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O que aconteceu a 27 de maio?

Catorze atuais e antigos dirigentes da FIFA, incluindo membros do comité executivo, foram na manhã de quarta-feira, 27 de maio, formalmente acusados pelo Departamento de Justiça dos EUA de práticas pouco transparentes na organização. A investigação alega que os suspeitos terão cometido vários crimes desde 1991, entre extorsão, fraude, o “pagamento sistemático de subornos” e lavagem de dinheiro. Por via destes atos, os implicados terão recebido, no total, cerca de 137 milhões de euros.

Sete dos suspeitos foram detidos em Zurique, na Suíça, por volta das 6h, pela Procuradoria-Geral da Suíça, a mando da justiça norte-americana. Os sete detidos estavam na cidade helvética devido ao Congresso da FIFA, que se realizará entre quinta e sexta-feira e servirá para eleger o próximo presidente. Luís Figo já não está nesta corrida desde a passada semana. “Este processo eleitoral é tudo menos isso, uma eleição. Este processo é um plebiscito de entrega do poder absoluto a um só homem – algo que me recuso a caucionar”, justificou, na altura.

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São os EUA, e não a Suíça, a conduzirem a investigação. Porquê?

Porque a investigação terá provas de que grande parte dos 47 delitos ocorreram, ou foram planeados, naquele país. O Departamento de Justiça dos EUA suspeita que as transações bancárias realizadas para o pagamento dos subornos também terão sido mediadas por bancos com sede em território norte-americano.

Kelly Currie, uma das procuradoras envolvidas na investigação, chegou a dizer: “Todos os acusados abusaram do sistema financeiro dos EUA e violaram a lei norte-americana. Temos a intenção de os responsabilizar por isso.”

E há mais, já que as empresas da área desportiva que terão pago os subornos aos dirigentes da FIFA têm sede fiscal nos EUA. Duas delas são a Traffic Sports International Inc. e a Traffic Sports USA Inc., ambas com escritórios no estado da Florida.

Também a 27 de maio, aliás, os serviços secretos norte-americanos (FBI) realizaram buscas na sede da CONCACAF (Confederação de Futebol da América do Norte, Central e das Caraíbas), em Miami, no estado da Florida.

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Como ocorreram as detenções?

Vários agentes da polícia suíça vestiram-se à civil e deslocaram-se ao hotel, em Zurique, onde os sete dirigentes da FIFA estavam alojados. Apresentaram as ordens judiciais emitidas pelo Departamento de Justiça dos EUA e pelo Ministério Público da Suíça e foram-lhes entregues as chaves dos quartos.

 

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Os detidos são acusados do quê?

Os dirigentes da FIFA terão aceitado subornos de empresas de marketing desportivo para, em troca, lhes concederem direitos comerciais e televisivos de competições organizadas pela entidade. Esses direitos eram relativos a jogos de várias provas: Mundiais, fases de qualificação da CONCACAF (a Associação de Futebol da América do Norte, Central e das Caraíbas), a Gold Cup, a Copa América — só nesta prova os subornos terão sido na ordem dos 100 milhões de euros — , a Copa dos Libertadores, a Copa do Brasil e a Liga dos Campeões da CONCACAF.

Os suspeitos, em suma, terão participado “num esquema para enriquecerem através da corrupção no futebol internacional” que já durava há 24 anos. O comunicado emitido pela justiça norte-americana diz que há suspeitas de que tenham existido subornos na atribuição do Mundial de 2010 — que se realizou na África do Sul — e nas eleições presidenciais da FIFA, em 2011. E mais: no documento lê-se também que “uma grande marca desportiva dos EUA” terá pago um suborno à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para conseguir patrocinar a entidade. O equipamento e material desportivo da seleção brasileira são hoje assegurados pela Nike.

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Quem são os suspeitos?

Entre as 14 pessoas identificadas, nove exercem ou exerceram funções na FIFA. E alguns ainda desempenham cargos bem importantes. O mais conhecido será José Maria Marin, antigo presidente da Confederação Brasileira de Futebol — entidade que já reagiu — e atual responsável pela organização do torneio de futebol dos Jogos Olímpicos de 2016, do Rio de Janeiro. Mas os outros oito não lhe ficam muito atrás.

