chegou ao Bloco de Esquerda como a ala marxista mais ortodoxa do partido. A sua corrente de pensamento ideológico era o aprofundamento teórico do marxismo e a formação de revolucionários. Esteve ligada durante muitos anos – antes da formação do BE – ao Partido Comunista (Reconstruído), de doutrina marxista-leninista. E tem sido ao longo dos anos considerada a tendência de maior peso interno e que sempre teve mais força na disputa pelos lugares de representação.

Na sua Conferência Nacional Extraordinária, em dezembro de 2013, a UDP aprovou a resolução ‘Marxistas também amanhã’, onde assume que “a única razão da existência da UDP é o marxismo”, sendo que a revista A Comuna é o instrumento de excelência para o debate teórico e a formação de novos revolucionários.

Segundo se pode ler na sua declaração de princípios, a UDP propôs na fundação do BE que o partido não fosse uma coligação eleitoral, mas um movimento onde cada pessoa fosse um voto. Ou seja, sem inerências de correntes. O que permitiu que qualquer grupo de militantes se pudesse organizar e apresentar plataformas políticas e listas concorrentes para a disputa dos órgãos internos do partido.

Em 2010, durante o 36º aniversário da UDP, a atual presidente da Direção Nacional daquela Associação Política, Joana Mortágua, sintetizou o propósito da UDP: ser uma “corrente marxista de pensamento dentro do Bloco de Esquerda”: “O nosso partido é o Bloco de Esquerda. A única razão da UDP é o marxismo. (…) Tirem-lhe a Comuna [revista da UDP] e a formação ideológica e a UDP terá desaparecido”, disse.

A UDP enquanto partido político que esteve na formação do BE formalizou a sua extinção e a sua passagem para associação política em abril de 2005, durante o seu XVII Congresso. Na altura elegeu Pedro Soares como presidente da direção da associação, cargo que é desde 2010 ocupado por Joana Mortágua, irmã gémea da atual deputada bloquista Mariana Mortágua e membro da Comissão Política do BE.

– O Partido Socialista Revolucionário (PSR), que chegou ao BE liderado por Francisco Louçã, era uma corrente de inspiração trostkista. Isto é, baseada na doutrina marxista como vertente do comunista mas por oposição ao estalinismo. Enquanto partido, foi fundado em 1978 durante o congresso em que a Liga Comunista Internacionalista (LCI) se fundiu com o Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT). Em 1979 grande parte dos militantes ligados ao PRT acabaram por abandonar o partido depois de uma cisão na IV Internacional.

Enquanto partido extinguiu-se oficialmente em 2006, sete anos depois de integrar o Bloco de Esquerda. Transformou-se nessa altura na Associação Política Socialista Revolucionária (APSR) que tinha na revista Combate a expressão dos seus ideais.

A corrente trotskista de Louçã vigorou dentro do Bloco até 2013, altura em que decidiu extinguir-se como parte de um esforço feito nessa altura entre alguns representantes das várias fações, como Louçã (pela APSR) e José Manuel Pureza (pela Fórum Manifesto) e os já coordenadores João Semedo e Catarina Martins, para criar uma tendência mais unificada dentro do Bloco, chamada Socialismo.

– O partido Política XXI foi fundado em 1994 por membros que vieram maioritariamente da Plataforma de Esquerda (grupo dissidente do PCP) e do Movimento Democrático Português (MDP). Destacam-se nomes como Miguel Portas, Daniel Oliveira, José Manuel Pureza, José Gusmão, Paulo Varela Gomes e Ivan Nunes, tudo militantes que deixaram a Plataforma de Esquerda para integrar a Política XXI quando aquele movimento (que integrava figuras como Pina Moura e Mário Lino) assinou um acordo eleitoral com o PS.

Era a corrente mais social-democrata do partido, a que defendia uma postura mais governativa do BE e não apenas uma postura combativa. Seria a fação bloquista que mais admitia alianças à esquerda, nomeadamente com o PS.

Depois de se juntar ao PSR e à UDP para formar o Bloco, em 1999, a Política XXI extinguiu-se enquanto partido em 2008 para passar a ser uma associação política chamada Fórum Manifesto. Manteve-se como tendência interna, que editava a revista Manifesto, até ao dia 12 de julho, 2014, altura em que os poucos membros da Manifesto que ainda estavam ligados ao BE (apenas quatro militantes) decidiram desvincular a associação do partido.

Resta ainda referir o partido Ruptura/FER, fundado inicialmente por Gil Garcia em 1983 com o nome Liga Socialista dos Trabalhadores, que passou em 1989 para Frente da Esquerda Revolucionária. Praticamente todos os militantes da FER acabaram por integrar a formação do Bloco de Esquerda pelo que, em 2005, foi formalizada a sua dissolução junto do Tribunal Constitucional. Mais tarde, da mesma forma que foram integrando o partido, os membros desta ala também foram saíndo do BE por divergência ideológica. Entretanto criaram um novo partido, o MAS – Movimento Alternativa Socialista.

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Qual foi o auge do Bloco de Esquerda?

