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O que é o Brexit?

Lembra-se de que quando se falava na saída da Grécia do euro e até da União Europeia e se usava o termo Grexit (Greece+exit)? Ora, agora que se fala na possível saída do Reino Unido, o termo voltou a pegar (Britain+exit).

Mas não é assim tão simples como explicar uma abreviatura. Trata-se de um tema complexo.

O Reino Unido, motivado em grande parte pelo crescimento do euroceticismo – nomeadamente do partido UKIP, que em 2014 ganhou as eleições europeias -, tem vindo nos últimos anos a considerar a renegociação dos seus termos de adesão à União Europeia. Aquando a ratificação do Tratado de Lisboa, enquanto os trabalhistas estavam no poder, os conservadores afirmaram que se fossem eles a decidir, fariam um referendo para a aprovação popular deste novo Tratado.

David Cameron, primeiro-ministro e líder dos conservadores, apresentou em 2013 a possibilidade de referendar a permanência do país no espaço comunitário e transformou esta proposta em promessa de campanha, afirmando a necessidade de procurar primeiro um acordo de renegociação com os restantes 27 Estados-membros. Cameron ganhou as eleições legislativas em maio de 2015 e está agora a cumprir a sua promessa.

Leia a entrevista da embaixadora britânica em Portugal, Kirsty Hayes, ao Observador para saber mais sobre sobre o referendo, as consequências e como o Reino Unido está a lidar com o processo.

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O que é que o Reino Unido quer?

O Reino Unido quer alterações em quatro áreas-chave: soberania, economia, competitividade e imigração. Ou seja, os britânicos querem desligar-se completamente do projeto de integração política, pretendem uma maior equidade entre Estados-membros que fazem parte da zona euro e Estados-membros com outras moedas, maior aposta na competitividade da União Europeia e controlo sobre os benefícios dos cidadãos da União que trabalham no Reino Unido.

Este é o ponto mais sensível da discussão, já que limitar ou restringir os benefícios sociais para cidadãos europeus que trabalham no Reino Unido é visto como uma forma de discriminação – em relação aos parceiros europeus não deve haver diferenças entre os trabalhadores que são cidadãos nacionais e os que são cidadãos de outro Estado-membro. Duas das exigências do Reino Unido neste ponto são: um trabalhador de outro Estado-membro só pode ter acesso a benefícios depois de já estar a trabalhar no país há quatro anos – o Reino Unido acabou por levar ao Conselho Europeu uma proposta de sete anos com duas prorrogações possíveis de três anos – e o país deixar de pagar apoios a crianças filhas de pais de outro Estado-membro caso estas não residam no Reino Unido. Estes pontos são criticados por representarem uma limitação à livre circulação de trabalhadores, um dos pontos fulcrais do mercado livre criado pela União Europeia.

Para além disto, no que diz respeito à soberania, o Reino Unido quer introduzir um mecanismo de cartão vermelho que vai permitir aos parlamentos nacionais dos 28 colocarem um travão a legislação comunitária que considerem desnecessária.

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Qual é o acordo que a União Europeia propõe?

O acordo apresentado por Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, e acordado por todos os parceiros europeus abrange as áreas em que o Reino Unido quer alcançar novos compromissos. Este já é o documento final que apresenta os compromissos possíveis entre o Reino Unido e os seus parceiros europeus.

Desde logo, há uma resposta para a questão ligada aos benefícios dos imigrantes que vêm de países da União Europeia. Os 28 concordaram em introduzir um mecanismo que se caracteriza por ser um “travão de emergência” a estes benefícios e pode ser usado por qualquer Estado-membro. O país terá de levar este travão ao Conselho de Ministros da UE e o mecanismo tem de ser aprovado por unanimidade ou maioria qualificada. Enquanto este travão pode ficar em vigor durante quatro anos para os restantes países europeus, para o Reino Unido, esta medida por ficar em vigor durante sete anos.

Quanto às questões relacionadas com os benefícios para os filhos dos trabalhadores de países da União Europeia que não residam com os pais no Reino Unido, Bruxelas vai permitir que o Reino Unido ajuste o valor recebido por cada criança tendo em conta o país onde esta está a residir. Esta medida entra em vigor de imediato – quando o Reino Unido der o ok a este acordo – para os novos imigrantes da União e será aplicado a partir de 2020 para os que já lá estejam instalados – há cerca de 32 mil pessoas nesta situação.

