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O que são os colonatos e como é que surgiram?

Os colonatos israelitas surgiram depois da Guerra dos Seis Dias (ou Terceira Guerra Israelo-Árabe), que aconteceu entre 5 e 10 de junho de 1967. Depois de uma vitória militar clara contra os exércitos do Egito, da Síria e da Jordânia, Israel fixou-se para lá das fronteiras marcadas pela Linha Verde. É esse o nome dado aos limites geográficos que ficaram acordados após o armistício que se seguiu à Guerra Israelo-Árabe de 1948, que opôs Israel à Jordânia, ao Egito e à Síria.

A guerra surgiu pouco depois de aqueles três países árabes terem apertado o cerco militar a Israel, deslocando até às fronteiras vários meios militares. Israel acabou por reagir em força, surpreendendo os seus inimigos e sobrepondo-se a eles de forma decisiva.

Com o desfecho da guerra de 1967, Israel conseguiu ganhos territoriais efetivos e passou a ocupar os territórios da Cisjordânia (que pertenciam à Jordânia), a Faixa de Gaza (até então do Egito), os Montes Golã (antigamente da Síria) e a Península do Sinai (devolvida ao Egito após os acordos de paz de Camp David, em 1978). Desde essa altura e até aos dias de hoje, sob a liderança de Benjamin Netanyahu, Israel tem procedido a uma política de construção de colonatos nestas regiões, tornando assim cada vez mais efetiva a sua expansão naquela região.

Atualmente, vivem cerca de 600 mil habitantes para lá da Linha Verde de 1967, isto é, em colonatos israelitas.

Ainda assim, a construção de colonatos tem tido alguns problemas. Nalgumas ocasiões, foram feitas demolições de colonatos construídos sem aparente ajuda das autoridades (escrevemos “aparente” porque em 2005 a procuradoria-geral israelita publicou um relatório que dava conta de um total de 51 milhões de shekels — quase 13 milhões, ao câmbio atual — de dinheiro públicos que tinham sido usados para a construção de colonatos clandestinos e à margem da lei israelita). As demolições são por norma ordenadas pelo Tribunal Supremo de Israel.

Também em 2005, Israel acordou com a Palestina a saída de 8.500 habitantes de colonatos da Faixa de Gaza e a cedência desse território às autoridades palestinianas. A iniciativa foi do Governo de Ariel Sharon, que pretendia com aquela medida unilateral tornar Israel um país mais seguro — uma decisão que causou enorme polémica na altura e levou inclusive à demissão em protesto do então ministro das Finanças e futuro primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

Quatro meses depois da retirada israelita de Gaza, o Hamas (defensor de uma linha mais radical e que a UE considerou ser um grupo terrorista até 2014) venceu as eleições legislativas na Palestina, ocupou na prática o poder nessa região, e a tensão com Israel cresceu. Desde então, o Hamas e Israel têm entrado em confronto direto durante alguns períodos. O último foi entre julho e agosto de 2014.

Quanto aos colonatos, ainda em novembro deste ano o Conselho de Ministros israelita aprovou uma lei (que terá de passar pelo Tribunal Constitucional) que na prática permitirá a continuação de colonatos construídos em propriedade privada na Palestina. A lei, que é defendida por Benjamin Netanyahu, poderá obrigar os proprietários palestinianos a aceitarem uma indemnização em troca da posse dos terrenos.

Na lógica de Israel, a construção de colonatos é um passo essencial para conseguir a estabilidade e segurança daquele país. “Antes de 1967, Israel não chegava a ter 15 quilómetros de largura”, disse Benjamin Netanyahu em 2011, depois de uma reunião com Barack Obama, quando o líder dos EUA já tinha dado sinais de ser contra a expansão dos colonatos judaicos. “E estas não eram fronteiras de paz, eram fronteiras de guerras repetidas, porque um ataque a Israel era apetecível”, disse então o primeiro-ministro israelita. “Por isso, não podemos voltar a essas linhas indefensáveis.” Indefensáveis porque, segundo disse Benjamin Netanyahu, elas “não têm em conta certas mudanças que aconteceram no terreno, mudanças geográficas que têm acontecido ao longo dos últimos 44 anos”. Ou seja, a crescente construção de colonatos.