Depois de ter eleito dois deputados nas legislativas de 1999, o Bloco de Esquerda viveu anos de consecutivas vitórias – de certa forma surpreendentes por ser uma coligação de ideologias, com divergências de raiz. Passou a três deputados em 2002 e a oito em 2005, mas o salto maior deu-se nas eleições legislativas de 2009, que vieram a reconduzir José Sócrates na chefia do Governo, mas sem maioria absoluta.

Nesse ano o Bloco teve o seu melhor resultado, passando de oito deputados para o dobro, 16. Foi a quarta força política mais votada, à frente do PCP, e esteve quase a pisar os calcanhares do CDS-PP (que teve 10,4% dos votos, contra os 9,8% do BE). Foi o ano em que o Governo socialista de Sócrates foi castigado nas urnas, com os eleitores a darem-lhe uma vitória pouco expressiva de 36,5% dos votos.

Além do crescimento acentuado no plano nacional, o ano de 2009 ficou ainda marcado pelo excelente resultado do Bloco nas europeias. Passou de um eurodeputado eleito em 2004 para três (a Miguel Portas juntaram-se Marisa Matias e Rui Tavares), sendo mesmo a terceira força política mais votada (com 10,7% dos votos), apenas atrás do PS e do PSD.

Antes, em 2007, o Bloco de Esquerda já dava sinais de que tinha relevância no contexto social e político. Prova disso foi o referendo ao aborto, pedido no Parlamento com votos a favor do Bloco de Esquerda e do PS (que tinha maioria absoluta), com a abstenção do PSD e com os votos contra do CDS, do PCP e d’Os Verdes. O ‘sim’ à despenalização do aborto venceu com 59% dos votos, o que veio ao encontro das reivindicações do Bloco de Esquerda, que fazia desta uma das suas lutas.

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Então quando começaram os problemas no BE?

Começaram fundamentalmente quando começaram a surgir as primeiras derrotas eleitorais, em 2011, ano em que o Bloco de Esquerda perdeu metade dos lugares no Parlamento que tinha conquistado dois anos antes.

Enquanto as vitórias se sucediam, pode dizer-se que reinava a concórdia, apesar das diferenças ideológicas entre as várias tendências no seio do partido. O clima de lua de mel parece terminar em 2011, depois do retrocesso eleitoral das legislativas, onde o Bloco passa de 16 lugares no Parlamento para oito, caindo para 5,2%. Era até à altura a maior derrota do partido desde a sua fundação, só superada pelo mau resultado nas europeias de 2014, quando caiu ainda mais, quedando-se pelos 4,5%.

Depois do rombo eleitoral de 2011, começaram as divisões. As eleições que deram vitória ao PSD de Pedro Passos Coelho foram a 5 de junho e a 21 do mesmo mês dá-se uma das primeiras cisões por divergência interna. Rui Tavares, que tinha sido eleito para Estrasburgo em 2009, abandona o grupo em que integrava o Bloco no Parlamento Europeu e muda, como independente, para o grupo dos Verdes. Na altura, declarou que “perdeu a confiança pessoal e política” em Francisco Louçã depois de o líder do Bloco ter acusado o historiador de ter trocado propositadamente o nome de Fernando Rosas pelo de Miguel Portas como um dos fundadores do partido.

Ainda em 2011, a recusa de Louçã em reunir com a troika motivou críticas cerradas dentro do partido, com Ana Drago a ser uma das vozes mais azedas ao considerar que o BE não podia ficar de fora da ronda de conversações, tal como ficou também o PCP.

O ano que se seguiu, 2012, foi um ano marcante para o Bloco, mas pelas piores razões, com a morte de um dos seus fundadores, Miguel Portas. Morreu em abril, aos 53 anos, vítima de cancro.

Em outubro do mesmo ano, Francisco Louçã anunciou a sua saída do Parlamento e um mês depois deixou a coordenação do Bloco de Esquerda. O motivo alegado foi a “renovação de gerações”. A sua saída, no entanto, veio a acontecer num período conturbado.

Em maio de 2014, nova derrota eleitoral. Com apenas 4,5% dos votos, o Bloco de Esquerda elege apenas um deputado para o Parlamento Europeu, ficando-se pela cabeça de lista Marisa Matias. O objetivo assumido pelo partido era eleger dois eurodeputados, já que manter os três eleitos em 2009 parecia tarefa impossível.

A derrota (mais uma) serviu de argumento para os que já reclamavam mudanças e mais diálogo com outros movimentos e forças políticas à esquerda. E deu ainda mais força a novas dissidências.

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Por que é que Francisco Louçã saiu?

O motivo invocado foi a necessidade de haver “renovação de gerações” – foi o que alegou quando anunciou em agosto de 2012 que não se ia ser candidato à liderança do partido na convenção de novembro desse ano. “Cumpri estas funções durante dois mandatos e dei a cara pelo Bloco desde a sua fundação. Julgo que é tempo de uma renovação da representação pública do nosso movimento”, disse Louçã numa carta escrita na sua página de Facebook e destinada “aos ativistas e ao povo do Bloco”.