Jack Warner, 72 anos, Trinidade e Tobago: este é um antigo vice-presidente da FIFA que sabe o que é ser alvo de suspeitas de corrupção. Em 2002 e 2006, por exemplo, suspeitou-se que o antigo líder da CONCACAF vendeu no mercado negro bilhetes para jogos dos Mundiais. Depois, em 2011, Warner foi investigado por, alegadamente, ter oferecido votos a favor da candidatura inglesa para organizar o Campeonato do Mundo de 2018 em troca de subornos. Nenhum destes processos foi avante. Warner demitiu-se de todos os cargos que exercia.

Eduardo Li, 56 anos, Costa Rica: além de presidir à Federação de Futebol da Costa Rica, é membro do comité executivo da FIFA e da CONCACAF.

Julio Rocha, 64 anos, Nicarágua: pertence ao Departamento de Desenvolvimento da FIFA e, antes, liderava o futebol na Nicarágua.

Eugenio Figueredo, 83 anos, Uruguai: é outro dos vice-presidentes da FIFA e membro do comité executivo. Já liderou a Federação Uruguaia de Futebol e a CONMEBOL, a Confederação Sul-Americana de Futebol.

Rafael Esquivel, 68 anos, Venezuela: é quem manda na federação venezuelana e tem igualmente um lugar no comité executivo da CONMEBOL.

Nicolás Leoz, 86 anos, Paraguai: ex-membro do comité executivo da FIFA e presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol.

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E os outros cinco?

Basicamente, são pessoas que também puxavam uns cordelinhos do outro lado da barricada — das empresas que pagavam os subornos. Chamam-se Alejandro Burzaco, Aaron Davidson, Hugo e Mariano Jankis e José Margulies e todos lideram ou, pelo menos, desempenham cargos administrativos em empresas que operam na área do desporto.

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E agora, o que lhes pode acontecer?

Pouco se sabe além do que aparece escrito num parágrafo do comunicado do Departamento de Justiça norte-americano. À exceção de Eugenio Figueredo, os 14 suspeitos poderão ser condenados a cumprir penas de prisão de, no máximo, 20 anos.

As novidades, contudo, devem demorar a aparecer. O documento não aponta quaisquer datas ou prazos relativos a interrogatórios ou fases do processo, indicando apenas que “a investigação está a decorrer”.

Seis dos sete detidos já afirmaram que recusam ser extraditados para os Estados Unidos para serem ouvidos.

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O que disse a FIFA na altura?

Na primeira vez que surgiu em público após o escândalo rebentar, Joseph Blatter disse que a FIFA estava a enfrentar “tempos de dificuldades sem precedentes”. O presidente discursou na cerimónia inaugural do congresso da entidade e apresentou-se como o homem que vai salvar a organização: “Não vou permitir que as ações de uma minoria destruam a integridade de uma vasta maioria que trabalhou arduamente pelo futebol.”

O suíço também revelou estar ciente dos dedos que lhe eram apontados. “Sei que muitos me consideram responsável [pelo que está a acontecer]. Mas não consigo controlar toda a gente“, explicou, sem nunca referir qualquer hipótese de abdicar do cargo de presidente da FIFA.

Logo na quarta-feira, dia em que as investigações foram anunciadas, o diretor de comunicação bem o disse: “Isto magoa, não é fácil, mas também é bom porque confirma que estamos no bom caminho. Isto é bom para a FIFA. Não é bom para a imagem e reputação, mas é bom para limpar. Não teríamos tido interesse em prestar declarações à justiça a 18 de novembro se não soubéssemos as consequências que iria ter agora.”

Em comunicado publicado após a conferência de imprensa, a FIFA reforçou que “está contente por ver que a investigação está a ser energicamente conduzida pelo bem do futebol” e “acredita que ela ajudará a reforçar medidas que a FIFA já tomou”. A organização está feliz porque acredita que esta investigação “vai limpar” a FIFA. Bem precisa e esta cronologia que o Daily Telegraph montou também ajuda a explicar porquê.

