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Porque é que vai haver novas eleições em Espanha?

Os espanhóis foram chamados às urnas a 20 de dezembro do ano passado. Daí resultou uma Espanha dividida: apesar de o Partido Popular (PP) ter vencido, não conseguiu a maioria absoluta que obtivera em 2011.

Assim ficou composto o Congresso dos Deputados:

 

Com estes resultados, a tradicional alternância entre o PP e o Partido Socialista (PSOE) ficou definitivamente posta em causa, obrigando os líderes partidários a negociar possíveis coligações.

Logo após as eleições, o líder do PP e Presidente do Governo, Mariano Rajoy, convidou o secretário-geral do PSOE, Pedro Sánchez, a formar um bloco central. Essa gran coalición, como é denominada em Espanha, era na verdade uma das poucas soluções governativas que não implicava ter de recorrer a partidos abertamente independentistas. Era também a única que permitia a manutenção do PP no poder.

Pedro Sánchez não aceitou a oferta de Rajoy e virou-se para os partidos emergentes, o Podemos e o Ciudadanos, para tentar uma solução “à portuguesa”. O processo foi atribulado e não chegou a bom porto. O PSOE e o Ciudadanos chegaram a apresentar uma proposta de Governo ao Congresso dos Deputados, no início de março, mas foi chumbada.

Assim, manda a Constituição espanhola que se realizem novas eleições. São já no próximo domingo, 26 de junho. E os protagonistas serão os mesmos: Mariano Rajoy, pelo PP; Pedro Sánchez, pelo PSOE; Pablo Iglesias, pelo Podemos; Albert Rivera, pelo Ciudadanos. É por estas quatro forças políticas que vai passar o futuro do país vizinho.

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O que dizem as sondagens?

Se os partidos não se conseguiram entender para formar Governo, houve pelo menos uma mudança significativa nestes seis meses. O Podemos, que em dezembro se tornou a terceira maior força política espanhola, aliou-se ao Unidade Popular, um partido de cariz comunista que elegeu dois deputados (muito menos do que os onze que conseguira eleger em 2011).

Rapidamente se percebeu que a coligação Unidos Podemos iria causar dores de cabeça ao PSOE, que nos últimos meses tinha liderado a iniciativa de procurar consensos. As últimas sondagens apontam todas no mesmo sentido: os socialistas caem para terceira força política e a coligação liderada por Pablo Iglesias consolida-se na segunda posição.

O PSOE é mesmo o único partido a cair nas sondagens face às últimas eleições. Na frente continua o PP, que deverá obter uma votação superior à de dezembro. Também o Ciudadanos deve subir, mas mantém-se como quarta força política.

sondagens

Apesar do esperado crescimento do PP, isso deve traduzir-se num aumento de deputados relativamente modesto. No máximo, o partido de Rajoy deve obter 126 eleitos, muito menos do que os 176 necessários para a maioria absoluta no Congresso.

O cenário também não é animador quando consideradas as hipóteses de coligação. Mesmo que os populares se aliem ao Ciudadanos, apenas conseguem o voto favorável de 164 deputados. Curiosamente, é o mesmo número de eleitos que uma eventual coligação entre o Unidos Podemos e o PSOE obteria. Significa isto que, uma vez mais, uma solução governativa poderia ficar nas mãos de partidos independentistas. É o caso, por exemplo, da Esquerda Republicana da Catalunha, abertamente a favor da independência da região.

 

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Então pode não ficar resolvido?

Sim, pode mesmo ser preciso repetir as eleições lá para o Natal. Ainda assim, há alguns sinais que parecem apontar para um certo desanuviamento nas futuras negociações pós-eleitorais.

O Podemos, que durante meses insistiu nessa proposta, está disposto a deixar cair o referendo à independência da Catalunha (mas com um processo de negociações paralelo entre Madrid e Barcelona), considerado uma “linha vermelha” para o PSOE.

Já o líder socialista, embora endureça o discurso face a Pablo Iglesias para tentar evitar uma ultrapassagem do Unidos Podemos, sabe que não o pode antagonizar. Por isso, entre críticas, lá vai dizendo que quer negociar com todos.