 

Sobre a soberania, o “cartão vermelho” para os parlamentos nacionais é aceite pelos 28 e ficará explícito em futuros tratados que o Reino Unido não está obrigado a fazer parte de uma União Europeia cada vez mais integrada. Sobre a economia e competitividade, Bruxelas compromete-se a reduzir a burocracia e a não diferenciar entre países da zona euro e países com outras moedas.

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Quando vai ser o referendo?

Agora que já há documento de acordo entre Bruxelas e Londres, o Reino Unido vai referendar a sua permanência na União a 23 de junho. A campanha começou em abril.

Junho era uma data já avançada, mas considerada pouco possível, já que limitaria o tempo de campanha e de informação aos britânicos. O limite para a realização do referendo, segundo Cameron adiantou nas eleições legislativas, seria até ao final de 2017.

Este referendo teria sempre de acontecer antes das eleições francesas em maio de 2017. Se o resultado ditar a permanência do Reino Unido na UE, isso poderá servir para tirar gás ao discurso eurocético da Frente Nacional.

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O que é que vai ser perguntado aos britânicos?

O referendo vai ter uma pergunta: “O Reino Unido deve permanecer como membro da União Europeia ou sair da União Europeia?”. Haverá dois quadrados no boletim de voto, um que diz “Ficar na União Europeia” e outro “Sair da União Europeia”. Os britânicos devem assinalar com um X o quadrado que representa a sua vontade.

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Quem está a favor de ficar?

David Cameron está a fazer campanha para ficar na União Europeia, mas o seu Governo, tal como o seu partido, estão fraturados. Mas os conservadores não são os únicos que não têm uma frente comum, divididos entre quem quer ficar e quem quer sair. A maioria dos partidos britânicos estão fraturados internamente, ou seja, pertencer a um partido não significa apoiar a posição oficial.

Tanto o Partido Trabalhista como o Partido Liberal Democrata são favoráveis à permanência do Reino Unido na União Europeia – e opõem-se à realização do referendo. Também o Partido Nacionalista Escocês, que ganhou grande dimensão nas eleições de maio de 2015, é favorável à permanência na UE.

No entanto, o líder dos trabalhistas, Jeremy Corbyn, já assumiu no passado posições eurocéticas e não é o único dentro deste partido a olhar de forma desconfiada para Bruxelas e para as regras comunitárias. Mas, desde que lidera o partido, Corbyn tem mostrado que moderou algumas dessas posições e já fez mesmo campanha pela permanência do país na UE e, dos 231 deputados do partido no Parlamento, cerca de 211 afirmam estar ao lado do líder nesta decisão. Já os liberais democratas estão completamente comprometidos com esta causa – pode ler aqui a entrevista a Catherine Bearder, a eurodeputada deste partido que vai liderar a campanha durante o referendo.

Quanto aos escoceses, a permanência do Reino Unido na União é condição sine qua non para que a própria Escócia permaneça no Reino Unido. Em 2014, a Escócia votou sobre a sua independência e 55,3% dos escoceses que foram às urnas preferiram manter-se no Reino Unido, mas isso pode mudar se o país decidir sair da União Europeia. Nicola Sturgen, líder do Partido Nacionalista Escocês, já veio avisar que caso o Reino Unido saia, será “impossível travar um novo referendo” e pode ser mesmo o final do país como o conhecemos até hoje.

Há ainda uma campanha oficial que deverá juntar todos os apoiantes da permanência do Reino Unido na União Europeia que se chama “Grã-Bretanha mais forte na Europa” – Britain Stronger in Europe – que agrega não só os partidos favoráveis à escolha por Bruxelas, mas organizações financeiras e associações da sociedade civil.

[Veja aqui um dos vídeos da campanha pela permanência do Reino Unido na UE]

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Quais são os argumentos para ficar?

Com a dificuldade de explicar o funcionamento da União Europeia, um problema que não é só do Reino Unido, os principais argumentos apresentados por quem está a organizar a campanha pela permanência na União Europeia são económicos.