Pelos mesmos motivos, anunciou em outubro que deixava o cargo de deputado no Parlamento. “Saio do Parlamento por uma razão e por mais nenhuma: entendo, para mim próprio, que o princípio republicano marca limites à representação que tenho desempenhado e exige a simplicidade de reconhecer que essa responsabilidade deve ser exercida com contenção. Ao fim de 13 anos, reclamo a liberdade de influenciar o meu tempo: é agora o momento de uma renovação que fará um Bloco mais forte”, disse na altura.

Francisco Louçã foi um líder carismático. Na altura em que foi criada a figura do coordenador nacional, em 2005, seis anos depois da fundação do BE, Louçã era o nome que tinha mais visibilidade e mediatismo no partido e por isso foi o líder natural do Bloco. Visto de fora, foi sempre o número um do BE.

Miguel Portas, por ter sido o cabeça-de-lista do partido na sua estreia eleitoral, nas europeias de 1999, seria outra hipótese para a liderança inicial. Mas quando o partido elegeu o seu primeiro coordenador nacional (equivalente a secretário-geral), já Miguel Portas estava em Bruxelas, depois de o Bloco ter conseguido eleger um eurodeputado no sufrágio de 2004. A escolha acabou por recair então, sem surpresas, em Francisco Louçã, que entretanto já tinha ganho bastante visibilidade na pequena bancada do Bloco na Assembleia da República. Na convenção que o elegeu, a orientação política de Louçã, que reforçou a afirmação do partido como alternativa ao Governo então liderado por José Sócrates, foi aprovada sem votos contra e com apenas seis abstenções.

A unanimidade em torno de Louçã também se viu no facto de a lista que liderava para a mesa nacional do BE, órgão máximo entre convenções, ter elegido 74 dos 80 membros, enquanto a lista adversária, de Helena Carmo, conseguiu apenas seis lugares. Além de que, de todos os nomes destacados no partido, Francisco Louçã era aquele que tinha tido melhores resultados eleitorais antes da fundação do Bloco, enquanto líder do PSR.

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Porque foram João Semedo e Catarina Martins os sucessores de Louçã?

Porque foi essa a sugestão de Francisco Louçã quando escreveu a carta aos militantes do BE dando conta da sua decisão de não se recandidatar na liderança do partido. Na altura, defendendo que era “tempo de uma renovação”, fez “uma única sugestão”: a de uma liderança bicéfala, entre um homem e uma mulher, algo proposto inicialmente por Miguel Portas e semelhante ao que é praticado no partido de esquerda alemão Die Link. Os nomes de João Semedo e Catarina Martins não apareciam nessa primeira carta mas eram as escolhas declaradas de Louçã.

“A renovação de estilos de liderança com a representação de homens e mulheres – já estamos no século XXI -, é o caminho normal da esquerda. Temos quem assegure esta capacidade de liderança. Como noutros partidos europeus, este modelo acentua o trabalho colectivo na direcção e no movimento e é assim que nos fazemos mais fortes”, disse na altura o ainda coordenador do Bloco. Segundo disse depois ao Público, João Semedo e Catarina Martins eram uma solução de “grande consenso”, que unia “a capacidade de diálogo” de Semedo e “a renovação geracional” de Catarina Martins.

Nem todos estavam de acordo. A corrente da UDP continuava a preferir uma solução de vários porta-vozes e um reforço do papel do líder parlamentar e a tendência Fórum Manifesto (afecta à Política XXI) preferia apenas João Semedo. Mesmo assim João Semedo e Catarina Martins acabaram por ser eleitos em novembro de 2012, no final da VIII Convenção do Bloco, com uma maioria de 76,5%.

A aposta do partido foi por isso na continuidade e não da mudança. Louçã continuou como membro da Mesa Nacional – órgão máximo entre convenções – ao mesmo tempo que crescia a oposição interna no partido, já que a tendência Manifesto (ainda com Daniel Oliveira e Ana Drago) conseguiu eleger nessa convenção 19 elementos para a direção do partido.

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Quem são os dissidentes do Bloco?

Formado a partir de três partidos diferentes, que depois se tornaram tendências internas, não se pode dizer que o Bloco de Esquerda tenha sido desde a sua fundação um partido internamente consensual do ponto de vista ideológico. Logo na primeira convenção, em 2000, Paulo Varela Gomes e Ivan Nunes (originários da Política XXI, depois Fórum Manifesto) se tinham mostrado contra as linhas orientadoras da moção vencedora. Mas a verdade é que depois dos fracassos eleitorais de 2011 o partido começou a aparecer cada vez mais fragmentado.

A primeira dissidência acontece entre março e maio de 2011, quando a corrente Ruptura/FER (Frente de Esquerda Revolucionária), liderada por Gil Garcia, anuncia que vai desvincular-se do Bloco. Em causa estava a recusa de o partido formar uma aliança eleitoral com o PCP e de não avançar no sentido da renovação. Em agosto de 2013, com um grupo de dissidentes do BE, este grupo cria um novo partido – o Movimento Alternativa Socialista.