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Então e Joseph Blatter?

O presidente da FIFA safou-se de ser investigado, mas não de ser ouvido pelas autoridades. Tanto o presidente da FIFA como Jérôme Valcke, secretário-geral da entidade, não foram detidos. O segundo ainda não proferiu qualquer palavras sobre o caso, enquanto Joseph Blatter apenas falou a 28 de maio, na cerimónia inaugural do congresso da FIFA, dizendo: “Sei que muitos me consideram responsável, [mas] não posso controlar toda a gente

A 27 de maio, dia em que as detenções foram anunciadas, contudo, teve de ser Walter de Gregorio, diretor de comunicação da FIFA, a garantir que nada tinha acontecido às duas maiores figuras da entidade. De Gregorio deu a cara às perguntas dos jornalistas numa conferência de imprensa organizada à pressa e chegou a dizer que Blatter estava “bastante relaxado por saber que não estava envolvido”.

Os presentes estranharam a descrição e, por isso, voltaram a questionar. “Ele não está a dançar no seu escritório. Está muito calmo e a cooperar com toda a gente. Não está feliz com isto, mas sabe que isto é consequência do que iniciámos. É uma surpresa ter acontecido hoje, mas não é uma surpresa ter acontecido”, esclareceu, depois, o responsável pela comunicação da entidade.

Mas a FIFA, afinal, iniciou o quê? Walter De Gregorio referia-se a uma lista de nomes ligados a “uma troca ilegal de bens” durante o processo de candidaturas à organização dos Mundiais de 2018 e 2022. Esta lista fez parte da queixa enviada pela FIFA à Procuradoria-Geral da Suíça a 18 de novembro de 2014.

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Com isto tudo, as eleições presidenciais da FIFA foram para a frente?

Sim. A entidade que rege o futebol internacional agendou para 28 e 29 de maio um congresso, em Zurique, que serviu para eleger o novo presidente da FIFA. Ou reeleger o velho, como aconteceu — mesmo com toda esta polémica, Joseph Blatter conseguiu ser reeleito para um quinto mandato à frente da entidade, após o Príncipe Ali Bin al-Hussein, o único candidato que restava, desistir à segunda volta do sufrágio.

Antes, Luís Figo já retirara a sua candidatura a 21 de maio, dizendo: “Entendo que o que vai acontecer dia 29 de Maio em Zurique não é um ato eleitoral normal. E não sendo, não contam comigo.” E horas depois de as detenções serem confirmadas, outras vozes se insurgiram contra o ato eleitoral.

A de Greg Kyle, presidente da Federação Inglesa, foi uma delas: “Tem de existir um ponto de interrogação sobre se as eleições se devem realizar nestas circunstâncias. Claramente que as coisas estão a mudar muito rápido e a nossa delegação no congresso da FIFA, que eu lidero, vai discutir o que devemos fazer com os nossos colegas na UEFA”.

Loretta Lynch disse que não estava planeado que a acusação coincidisse com as eleições presidenciais da FIFA. Na manhã de quinta-feira, primeiro dia do congresso, realizou-se uma reunião extraordinária entre Blatter e os presidentes das seis confederações que integram a FIFA.

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O que achou a UEFA disto tudo?

Achou mal, mas nada decidiu fazer além de aconselhar Blatter a demitir-se. Foi isso que Michel Platini, presidente da UEFA, lhe pediu na manhã de quinta-feira, 28 de maio, quando reuniu com o presidente da FIFA e as restantes cinco confederações de futebol que integram a entidade. “Sepp, começámos juntos, vencemos juntos, mas agora tenho de te pedir para ires embora, para te demitires, porque a tua presença não é boa para a imagem da FIFA”, disse-lhe.

Platini recusou a hipótese de boicotar as eleições presidenciais da FIFA e admitiu apenas que, caso Blatter fosse reeleito, a UEFA se iria reunir no início de junho para, possivelmente, “tomar decisões” em relação ao caso. “A FIFA não pode continuar assim. A FIFA manda no futebol, é o organismo onde tudo se decide. Como querem que os adeptos e os jogadores de todo o mundo respeitem a FIFA, quando quem a dirige não é respeitável?”, questionou o líder da UEFA.

