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Quando mete combustível está a pagar o quê?

A resposta pode ser encontrada na mais recente análise ao mercado dos combustíveis feita pela Autoridade da Concorrência a pedido do Governo e do Parlamento. Segundo as contas apresentadas já este mês, o preço dos combustíveis inclui seis parcelas. A sua formação começa no preço médio à saída das refinarias, onde já está incluída a margem de refinação, que por sua vez segue um valor médio para a indústria europeia de refinação, neste caso no sul da Europa.

Ao contrário da AdC, o regulador espanhol (entre outros), especifica na sua análise ao preço dos combustíveis o peso da matéria prima, o crude, conseguindo identificar depois qual é a margem cobrada pelas empresas no processo de refinação.

Assim, a AdC começa a análise logo pelo produto já refinado, ainda que os consumidores se tenham habituado a comparar, de forma enviesada, os aumentos e as descidas preços nas bombas com as notícias de aumentos ou descidas no preço do petróleo.

Segue-se a fatia que paga a logística da distribuição e onde se incluem o custo das operações de descarga, armazenagem e reservas. Depois vem a incorporação de biocombustíveis, cujas metas são definidas pela União Europeia e que variam por combustível. A meta mais ambiciosa é no gasóleo, que tem de ter 7,5% de biodiesel. Esta imposição pesa no preço porque o combustível de origem verde (em regra óleos vegetais) é mais caro que o petróleo refinado.

A atividade retalhista é a componente que se segue, sendo que aqui considera-se a margem de distribuição da petrolífera (ou operador que pode ser independente ou uma empresa de retalho) e a margem do revendedor. O resto, e não é pouco, são os impostos. O imposto sobre os produtos petrolíferos é a fatura mais pesada e tem maior peso no preço da gasolina do que no gasóleo. Sobre todas estas componentes, incluindo o ISP, incide ainda a taxa de 23% de IVA.

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O peso dos impostos tem vindo a subir?

A análise da Autoridade da Concorrência mostra claramente que o peso dos impostos pagos sobre os combustíveis está a aumentar pelo menos desde 2004. O aumento foi mais acentuado no gasóleo onde a AdC aponta para uma subida de 49% no fardo fiscal do gasóleo que representa agora 56% do preço final (considerando dados de fevereiro de 2018). O peso dos impostos na gasolina subiu 30% desde 2004, menos que no gasóleo, mas a carga fiscal neste combustível é mais elevada e tendo como referência a mesma data (22 de fevereiro de 2018) representava 63% do preço de venda ao público da gasolina.

A avaliação do regulador incide sobre a percentagem dos impostos no preço final, cuja evolução também varia em função das outras componentes do preço. Por exemplo, quando o preço antes de impostos desce, a carga fiscal que é mais estável — o ISP é um valor fixo anualmente — tende a subir.

Mas há outra conta que nos dá a imagem do agravamento dos impostos sobre os combustíveis para o mesmo horizonte temporal seguido pelo regulador. Desde 2004 e até 2017, a receita do imposto petrolífero subiu 13,5% para 3.364 milhões de euros e neste período as vendas de combustíveis (gasóleo e gasolina 95) baixaram 15%. Quando calculamos o imposto cobrado por litro vendido saltamos de um valor médio 0.383 euros por litro em 2004 para 0.512 euros por litro no ano passado. São mais 13 cêntimos de imposto por litro. E sem contar com o IVA.

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Por que razão estão a subir os impostos?

São duas as razões apontadas pelos governos para justificar aumentos de impostos. A primeira e mais evidente é orçamental. Os combustíveis são uma importante fonte de receita para o Estado. Em Portugal, e em outros países, e a carga fiscal dos combustíveis ao nível da zona euro até sem será das mais elevadas.

Ainda dentro do argumento orçamental, os combustíveis têm sido chamados a financiar despesas específicas do Estado. É o caso do Fundo Florestal Permanente, criado precisamente em 2004, e que cobra meio cêntimo por litro — nunca foi aumentado — até 30 milhões de euros por ano para financiar a prevenção e combate aos fogos.