Seguiu-se, em junho, a saída de Rui Tavares, originário da Política XXI mas candidato independente nas listas do Bloco às europeias. O afastamento do historiador, que veio depois a fundar o partido Livre – que foi a sexta força política mais votada nas europeias de 2014 (com 2,1% dos votos) -, acontece em divergência clara com o ainda coordenador do partido Francisco Louçã. Em causa estava um conflito entre os dois que começou quando Louçã publicou na sua página de Facebook uma mensagem onde culpava Rui Tavares de ser fonte em duas notícias que davam como fundadores do Bloco Francisco Louçã, Miguel Portas, Luís Fazenda e Daniel Oliveira – em vez de Fernando Rosas. Louçã acusou Tavares de ter feito a troca propositadamente e o historiador veio dizer que tinha perdido a “confiança pessoal e política” no líder do partido.

Em março de 2013 foi a vez de Daniel Oliveira (também originário da corrente Fórum Manifesto) anunciar a desvinculação ao Bloco, por achar que o partido se tinha transformado num “fator de bloqueio, alimentando-se e alimentando o sectarismo” e por afirmar que Francisco Louçã não tinha deixado de coordenar mesmo depois de se afastar da liderança. Acabou por cortar com o partido em total discordância com a escolha da liderança bicéfala – entre João Semedo e Catarina Martins – e com a estratégia política seguida pela continuidade. Em dezembro, fundou o movimento 3D, onde apelava à convergência da esquerda, e este mês voltou a manifestar a sua divergência face à estratégia do partido de ser um partido de protesto e recusar alianças e pontes para governação. Com o título ‘Ou queres governar ou serás sempre governado’, Daniel Oliveira escreveu no Expresso que “a esquerda precisa de compromissos” e entendimentos, por na sua opinião ser esse “o único caminho para vencer a alternância da desilusão ou o pântano do bloco central”.

Também a dirigente bloquista Joana Amaral Dias veio a sair por razões semelhantes. A ex-deputada apresentou a carta de desfiliação em maio deste ano, apenas dois dias antes de se juntar ao PS numa convenção do Novo Rumo. A justificação foi a ausência de políticas de alianças à esquerda e a vontade de ter “liberdade para atuar” politicamente de acordo com a sua consciência, como disse ao Público. O afastamento da psicóloga em relação ao Bloco (e a aproximação ao PS), no entanto, era antigo. Em 2006, tinha sido mandatária para a juventude da candidatura de Mário Soares à Presidência da República. Já nessa altura a sua ligação ao PS não foi bem vista dentro do BE, até porque nessas eleições Francisco Louçã concorria pelo Bloco. Em 2009, foi excluída da mesa nacional – órgão máximo entre convenções -, deixando nessa altura de ser dirigente do partido.

Em julho foi a vez de Ana Drago anunciar a sua saída e a desvinculação da tendência que encabeçava dentro do partido (e à qual pertenciam mais três militantes do BE) – a Associação Fórum Manifesto -, alegando divergências sobretudo no processo de convergências e alianças políticas. “Governar ou ser governado” – motivos semelhantes, portanto, aos dos restantes dissidentes. Drago disse que a desvinculação da corrente era “um passo necessário” e que a Fórum Manifesto iria prosseguir o seu caminho, possivelmente rumo a outras alianças de esquerda e “plataformas de compromisso”. “Neste momento são urgentes soluções para o país”, disse, alegando que “não era possível tê-las no Bloco de Esquerda”. “Amigo não empata amigo”, disse a ex-militante. Um novo partido está à espreita. Em janeiro já se tinha demitido da Comissão Política, tendo continuado como militante e membro da mesa nacional. Também já tinha saído da bancada bloquista no fim de agosto do ano passado, sendo substituída no Parlamento por Mariana Mortágua.

Pelo caminho conturbado do Bloco de Esquerda ficaram ainda outras cisões e divergências. Em 2010, por exemplo, levantaram-se vozes dentro do partido (vindas principalmente da UDP) pela decisão de não haver um candidato do Bloco às eleições presidenciais e de, ao invés, o partido apoiar a candidatura do socialista Manuel Alegre, que ia como independente. Foi Cavaco Silva quem acabou por ser eleito logo na primeira volta.

Nota ainda para a histórica divergência do partido com José Sá Fernandes, que chegou a ser vereador independente da Câmara de Lisboa integrando a equipa do socialista António Costa. Em 2005, no decorrer da IV Convenção do BE, o partido aprovou o apoio da candidatura de Sá Fernandes à Câmara de Lisboa, como independente pelas listas do Bloco. Mas três anos depois o desentendimento foi notório, e a concelhia de Lisboa do Bloco de Esquerda apresentou uma proposta de resolução, assinada por Luís Fazenda, onde se lia que “o programa eleitoral Lisboa é Gente, com o qual o Bloco de Esquerda se comprometeu com os lisboetas, deixou de encontrar a devida representação no vereador José Sá Fernandes”, pelo que era anunciado o fim do entendimento com o bloquista independente. Pelo meio ficou um historial de divergências com a direção do partido, em especial com a ala da UDP.