Desde logo, há o argumento do mercado comum. Em 2014, o Reino Unido enviou 57,2% das suas exportações para outros Estados-membros, sendo a Alemanha o segundo parceiro comercial do país. Holanda, França, Irlanda, Bélgica e Espanha estão também entre os 10 países com quem o Reino Unido faz mais trocas comerciais. A reintrodução de taxas alfandegárias seria um entrave não só ao comércio no Reino Unido, mas também ao comércio mundial.

Há também a questão da instabilidade dos mercados gerada pelo abandono da União e a consequente quebra no investimento estrangeiro. Sem a certeza sobre as repercussões de uma saída, um dos argumento da City de Londres – centro nevrálgico da alta finança britânica e mundial -, há a possibilidade da retirada de capitais do Reino Unido e de um fim abrupto do investimento no país.

Apesar de outros argumentos poderem figurar nesta categoria, a influência externa de uma potência como o Reino Unido seria também prejudicada pela saída da União Europeia. Sendo um país com uma extensa rede diplomática e inserido num bloco que agrega países em vários continentes, a Commonwealth, a União Europeia permite ao Reino Unido ter uma palavra ativa – e muitas vezes decisiva – no continente europeu, fortalecendo a sua posição externa.

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Quem está a favor de sair?

Tal como foi referido na pergunta sobre quem está a favor de ficar, também aqui nem todos os partidos dão indicações óbvias. Um partido que tudo tem feito para que o Reino Unido saia da União Europeia é o UKIP – UK Independence Party ou Partido da Independência do Reino Unido. Também os Verdes são favoráveis à realização do referendo, mas a opinião geral no partido é que há possibilidades de mudanças reais no funcionamento da UE numa renegociação com o Reino Unido.

O caso mais difícil é o do Partido Conservador. Uma parte do partido deseja a saída da União Europeia e terá pressionado David Cameron a propor a realização do referendo; no entanto, outra parte do partido deseja permanecer no espaço comunitário. O próprio Governo está dividido, com seis ministros a fazerem campanha pela saída. Michael Gove (Justiça), Iain Duncan Smith (Trabalho e Pensões), Theresa Villiers (responsável pela Irlanda do Norte), John Wittingdale (Cultura, Meios de Comunicação e Desporto), Priti Patel (Emprego) farão campanha pelo não, tal como Chris Grayling, líder da Câmara dos Comuns. Também Boris Jonhson, presidente da Câmara de Londres, defende a saída do país da UE.

O tema da permanência na União Europeia já partiu literalmente o Partido Conservador no passado, quando uma franja abandonou o partido para formar uma nova força política, o UKIP. Na altura, a oposição era ao Tratado de Maastricht, que entre várias alterações introduziu o conceito de cidadania europeia e tornou mais abrangente a ação da União Europeia em termos de política externa e assuntos internos. Desde aí, o UKIP tem juntado os dissidentes do Partido Conservador e a sua principal causa é mesmo a saída do Reino Unido da União Europeia. Nigel Farage, eurodeputado e líder do grupo político Europa da Liberdade e da Democracia (Europe of Freedom and Democracy – EFD) no Parlamento Europeu, é a figura mais destacada do partido.

Também já está em marcha uma campanha pela saída que agrega todos aqueles que querem que o Reino Unido abandone a União Europeia e chama-se Leave.eu.

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Quais são os argumentos para sair?

Os argumentos mais usados até agora prendem-se com três questões: dinheiro, imigração e burocracia comunitária.

Desde sempre as contribuições do Reino Unido para o orçamento comunitário têm sido polémicas, com Margaret Thatcher, antiga primeira-ministra, a celebrizar a frase “I want my money back” em 1980, que garantiu que o Reino Unido receberia cerca de dois terços em fundos europeus do dinheiro transferido pelo país para o orçamento comunitário. Em 2014, o Reino Unido terá contribuído com 6,7 mil milhões de libras para o orçamento europeu, uma quantia que choca os eurocéticos.