Mais tarde foi criada a contribuição rodoviária, que transfere uma parte da receita do imposto para o financiamento das despesas com estradas, via orçamento da Infraestruturas de Portugal. Esta verba, que atualmente vale oito cêntimos no imposto sobre a gasolina e 11 cêntimos no gasóleo, representa anualmente uma receita da ordem dos 500 milhões de euros, cuja parte mais importante serve para pagar as parcerias público-privadas (PPP).

Mais recentemente, os governos têm invocados razões ambientais e de sustentabilidade para taxar os combustíveis, já que os transportes são a segunda maior fonte de emissões de CO2. A taxa do carbono foi criada pelo Governo PSD/CDS em 2015 e atualmente vale 1,5 cêntimos por litro na gasolina e 1,7 cêntimos no gasóleo. Em nome do mesmo objetivo, este Governo reforçou um processo de recalibração do imposto petrolífero no sentido de aproximar o ISP do gasóleo do da gasolina, o que passou por baixar as taxas sobre esta última e agravar a penalização fiscal do diesel, apontado como mais poluente.

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Qual é a responsabilidade deste Governo no aumento do imposto sobre combustíveis?

O gráfico publicado pela Autoridade da Concorrência no seu estudo (página 41) é bem ilustrativo de que o agravamento da carga fiscal acelerou com o atual Governo, ou seja a partir de 2016, depois de anos de alguma estabilidade que curiosamente coincidem com o programa de assistência e a presença da troika, um período marcado por fortes aumentos de impostos.

Essa estabilidade termina em 2015, quando o Executivo do PSD/CDS cria a taxa do carbono. Mas é a partir de 2016 que o valor dos impostos diretos mais sobe. Dados fornecidos ao Observador pela AdC indicam que o agravamento fiscal no gasóleo foi de 16% entre o final de 2015 e final de 2017. Na gasolina, os impostos cresceram 6%. Estes números batem certo com as contas já feitas pelo Observador neste trabalho.

O “enorme aumento” de impostos no gasóleo: Estado cobra mais 9 cêntimos por litro desde 2016

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Por que razão propôs o CDS uma descida extraordinária do imposto?

Em 2016, quando preparou o primeiro orçamento, o Governo PS avançou com um aumento extraordinário do imposto sobre os produtos petrolíferos de seis cêntimos por litro, em resposta à exigência da Comissão Europeia de mais medidas de consolidação orçamental. A justificação para carregar no imposto sobre os combustíveis, ao mesmo tempo que prometia alivia a sobretaxa do IRS, era a perda de receita fiscal neste produto provocada pela desvalorização do preço dos combustíveis, o que fez encolher a cobrança de IVA.

O Governo prometeu então ajustar o imposto petrolífero a eventuais aumentos de preços, na medida em que recuperasse margem perdida no IVA. Este compromisso foi executado em parte -nunca na dimensão prometida – porque as contas das Finanças usaram um preço de referência que não corresponde ao valor pago pelos consumidores.

Mas em 2017, o Governo deixou cair esta compensação, alegando que só valia para o ano anterior. A questão ganhou maior relevância quando o petróleo iniciou a recuperação nos mercados internacionais em meados de 2017 e culminou depois em várias semanas consecutivas de aumentos do preços dos combustíveis, que estavam a permitir ao Estado cobrar mais em IVA, mantendo a sobrecarga fiscal de 2016. O CDS sempre foi o partido mais atento à cobrança da prometida neutralidade fiscal e apresentou vários projetos para eliminar o que chama de adicional de ISP. À quinta vez conseguiu que passasse (contando com a abstenção dos partidos que apoiam a geringonça, o PCP e o Bloco de Esquerda).

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Neutralidade fiscal ou impacto considerável na receita?

O CDS, bem como o Bloco de Esquerda que também apresentou um projeto de resolução para eliminar esse aumento extraordinário do imposto, defende que existe margem orçamental para baixar o imposto petrolífero. Isto porque o que o Estado tem vindo a cobrar mais no IVA permitirá compensar, pelo menos em parte, a perda de receita no imposto petrolífero.

Já o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, defende que a medida terá um impacto considerável na receita do Estado e coloca problemas à sustentabilidade das contas públicas. Já Mourinho Félix, secretário de Estado adjunto, avisou a partir de uma reunião do Eurogrupo, no Luxemburgo, que a descida do imposto na dimensão proposta pelo CDS — 4 cêntimos na gasolina e 6,5 cêntimos no gasóleo — terá um impacto nas receitas que terá de ser compensado.