E Albert Rivera, do Ciudadanos, disse recentemente numa entrevista que está disposto a associar-se a uma eventual coligação entre o PP e o PSOE. Condição: Mariano Rajoy tem de ir embora. Mas o Presidente do Congresso não parece disposto a tal…

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O que vai acontecer depois das eleições?

Formalmente, o Congresso dos Deputados e o Senado — as duas câmaras do sistema parlamentar espanhol — têm de constituir-se até 20 de julho. Depois, o processo é muito semelhante ao que já aconteceu em dezembro e que também é regra em Portugal. O rei Felipe VI convida o líder do partido mais votado a formar Governo e os deputados são chamados a pronunciar-se sobre isso.

Caso a proposta de Governo seja chumbada, inicia-se nesse momento uma contagem decrescente de dois meses. Se nesse período nenhum partido conseguir que um Executivo seja aprovado pelos deputados, o rei é constitucionalmente obrigado a convocar novas eleições. Essa terceira chamada às urnas deverá ocorrer lá para o Natal, à semelhança do que já aconteceu no ano passado.

A acontecer, seria apenas a segunda vez na História política espanhola que os eleitores teriam três Legislativas num tão curto espaço de tempo. A primeira e única vez em que tal aconteceu foi em 1918-1920.

Um pormenor interessante, e que pode ter um crescente peso, está relacionado com os novos eleitores recenseados. Este domingo vão votar quase 37 milhões de pessoas. Dessas, quase 200 mil votam pela primeira vez. Grande parte dos novos eleitores são jovens que atingiram a maioridade, o que, em teoria e tendo em conta as últimas estatísticas, pode ser benéfico para os partidos mais à esquerda.

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Como é que o Brexit pode afetar as eleições espanholas?

O cenário desenhado pelas sondagens pré-eleitorais pode alterar-se significativamente com a bomba que abalou a Europa esta sexta-feira. O Reino Unido vai mesmo sair da União Europeia e ninguém parece saber qual o impacto que essa decisão terá nas eleições espanholas.

Na sexta-feira, dia do Brexit, o principal índice da bolsa espanhola, o Ibex, afundou (12,35%). Em teoria, um pânico bolsista é mais favorável aos partidos tradicionais, uma vez que os eleitores podem sentir-se tentados a escolher as opções que já conhecem. Ainda há poucos dias, alguns bancos internacionais avisaram os clientes de que, caso se confirme a subida do Unidos Podemos a segunda força, a economia espanhola pode entrar em recessão — um tipo de discurso que favorece formações como o PP e o PSOE e que se acentua com o Brexit.

Mariano Rajoy foi rápido a perceber que o Brexit pode tornar-se uma vantagem eleitoral para o PP. Num discurso sobre o assunto, o Presidente de Governo em funções apelou à “tranquilidade”, à “serenidade” e à “estabilidade”. Tudo aquilo, portanto, que o líder popular acusa os outros partidos de não oferecerem.

Por outro lado, os eleitores podem querer cavalgar a onda do Brexit e votar numa formação política que é crítica da atual União Europeia. Pelo menos é essa a mensagem da coligação Unidos Podemos, que aposta na reforma das instituições europeias, no fim da austeridade e na solidariedade entre os países europeus. Alguns responsáveis do Podemos estiveram no Reino Unido a participar na campanha pelo Remain com essa mensagem política.

O PSOE e o Ciudadanos podem ser os partidos mais prejudicados, caso o Brexit esteja na cabeça dos espanhóis na hora de votar. Os socialistas querem afirmar-se como um partido europeísta e, de certa forma, tradicional. É uma tentativa de esvaziar ao mesmo tempo um potencial voto de medo no PP e um voto de protesto no Unidos Podemos. Pedro Sánchez foi duro com o conservador David Cameron, acusando-o de “irresponsabilidade” e defende “uma maior integração europeia”.

Para Albert Rivera, a vitória do Brexit demonstra “medo”. O líder do Ciudadanos teme que os espanhóis optem pelo mesmo no domingo. “Preocupa-me que em Espanha fiquemos bloqueados no medo e no imobilismo, que não façamos nada, que é o que promove o PP”, disse a uma rádio.