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Porque foi importante a saída de Ana Drago?

Mais do que a saída de Ana Drago, que foi uma das figuras mais emblemáticas do Bloco, tendo pegado nas rédeas da tendência Fórum Manifesto depois da morte de Miguel Portas, esta desvinculação representou o afastamento de uma das correntes fundadoras do partido, a Política XXI.

Ainda assim, como Ana Drago era, no fundo, o último nome de peso que restava desta corrente, a sua saída acabou por não ser surpreendente. Reagindo à notícia, o coordenador João Semedo relativizou a questão: “São diferenças de opinião que se têm vindo a cristalizar ao longo do tempo e portanto não ficámos surpreendidos com a decisão de Ana Drago e de outros membros da Manifesto”, disse. Mas deixou críticas às dissidências. “A atomização da Esquerda não ajuda nada a dar força à Esquerda”, disse, apelando “para que todos pensem duas vezes, porque a melhor forma de reforçar a esquerda é juntar forças e a pior forma de ajudar a esquerda é dividir a esquerda”.

A desvinculação da Associação Fórum Manifesto (ex-Política XXI), que na verdade já tinha poucos militantes dentro do Bloco, depois de uns terem saído (do BE, não da Manifesto) e de outros se terem convertido à corrente Socialismo, pôs a nu um partido desmembrado, sem uma das suas alas fundadoras.

Esta cisão contribuiu ainda para reacender divergências antigas, impulsionando nova troca de acusações entre Francisco Louçã e Daniel Oliveira. O último caso polémico aconteceu a 16 de julho, quando o ex-coordenador publicou no Facebook um comentário à notícia da mais recente ruptura acompanhado de uma imagem, carregada de ironia, da capa do livro “Os cinco na Ilha do Tesouro” – os cinco seriam Ana Drago, Joana Amaral Dias, Daniel Oliveira e Rui Tavares, acompanhados de um cão, e o tesouro seria eventualmente um acordo com o PS. Para bom entendedor meia palavra basta, e para Daniel Oliveira bastou.

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Ainda não percebi bem. Então quais são hoje as correntes dentro do BE?

Já não são as três correntes iniciais – UDP, PSR e Fórum Manifesto – que já existiam pré-Bloco. São duas, ambas criadas recentemente, entre 2013 e 2014, já no seio do partido: a tendência Socialismo e a tendência Esquerda Alternativa. Mas vamos por partes.

Dos três partidos que deram forma ao BE, resta apenas a UDP na sua forma intacta. Isto porque o que restava da Política XXI ou saiu do Bloco depois da desvinculação no mês passado da Associação Fórum Manifesto, ou juntou-se à tendência Socialismo (criada no ano passado para unificar o partido), como foi o caso da eurodeputada Marisa Matias e de José Manuel Pureza (ambos ex-PXXI). Também o PSR, corrente de Francisco Louçã, acabou por se extinguir para integrar a Socialismo. Entretanto, como resposta à criação dessa tendência ‘unificadora’, parte da ala da UDP uniu esforços para criar uma outra, a Esquerda Alternativa.

Ou seja, há neste momento duas correntes divergentes, a Socialismo (que junta ex-filiados na PSR e na Fórum Manifesto, assim como nomes sem filiação prévia) e a Esquerda Alternativa (que surge pela mão de nomes fortes da UDP, mas sem contar com o apoio de toda a direção da UDP). Mas, sublinhe-se, nem todos os militantes e dirigentes do partido têm de estar inseridos numa tendência. A criação de tendências dentro do partido está prevista nos estatutos do BE.

A bancada parlamentar do Bloco está neste momento dividida ao meio: o ex-líder parlamentar Luís Fazenda, o atual líder parlamentar Pedro Filipe Soares e as deputadas Mariana Aiveca e Helena Pinto são nomes afectos à Esquerda Alternativa, enquanto os restantes quatro deputados – os coordenadores João Semedo e Catarina Martins, e as deputadas Mariana Mortágua e Cecília Honório, se assumem afectos à tendência do Socialismo.

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Como surgiu e o que pretende a tendência Socialismo?

Houve nos primeiros meses de 2013 um alegado esforço liderado por João Semedo, Francisco Louçã (que já tinha saído) e José Manuel Pureza (originário da Política XXI), de alargar o Bloco a todos os militantes e de, como disse à Lusa José Manuel Pureza, proporcionar uma “interlocução mais rica e mais aberta com todas as sensibilidades que se revejam neste projeto que é o BE“. Era o princípio da criação de uma nova tendência – a Socialismo – formada como continuidade da antiga associação do PSR e com o acordo de alguns ex-membros da tendência Fórum Manifesto.

Em última análise, o objetivo da Socialismo era chegar à IX convenção do partido, que se vai realizar no próximo mês de novembro, com um acordo mais vasto em torno de uma moção mais consensual. Ou seja, com uma imagem de união.