Mas quando instado a revelar quanto ganha o Estado no IVA por causa da subida dos preços dos combustíveis, Mendonça Mendes não respondeu, limitando-se a apontar para uma subida modesta, e em linha com o crescimento económico, de 2,2% na receita do imposto petrolífero. “A margem são 29 milhões de euros”.

O Ministério das Finanças não revela quanto cobra no IVA dos combustíveis e quando os técnicos do Parlamento fizeram cálculos no ano passado, a pedido do CDS, usaram estimativas. Os centristas invocam essas contas para dizer que o Governo está a cobrar mais 900 milhões de euros, juntando IVA e ISP.

As contas do Observador mostram que em abril o Estado estava a cobrar mais 2 cêntimos por litro de combustível em IVA, um valor abaixo da descida proposta no ISP.

Estado encaixa mais dois cêntimos por litro com subida do petróleo

No limite, o efeito orçamental depende de vários fatores: a dimensão da descida das taxas, o período em que isso for feito e da própria conjuntura do mercado dos combustíveis. Se o ISP baixar num contexto de descida acentuada do preço dos combustíveis, a margem que hoje existe no IVA pode desaparecer.

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Projeto-lei do CDS foi aprovado na generalidade, mas vai ter impacto a curto prazo?

Provavelmente não. Não deixa de ser uma vitória política do partido que mais se bateu contra o aumento dos imposto nos combustíveis, ainda mais conseguida com a cumplicidade dos parceiros à esquerda do Governo — PCP e Bloco — que se abstiveram. Mas este gesto, que um deputado socialista já chamou de “traição”, terá sobretudo um significado político para as negociações do próximo Orçamento do Estado.

O Governo – e mesmo partidos que deixaram passar o projeto do CDS – não acreditam que seja aprovado com efeitos este ano, tal como está elaborado, porque seria inconstitucional, precisamente por introduzir, por iniciativa do Parlamento, uma medida com impacto orçamental este ano. Esta é a leitura dos serviços da Assembleia da República, que recomendam que este projeto só tenha aplicação no próximo ano. Ora o Governo mostrou também abertura para discutir a descida do imposto petrolífero no quadro da discussão do próximo Orçamento do Estado.

O projeto do CDS desceu agora à comissão parlamentar de orçamento e finanças e é muito provável que os partidos que permitiram a sua aprovação imponham agora mudanças para o viabilizar.

Imposto sobre combustíveis desce, mas não já. E todos sabiam

 

 

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A descida do imposto não garante a baixa do preço, como defende o Governo?

A incerteza sobre o efeito da redução do imposto petrolífera não se limita ao prazo da sua concretização. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais defendeu no debate parlamentar que esta medida resulta numa perda imediata de receita “sem que haja qualquer garantia da sua integral repercussão no preço de venda ao público”.

Considerando que o que foi proposto — pelo CDS e Bloco — é perda de receita fiscal sem qualquer contrapartida segura mesmo para o consumidor, António Mendonça Mendes deixou as perguntas: “Mas porque se quer reduzir a receita fiscal? Não tem um impacto direto no preço dos combustíveis. Porque queremos perder receita sem receber nada?”

O preço dos combustíveis está liberalizado desde 2004 e o Governo não tem uma intervenção nesse processo. No entanto, cabe-lhe decidir a dimensão daquela que, como já vimos, é de longe a maior fatia do preço final pago nas bombas. Se as subida de impostos são diretamente repercutidas pelas petrolíferas no preço final, as descidas de imposto também o devem ser. Ainda que, o governante tenha levantado a dúvida sobre se os operadores vão refletir na totalidade a baixa fiscal, lembrando que são mais rápidos a reagir aos aumentos dos preços internacionais do que às baixas.

A própria AdC fala num “ajustamento assimétrico” que se “traduz numa reação mais lenta nos preços médios de venda em períodos de queda das cotações”.