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E a Catalunha?

O presidente do governo regional da Catalunha foi rápido a congratular-se com o Brexit. Aquela região espanhola está há anos a querer separar-se do poder de Madrid e até chegou a fazer um referendo (não reconhecido) para a independência em 2014.

O Brexit é valorizado na Catalunha por três motivos. Primeiro, porque a percentagem de 52% “é suficiente para tomar decisões”, disse o presidente catalão, Carles Puigdemont, apontando assim o dedo a quem considera que um referendo à independência da Catalunha nunca poderia ter um resultado 50%+1.

Por outro lado, o responsável sublinhou igualmente que a decisão do Reino Unido foi tomada “sem que o conjunto da União tenha votado” — mais uma crítica aos defensores de que a saída da região de Espanha deve ser votada por todos os espanhóis.

Por fim, o Brexit significa quase de certeza um novo referendo sobre a permanência da Escócia no Reino Unido. Puigdemont apoia as pretensões independentistas dos escoceses, uma vez que dariam legitimidade à Catalunha para enveredar por um caminho semelhante. “Teriam conseguido manter-se [na UE] se já fossem um país independente”, disse.

Assim, torna-se claro que a Catalunha não vai desistir de lutar pela independência. O atual governo da região está determinado a ter pronto, daqui a alguns meses, o esboço da futura Constituição catalã e das principais estruturas do Estado. Há dois partidos catalães a concorrer às legislativas — o Convergência Democrática da Catalunha (CDC) e o Esquerda Republicana da Catalunha (ERC). Independentemente do posicionamento ideológico das duas formações, ambas se batem pela desanexação catalã de Espanha. E isso pode tornar-se problemático na hora de fazer coligações de Governo.

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Como tem sido a campanha eleitoral?

De um modo geral, a campanha tem sido morna. Depois de tantos meses de incerteza, os espanhóis parecem cansados da política. Além disso, a campanha tem-se desenrolado ao mesmo tempo que o Euro 2016, o que tem contribuído para desviar o foco mediático da disputa partidária.

Um dos grandes acontecimentos da campanha foi a divulgação, feita pelo jornal Público (espanhol), de gravações secretas ao ministro do Interior do Governo de Rajoy. De acordo com esses registos, Jorge Fernández Diaz conspirou com o líder do Gabinete Antifraude da Catalunha para inventar casos de corrupção, de branqueamento de capitais e de mau uso dos dinheiros públicos contra políticos de partidos independentistas (ERC e CDC) e até contra o presidente da câmara de Barcelona, uma das figuras mais conhecidas da luta pela autodeterminação catalã. Consta ainda dessas gravações uma frase em que o ministro admite que Mariano Rajoy, chefe do Governo, tinha conhecimento de todos esses planos.

Todos os partidos catalães e nacionais (menos o PP) foram unânimes a pedir a demissão de Fernández Diaz, ministro responsável pela organização das eleições. Os populares, por seu turno, dizem que tudo não passa de uma manobra eleitoral. Mas o caso pode ser prejudicial para o PP, que além disso tem de lidar com inúmeros casos de corrupção.

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O que é que o rei pode fazer?

Em Espanha, para ser Presidente do Governo basta ser espanhol, maior de idade e ter os direitos políticos intactos. Isto significa que o líder do país não precisa de ser deputado, nem sequer político. Se todas as negociações entre partidos falharem, esta pode ser uma solução para a crise executiva espanhola. O rei escolhe uma pessoa da sua confiança e encarrega-a de formar Governo.

Et voilà? Não é assim tão simples. Por um lado, a partir do momento em que o Congresso dos Deputados se reúna pela primeira vez, todas as decisões do rei têm de ser validadas pelo presidente do Congresso. Ou seja, um potencial nome apresentado por Felipe VI precisaria sempre de merecer a confiança do líder da câmara baixa do parlamento.

Por outro lado, mesmo que um Governo de iniciativa real fosse aprovado pelo presidente do Congresso, os deputados quase de certeza se oporiam à sua entrada em funções. Se o PP ganhar as eleições, Mariano Rajoy não abdicará de ser chefe do Executivo. Pablo Iglesias e Albert Rivera veem-se como rostos da renovação partidária. Pedro Sánchez crê que os socialistas são os únicos em condições de resolver definitivamente este impasse político.