A Socialismo define-se assim como uma tendência que iria ao encontro do que seria uma nova realidade do Bloco: o fim das correntes. “Consideramos pela nossa parte que esse percurso das correntes originais está esgotado”, lê-se num texto de descrição da própria tendência, na sua página na internet. E que rejeita qualquer aliança a uma esquerda mais central, como o PS. “É nessa fronteira que nos definimos: somos uma esquerda socialista, rejeitamos qualquer deriva para o centro-esquerda porque este claudica perante as escolhas da direita”, lê-se.

“A afirmação do Bloco como direção coletiva teria alcançado um nível superior de articulação e eficácia se os seus fundadores já tivessem criado entre si um novo espaço que consolidasse o que quiseram que o Bloco representasse, superando o peso por vezes excessivo das correntes fundadoras e facilitando desse modo a concretização dos objetivos iniciais“, lê-se na página de Facebook desta tendência. E mais: “A Tendência Socialismo não será uma corrente fechada, porque se pretende uma expressão que mobilize em vez de afastar, que promova a participação e não a desmotivação. A sua vocação é reconfigurar o debate político interno – em torno das escolhas do Bloco e não de outras identidades históricas – e viver esse debate no Bloco, a partir das formas por ele consagradas no direito de tendência”.

Mas esta nova formação foi muito criticada pela única ala do partido que ficou totalmente de fora, a UDP, que alegou que a intenção de criar aquela tendência era formar uma corrente única e acabar com as antigas correntes históricas e legítimas do partido. Luís Fazenda, Pedro Filipe Soares, Mariana Aiveca ou Helena Pinto, da UDP, foram algumas das vozes mais críticas.

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E como surge a Esquerda Alternativa?

A Esquerda Alternativa surge como resposta à criação da tendência Socialismo. Foi criada pelos nomes mais proeminentes da UDP, como Luís Fazenda, Pedro Filipe Soares, Helena Pinto e Joana Mortágua, mas não representa a UDP no seu todo.

A criação desta tendência foi aprovada na Assembleia Fundadora da Esquerda Alternativa, realizada a 29 de março de 2014: dos 33 assinantes, apenas 13 são filiados na UDP. Na mesma lógica, dos 36 membros da direção nacional da UDP, 23 não assinaram a Esquerda Alternativa. É o caso dos históricos Mário Tomé e Manuela Tavares e também de Pedro Soares, um dos primeiros presidentes da UDP.

Em dezembro 2013 foi aprovada na VIII Conferência Nacional da UDP ‘Dez teses sobre a UDP e o Bloco no tempo das tendências’, onde a direção da UDP já deixava claro que queria dar resposta à tendência Socialismo, que dizem ter sido criada sem o aval da UDP. A Esquerda Alternativa viria a ser criada três meses depois, em reação: “Internamente o Bloco está a entrar numa nova fase, em que a articulação maioritária entre as correntes fundadoras e muitas pessoas fora dessas correntes deu lugar a novas relações de forças e a novas regras de organização democrática da sua pluralidade genética. No atual panorama bloquista há, naturalmente, muito espaço para além da única tendência até agora formalizada. Temos consciência de que, tal como outros bloquistas, os aderentes da UDP não quererão ficar de fora desta nova fase da organização interna do bloco e do desafio lançado para o debate democrático”, lê-se.

No texto que dá origem à criação da Esquerda Alternativa lê-se que a criação da tendência socialismo “empobreceu o pluralismo essencial ao Bloco” e “obrigou a uma atitude”, ao mesmo tempo que fica patente uma crítica à tentativa de acabar com “as correntes fundadoras” e de “legitimar apenas as tendências inscritas no Bloco”.

A constituição da Esquerda Alternativa surge assim para vincar a necessidade defendida pela velha UDP de continuar a apoiar a existência de forças diferentes dentro do BE: “a proposta de criação do Bloco, em 1999, manifestou a vocação unitária dos seus promotores. Esse mesmo espírito, a que temos chamado “juntar forças”, continua a nortear-nos. Continuamos a valorizar leituras diferentes das finalidades da nossa ação. A participação só existe num ambiente plural”, lê-se.

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O que é que o Bloco de Esquerda tem dito sobre as políticas de alianças?

A política de alianças à esquerda e de convergências políticas para o BE ser ou não ser um partido de Governo sempre foi um dos principais motivos de discórdia. Foi o que motivou, de resto, a saída de quase todos os dissidentes.

Quando, no dia 13, Ana Drago anunciou a sua saída e a desvinculação da corrente Fórum Manifesto, fê-lo porque, disse, dentro do Bloco de Esquerda já não era possível iniciar processos de criação de alianças com vista a compromissos políticos que permitissem salvaguardar aspetos determinantes do Estado social. “Neste momento são urgentes soluções para o país e não era possível tê-las no Bloco de Esquerda”, disse a ex-militante.
Em resposta, a coordenadora Catarina Martins chegou a dizer que uma convergência à esquerda tinha de passar por uma “rutura com a austeridade”, e não por “soluções de governação”, como Ana Drago afirmava.