Ainda que a garantia não exista, uma descida da dimensão daquela que é proposta pelo CDS terá certamente efeito final no preço dos combustíveis. Até porque os consumidores vão estar atentos. E ainda que as petrolíferas tenham a tentação de aproveitar para subir as margens, não o fariam de imediato e de forma tão evidente, mas sim diluindo no tempo esse efeito.

O que pode acontecer também é a descida do imposto ser amortecida no caso de outros fatores que condicionam o preço, como o petróleo ou a cotação euro/dólar, evoluírem de forma desfavorável.

O maior risco é o de que a baixa do imposto tenha um efeito temporário nos preços que seja rapidamente anulado pela dinâmica dos mercados internacionais. Este será um cenário temido pelo Governo porque já perdeu a receita fiscal e não consegue capitalizar o ganho político que lhe traria a descida dos preços.

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Os impostos são o único problema nos preços dos combustíveis?

Não. A Autoridade da Concorrência aponta outros problemas, aliás já conhecidos, e que vão desde a grande concentração do mercado, sobretudo a nível da refinação e logística até à existência de barreiras à entrada e ao crescimento de operadores concorrentes, nomeadamente pela capacidade limitadas de armazenagem.

O regulador lembra ainda que já fez várias recomendações para aumentar a concorrência que não foram acolhidas. Entre elas está a extensão até ao Porto de Sines do pipeline que liga a refinaria de Sines ao Parque de Aveiras, o maior centro logístico do setor, e a promoção da concorrência na atribuição das concessões para exploração de postos de combustíveis nas autoestradas.

Mas independentemente destes problemas, o regulador sinaliza também:

“Os custos de política fiscal são a componente que maior peso relativo tem nos preços de venda ao público, representando cerca de 63% do preço de venda ao público da gasolina e cerca de 56% do preço de venda ao público do gasóleo.”

Isto significa que é na componente fiscal que existe mais margem para medidas que tenham impacto significativo no preço final dos combustíveis.

A ilustrar essa realidade está a comparação com Espanha. No período analisado, os preços médios dos combustíveis rodoviários em Portugal foram consistentemente mais competitivos do que os preços médios praticados em Espanha e partir de 2013 na gasolina e a partir de 2014 no gasóleo rodoviário. Ainda que esse desempenho tenha sido interrompido em alguns trimestres, a AdC deixa a conclusão.

“Nota-se, contudo, que incluindo-se os impostos e os biocombustíveis (cujo nível de incorporação também é decidido a nível político), a competitividade dos preços dos combustíveis rodoviários em Portugal desce significativamente face a Espanha, na medida em que a carga fiscal e as metas de incorporação de biocombustível são mais pesadas em Portugal”.

 

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O Estado ganhou mais. E as petrolíferas?

Na avaliação à evolução do preço dos combustíveis, a Autoridade da Concorrência diz que se verificou uma relativa estabilidade nas margens brutas. O regulador reconhece que houve um “aumento significativo” na margem bruta (em termos percentuais), sobretudo  no gasóleo — o combustível mais vendido — entre 2011 e 2014 e entre o segundo semestre de 2015 e o início de 2016.

Mas diz que também que as margens registaram uma diminuição significativa em 2016, o que é normal quando os preços baixam, para voltarem a subir em 2017, o que também é comum em momentos de alta dos preços.

Por outro lado, o regulador avisa que algumas das medidas de política energética dos governos com a intenção de trazer mais concorrência ao mercado e potenciar preços mais baixos podem não estar a ter o efeito pretendido. Uma das medidas bandeira, já deste Governo, foi a obrigação de venda de combustíveis simples em todos os postos de serviço.

A Autoridade da Concorrência conclui que houve uma mudança na política comercial de algumas petrolíferas que as levou a substituir os combustíveis normais pelos simples, reforçando a gama de produtos premium — os combustíveis aditivados que não mais caros. Essa resposta gerou uma maior procura destes combustíveis premium, o “que poderá também ter contribuído, mesmo que parcialmente, para o aumento das margens médias da indústria em 2015”.

O regulador considera ainda que a criação de um preço de referência por parte da Entidade Nacional do Mercado de Combustíveis (ENMC), uma iniciativa do anterior governo, não tem utilidade para o consumidor porque exclui a as componentes de retalho.