Assim, o rei não pode fazer muito. Manda a tradição — mas não está escrito em lei nenhuma — que os partidos políticos sejam consultados logo após as eleições. Depois dessa ronda de reuniões, Felipe VI propõe um nome (geralmente, o líder do partido mais votado) e resta-lhe esperar que os deputados trabalhem em acordos.

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Qual é o futuro dos quatro principais líderes?

Nenhum líder gosta de olhar para o futuro antes de eleições. Mas dos quatro principais partidos espanhóis, só um poderá sair vencedor.

  1. Pedro Sánchez, do PSOE, é o líder que tem a corda mais apertada na garganta. Teve um fraco resultado nas eleições de dezembro e o falhanço na investidura, em março, foi visto como um sinal de fraqueza do partido pelos opositores internos. O terceiro lugar que as sondagens lhe apontam são uma dor de cabeça que, afirma, não lhe tira o sono. “Disse que não ia ser Presidente do Governo a qualquer preço, como digo agora que me preocupa zero o meu futuro. Estou muito tranquilo”, disse ao El País. A verdade é que, a confirmarem-se as sondagens, Sánchez terá muitas dificuldades em manter-se como secretário-geral do partido.
  2. A insistência para que se afaste é grande e constante, mas o líder do PP, Mariano Rajoy não parece ter vontade de ir a lado nenhum. Venceu as eleições de dezembro e prepara-se para vencer as de domingo. Com o argumento de que é importante afastar os “radicais” do Governo, Rajoy deverá voltar a propor um novo bloco central ao PSOE (com uma provável nova liderança…) e, eventualmente, ao Ciudadanos. Se, mais uma vez, não resultar, é praticamente certo que seja ele a protagonizar as próximas eleições.
  3. A liderança de Pablo Iglesias no Podemos tremeu durante umas semanas nos últimos seis meses, uma vez que muitos espanhóis o responsabilizaram diretamente pelo falhanço das negociações com o PSOE. Mas desde que o partido roxo se uniu ao Unidade Popular, as coisas têm-lhe corrido melhor. As sondagens são-lhe favoráveis, pelo que não é expectável que Iglesias vá onde quer que seja. Aliás, Iglesias perfila-se como uma das personagens mais importantes do tempo de negociações que aí vem.
  4. Albert Rivera está numa posição ligeiramente mais delicada. O Ciudadanos ficou muito aquém das próprias expectativas nas últimas eleições e a melhoria não deve ser substancial no domingo. Rivera quer viabilizar uma solução governativa que impeça o Podemos de chegar ao poder, mas os votos é que vão determinar a força que terá nas negociações. Se falhar, já prometeu continuar por aí. O Ciudadanos é um projeto de longo prazo, diz.
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Que Espanha é esta que vai a votos?

Pela sexta vez na História, Espanha vai a votos com uma taxa de desemprego a rondar os 20%. É um problema já crónico no país vizinho e uma das principais preocupações dos partidos políticos. Dos milhões de desempregados, uma grande parte (46%) são jovens e outros 12% já não têm trabalho há mais de um ano.

Apesar destes dados negativos, que muito pouco melhoraram durante os anos da governação Rajoy, alguns aspetos da economia espanhola estão a melhorar ligeiramente. Entre 2014 e 2015 os gastos em alimentação, dentro e fora de casa, aumentaram cerca de 1%. É um dado modesto, mas mostra que houve alguma melhoria das condições de vida dos cidadãos.

Por outro lado, certos setores do Estado estão a atravessar crises profundas e a clamar por reformas urgentes. É o caso do Serviço Nacional de Saúde, que o Governo de Rajoy tentou por várias vezes privatizar parcialmente. Em quatro anos, o investimento público em saúde caiu quase 10 mil milhões de euros. E, entre 2012 e 2015, mais de 30 mil trabalhadores do setor perderam o emprego. Apesar de, a partir de 2014, as coisas terem melhorado ligeiramente, a sustentabilidade financeira a longo prazo do SNS espanhol ainda não está assegurada.