“Continuamos a achar que a aliança baseada num programa que seja capaz de rutura com a austeridade, sendo um caminho difícil, que demora tempo, é aquele que deve ser seguido”, disse a dirigente, apontando o dedo a Ana Drago por achar que “é preciso pensar em soluções de governação”, ou seja, em acordos com o PS. Nessa lógica, o ponto de partida para a elaboração da moção da lista A (de Catarina Martins e João Semedo) a apresentar na convenção de novembro é a “necessidade de ter no Bloco uma força autónoma na esquerda, que não espera nada do PS nem espera pelo PCP”. Ou seja, sem alianças políticas com vista a coligações governativas.

Mas nem sempre foi assim. Na Comissão Política do ano passado, que teve lugar em julho, o Bloco aprovava uma declaração política de resposta ao “compromisso de salvação nacional” lançado na altura pelo Presidente da República, onde propunha “tanto ao PS como ao PCP a abertura de um processo de discussão e aprovação das bases programáticas de um governo de esquerda”. “Propomos que essas conversações se façam sem qualquer condição prévia e no mais curto espaço de tempo”, dizia a missiva. Só que os requisitos para a negociação de uma aliança entre partidos de esquerda eram muitos. “O Bloco empenha-se na construção de um governo de esquerda que termine a austeridade e o memorando, que consiga a reestruturação da dívida, mobilizando os recursos bancários, financeiros e fiscais necessários, e que recupere o rendimento perdido pelas pessoas”, lia-se na declaração do partido.

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Como chega o Bloco de Esquerda à convenção de 22 e 23 de novembro?

Fragmentado e numa situação de quase empate técnico. Pela primeira vez nos 15 anos de vida do partido, os membros mais ativos da UDP – que agora estão alinhados em torno da Esquerda Alternativa – não subscreveram a moção onde estão os coordenadores e apresentaram um texto concorrente.

Luís Fazenda e Pedro Filipe Soares, começaram logo por não assinar um apelo que foi enviado aos militantes bloquistas, nos primeiros tempos de preparação da convenção, por 35 membros alinhados na tendência Socialismo – entre os quais João Semedo e Catarina Martins, mas também Fernando Rosas, José Manuel Pureza, Marisa Matias e até nomes históricos da velha UDP como Manuela Tavares e Mário Tomé – para que houvesse um envolvimento conjunto na preparação da convenção e na construção de uma moção, senão única, pelo menos o mais abrangente possível dentro do partido.

Mais tarde, a Esquerda Alternativa voltou a não estar presente no dia 13 de julho no Porto, no primeiro debate de preparação dessa moção, que, segundo se lia na missiva, partia da necessidade de ter no Bloco uma “força autónoma na esquerda, que não espera nada do PS nem espera pelo PCP”. Ou seja, tudo indicava que ia haver uma candidatura concorrente.

Mas a surpresa não deixou de ser grande quando, a 30 de setembro, o líder da bancada anunciou que ia apresentar à convenção uma moção alternativa, que põe Pedro Filipe Soares como coordenador único do partido. Em causa estava, principalmente, uma forte crítica aos atuais coordenadores por terem “batido à porta do PS” durante a crise política de 2013. A moção de Pedro Filipe Soares contava com mais de 850 subscritores, antevendo já uma forte mobilização de parte do Bloco em torno desse projeto.

Assim, na convenção do fim de semana, vão estar sujeitas a votação não uma, não duas, mas cinco moções:

Moção U (“Moção Unitária em Construção”), encabeçada por Catarina Martins e João Semedo. Junta os membros alinhados na tendência Socialismo, os membros da UDP que não alinharam na Esquerda Alternativa, alguns nomes da antiga Fórum Manifesto (que alinhavam tradicionalmente na moção B) e outros nomes sem tendência ou filiação anterior. Por não querer excluir fações, a tendência Socialismo decidiu no fim de junho que não iria apresentar uma moção em nome próprio: “o papel da nossa tendência não é constituir-se numa fração do partido ou num espaço fechado de afirmação – a tendência Socialismo é hoje, mais do que nunca, um contributo aberto ao debate bloquista”, diziam.

Moção E (“Bloco Plural, fator de viragem”) – os principais promotores são Pedro Filipe Soares e Luís Fazenda. Junta os nomes que se opuseram à criação da Socialismo e que alinharam na criação da Esquerda Alternativa. No documento lançado a 11 de julho intitulado “Recuperar a Confiança – Contribuição para uma Moção à IX Convenção”, a Esquerda Alternativa deixava claro que queria “regressar às origens e recuperar a identidade do Bloco num novo contexto político”.

Moção B (“Refundar o Bloco na luta contra a austeridade”)  junta nomes que tradicionalmente assinam pela moção minoritária B, onde já esteve por exemplo Daniel Oliveira. Defende uma maior convergência com os movimentos sociais, “partidos, grupos e sensibilidades”, desde que mantendo a “autonomia e independência” do Bloco. “Enraizar” o Bloco junto das populações é a máxima defendida.

Moção R (“Reinventar o Bloco”) – moção regional, junta promotores de alguns distritos do país para pedir uma postura mais “radical” do Bloco, nomeadamente no que ao euro e às instituições democráticas diz respeito.