O UKIP alega ainda que a onda de imigrantes de países da União Europeia retira a possibilidade de os britânicos encontrarem trabalho qualificado no seu próprio país, com muitos trabalhadores do Sistema Nacional de Saúde (NHS) a pertencerem a outras nacionalidades. Tal como já foi falado acima, há a questão dos benefícios para quem trabalha, como os créditos fiscais, e ainda a sustentabilidade da segurança social para os trabalhadores que vêm de países da UE.

Quanto à burocracia, os eurocéticos defendem que as imposições de Bruxelas e as regulamentações excessivas impedem o Reino Unido de alcançar o seu total potencial comercial e atrapalham o dia a dia dos cidadãos.

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O Reino Unido já tem algum estatuto especial na UE?

Desde 1973, data em que aderiu à CEE, o Reino Unido conseguiu negociar com Bruxelas vários opt-outs, ou seja, não fazer parte de determinadas partes da integração europeia. Por isto, diz-se que o Reino Unido tem uma Europa “à la carte”, ou seja, escolhe aquilo em que deseja participar.

Um dos opt-outs mais significativos prende-se com a União Económica e Monetária, política económica e financeira que regula o funcionamento do euro. O Reino Unido está isento de algum dia vir a integrar a moeda única.

O país também tem o poder de escolher quais são as iniciativas que quer ou não integrar no que diz respeito às políticas de justiça e administração interna que possam ser concertadas a nível europeu. Esta exclusão está prevista no Tratado de Lisboa. E também não faz parte do Espaço Schengen.

O Reino Unido teve também direito a um protocolo na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que clarifica que este documento não se sobrepõe à lei britânica nas decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia.

O Reino Unido não é o único país que teve direito a opt-outs na história dos tratados europeus, mas é um dos mais acérrimos defensores das suas posições individuais quando em negociações com os restantes parceiros europeus.

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É a primeira vez que o Reino Unido faz um referendo deste género?

Não, em 1975 – dois anos depois da adesão – o Reino Unido fez um referendo em que perguntou aos britânicos se queriam continuar na então CEE, ou seja, manter-se no mercado único. O “sim” ganhou com 67% dos votos e os partidos estavam divididos nos seus apoios. O referendo foi então proposto por um Governo trabalhista e uma parte dos trabalhistas aliaram-se aos conservadores para fazerem campanha pelo “sim”.

3rd June 1975: British conservative politician, Margaret Thatcher, with William Whitelaw and Peter Kirk at a referendum conference on Europe. (Photo by Keystone/Getty Images)

Margaret Thatcher, então líder dos conservadores, numa conferência sobre a defesa do Reino Unido na CEE, ladeada pelos conservadores William Whitelaw e Peter Kirk

No entanto, este referendo aconteceu em circunstâncias muito diferentes das que se verificam hoje em dia. Desde logo, a União Europeia tem hoje muito mais competências do que a CEE de então e as regras impostas por Bruxelas vão hoje para além do mercado interno.

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Qual é a posição de Portugal?

É sabido que Portugal mantém a aliança mais antiga do mundo com o Reino Unido, mas há certas reivindicações a que o Governo português se opôs durante a negociação com o Reino Unido.

Os maiores obstáculos à concordância de Portugal – independentemente de o Governo ser liderado por Passos Coelho ou António Costa – são as questões que dizem respeito aos benefícios dos trabalhadores que são imigrantes provenientes de Estados-membros da UE.

Em 2015, Portugal foi o sexto país de onde chegaram mais pessoas ao Reino Unido em busca de trabalho e os portugueses distinguem-se por realizarem trabalho qualificado, nomeadamente nas áreas da saúde e das finanças. O primeiro-ministro António Costa defende que não se pode permitir um regime discriminatório, nem colocar quaisquer entraves na livre circulação de trabalhadores na União Europeia.

Outras questões relativamente ao aumento da competitividade ou da introdução de um “cartão vermelho” para os parlamentos nacionais são bem vistas pelo Governo português.

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O que aconteceria se o referendo fosse hoje?

Se fosse hoje, o Reino Unido sairia da União Europeia. Segundo o agregador de sondagens do Financial Times, que junta as principais sondagens que saem diariamente sobre o referendo, 47% dos inquiridos querem sair, enquanto 44% dos inquiridos quer ficar, havendo cerca de 9% de indecisos.