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Mas em relação aos Mundiais de 2018 e 2022, está tudo bem?

Nem por isso. Também a 27 de maio se soube que a Procuradoria-Geral da Suíça instaurou um processo criminal contra “pessoas desconhecidas”. Esses indivíduos, explicou a entidade em comunicado, são suspeitos de terem cometido crimes de lavagem de dinheiro “ligados à atribuição dos Mundiais de 2018 e 2022”. A organização dessas duas edições do Campeonato do Mundo da FIFA foi atribuída à Rússia e ao Qatar.

A justiça suíça revelou que recolheu informações da sede da FIFA que vão servir como provas para a investigação. Estes procedimentos, aliás, são uma consequência da tal queixa apresentada pela própria FIFA — que entregou uma lista de nomes de pessoas que estariam envolvidas “numa troca ilegal de bens” durante o processo de candidaturas.

Ou seja, nesta investigação — que nada tem a ver com a que está a ser conduzida pela justiça norte-americana –, a FIFA é a parte lesada.

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A Rússia e o Qatar podem perder a organização dos Campeonatos do Mundo?

Talvez sim, talvez não. Não se sabe porque, lá está, nunca aconteceu. Dependerá sempre das conclusões, e consequências, da investigação da Procuradoria-Geral da Suíça. Caso, de facto, a FIFA venha a retirar a organização dos Mundiais de 2018 e 2022 aos dois países, é provável que a Rússia e o Qatar contestem a decisão — ambos já começaram a investir nas obras de preparação para acolherem a competição.

FIFA

Responder a esta questão, por isso, é um pouco como navegar às escuras. Até porque, caso esta seja mesmo uma hipótese, é provável que as candidaturas que, na altura, perderam a corrida para a Rússia e o Qatar voltem a entrar em cena. E uma delas foi a que Portugal e Espanha apresentaram conjuntamente para organizarem o Campeonato do Mundo de 2018.

O ministro do Desporto russo, Vitaly Mutko, que também será ouvido, já afirmou que o país “nada tem a esconder” da investigação. “Estamos preparados para mostrar tudo. Sempre atuámos dentro da lei”, garantiu.

Independentemente das conclusões a que as duas investigações chegarem, a decisão de retirar os Mundiais à Rússia e ao Qatar será sempre da FIFA. A própria Loretta Lynch, procuradora-geral dos EUA, o disse, em conferência de imprensa convocada pelo Departamento de Justiça do país.

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Blatter apenas se demitiu após ser reeleito. Porquê?

A 2 de junho, quatro dias após vencer as eleições, o presidente da FIFA demitiu-se. Joseph Blatter anunciou, em conferência de imprensa, que ia convocar um Congresso Extraordinário para as 209 associações de futebol da entidade escolherem um novo presidente. “Adoro a FIFA mais do que tudo e só lhe quero o melhor. O meu mandato não parece ser apoiado por toda a gente. Não vou concorrer”, garantiu.

 

O anúncio do suíço, de 79 anos, surgiu no mesmo dia em que uma investigação do New York Times revelou que Jérôme Valcke, secretário-geral da FIFA, teria autorizado que perto de 9,1 milhões de euros fossem usados para subornar votos a favor da candidatura sul-africana à organização do Mundial de 2010.

Um dia antes, Luís Figo afirmara que estava disponível para, um dia, voltar a concorrer à presidência da FIFA. O congresso para a realização de novas eleições, porém, apenas será convocado, na melhor das hipóteses, seis meses depois. “O timing das eleições será provavelmente entre dezembro e março [de 2016]”, avisou Domenico Scala, diretor do Comité Eleitoral da entidade.

 

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E até lá, o que vai acontecer?

Blatter permanecerá como presidente da FIFA. E traçou logo um objetivo: “Estarei numa posição em que me poderei focar em reformas profundas. Precisamos de uma limitação de mandatos. Há muitos anos que luto por estas mudanças, mas os meus esforços foram contrariados.”

A frase veio de um homem que chegou à presidência da organização em 1998 e, portanto, ficará mais de 17 anos a liderá-la.