Moção A (“Uma resposta de esquerda”) é a moção com menor número de subscritores e aquela que mais se difere das restantes. Defende uma postura governativa do Bloco, aberta à convergência com outros partidos, admitindo vir a aliar-se com o PS e deixando para segundo plano a discussão sobre a dívida e o euro.

Mas tudo está em aberto. No último dia 17 de novembro foram eleitos os delegados de cada moção à convenção e a moção de Pedro Filipe Soares, ficou com uma vantagem mínima de seis delegados: moção E elegeu 262 delegados, moção U elegeu 256, enquanto a moção B conseguiu apenas 44 delegados, a moção A elegeu oito nomes e as plataformas locais que concorreram na Moita e em Famalicão alcançaram dois e sete delegados, respetivamente.

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Quais são as diferenças nas moções?

Há principalmente quatro temas que suscitam visões mais diversas entre os cinco projetos políticos que este fim de semana vão estar em discussão e votação na convenção do Bloco de Esquerda:

Alianças políticas à esquerda?

Este tem sido talvez o maior ponto de discórdia, e o que tem levado às dissidências de bloquistas. Além da moção A, minoritária e regional, que é a única que pede claramente um projeto de governação que passe por uma aliança necessária com o PS, as restantes moções são mais contidas e, ainda que digam que o Bloco sozinho não consegue governar, recusam aliar-se ao PS ou a outras forças políticas que se aproximem dos socialistas.

A moção U, dos atuais coordenadores, é clara quando diz que “não há posição intermédia: quem se aproxima do PS para governar com ele abdica de responder ao principal desafio de desobedecer às imposições da UE” e que “a integração da esquerda no campo da alternância” nunca deu bom resultado nos países onde isso aconteceu. Quer por isso uma “alternativa de esquerda” assente na convergência com os movimentos sociais independentes, de cidadãos.

Já a moção E, de Pedro Filipe Soares, também rejeita todas as alianças, especialmente com o PS, mas admite pontes de entendimento com o PCP. “Começar a discussão com a pergunta ‘com quem fazemos alianças’ é abdicar da nossa identidade”, lê-se. Para a ala de Pedro Filipe Soares, o PS escolheu o caminho do Tratado Orçamental e por isso não pode servir de aliado, ao mesmo tempo que movimentos como o do Livre, que junta o 3D, a Fórum Manifesto, entre outros, se apresentam como projetos de governabilidade com o PS a liderar, e, por isso, também ficam excluídos à partida.

Qual o caminho que o Bloco deve seguir?

A diferença aqui é mais de organização interna. Para a moção U, o partido deve caminhar no sentido da “união pela diferença” para “recuperar a confiança do eleitorado”, enquanto para a moção E, forte defensora da velha pluralidade ideológica dentro do BE, o Bloco deve “regressar às origens” e recuperar a “identidade” perdida. O projeto da atual coordenação fala também numa renovação da bancada parlamentar, no sentido da regeneração e de pôr fim à excessiva institucionalização do partido.

Centro político: direitos constitucionais ou reestruturação da dívida

É a principal arma de Catarina Martins e João Semedo contra a moção de Pedro Filipe Soares. A moção E põe um acento maior na questão da defesa da Constituição e na luta contra qualquer revisão constitucional que PS ou PSD possam propor, enquanto a moção U diz que o único centro político do Bloco deve ser a luta pela reestruturação da dívida e a rejeição do Tratado Orçamental. Apesar de a candidatura de Pedro Filipe também erguer essas bandeiras, o enfoque nos direitos constitucionais – que Catarina Martins diz não estarem a ser postos em causa, pelo menos até às próximas legislativas – é visto como uma postura demasiado defensiva e pouco esclarecedora para os eleitores.

Sair ou não sair do euro?

Enquanto a moção U destaca este tema como uma das “raízes da crise”, e por isso admite uma saída gradual do euro, no sentido de “recuperar a soberania popular”, a moção E rejeita esse caminho. “O euro não pode ser calvário, não aceitamos a imposição da austeridade em nome da permanência no euro, mas os países têm muito a perder se a zona euro se desintegrar”, lê-se no projeto de Pedro Filipe Soares, que lembra que também há austeridade nos países onde não há moeda única.

Coordenação a duas vozes ou a uma?

A liderança bicéfala que sucedeu a uma coordenação carismática de Francisco Louçã não foi consensual. A moção U admite por isso que a substituição de Louçã foi “difícil” e que o Bloco “pagou o preço” por ter sido o primeiro partido a estabelecer a paridade de género na sua representação, mas volta a apresentar a dupla Catarina Martins e João Semedo como coordenadores.

Já a moção E tece críticas à atual coordenação por ter ido “bater à porta” do PS durante a crise política de 2013 e afirma que o modelo bicéfalo não foi bem sucedido. Diz ainda que prefere modelos como o que é praticado pelo Syriza, na Grécia, que se traduz na coordenação a uma só voz. Neste caso, na voz de Pedro Filipe Soares.