Outro argumento usado por Israel remete para os Acordos de Oslo de 1994. Nestes, não foi tratado o tema dos colonatos, com ambos os lados a agirem na expetativa de, depois de um período de construção de uma relação de confiança, poderem depois abordar esse dossier, negociando caso a caso. Esse período acabou por não chegar — e tornou-se ainda mais numa miragem com o início da Segunda Intifada, em 2000.

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O que diz a resolução da ONU sobre os colonatos israelitas?

De forma resumida, ao aprovar a resolução 2334 com uma abstenção dos EUA e o voto favorável dos 14 restantes países, o Conselho de Segurança da ONU estabeleceu que o crescimento dos colonatos israelitas em território palestiniano é um impedimento a qualquer tipo de acordo de paz que possa vir a ser estabelecido no futuro e que preveja a solução dos dois Estados — ou seja, da convivência entre Israel e Palestina enquanto dois países com fronteiras internacionalmente reconhecidas.

A resolução 2334 foi proposta por quatro países (Malásia, Nova Zelândia, Senegal e Venezuela) a 23 de dezembro, depois de o Egito ter voltado atrás com as intenções que apresentar de forma individual aquele texto. Depois de um esforço do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, junto do Presidente eleito dos EUA, Donald Trump, o Presidente do Egito decidiu suspender aquela moção após ter recebido um telefonema do futuro líder americano.

“Durante a chamada, eles discutiram questões da região do Médio Oriente, e nesse contexto falaram da resolução sobre os colonatos no Conselho de Segurança”, disse o porta-voz de Abdel Fattah el-Sisi, Presidente do Egito. “Os dois presidentes concordaram que era importante dar à nova administração dos EUA toda a oportunidade para lidar com todas as dimensões do caso palestiniano tendo em vista a conclusão de um acordo total e final.”

Isto foi a 22 de dezembro. No dia seguinte, o mesmo texto que fora redigido pelo Egito foi apresentado para votação pela Malásia, Nova Zelândia, Senegal e Venezuela. Tanto o Egito como estes quatro países são membros temporários do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

A votação acabou por ser de 14 votos favoráveis e apenas uma abstenção, dos EUA. O facto de os EUA abdicarem do seu poder de veto naquele órgão — algo que já tinham feito numa votação semelhante em 2011 — permitiu a aprovação desta resolução. No final, numa raríssima demonstração de (quase) consenso naquele órgão de 15 países, houve uma salva de palmas.

Naquele documento de pouco mais de duas páginas de texto, podem ler-se algumas palavras duras dirigidas a Israel — sobretudo se se tiver em conta que estas acabaram por receber o apoio da esmagadora maioria daquele órgão.

No texto inicialmente redigido pelo Egito fala-se da “inadmissibilidade da aquisição de território pela força” de acordo com os valores das Nações Unidas e é dito que os colonatos estabelecidos em 1967, incluindo a Jerusalém Oriental, “não têm validade legal e constituem uma violação flagrante da lei internacional e são um verdadeiro obstáculo para chegar à solução dos dois Estados e a uma paz justa, duradoura e consensual”. A resolução chega mesmo a dizer que o Conselho de Segurança da ONU “não reconhecerá nenhumas alterações às linhas de 4 de junho de 1967” além daquelas que foram “acordadas pelas duas partes através de negociações”.

Assim, é relembrado a Israel que deve “cumprir escrupulosamente as suas obrigações legais e responsabilidades de acordo com a Quarta Convenção de Genebra” e que deve “deter toda a atividade dos colonatos”.

Na resolução, é ainda reforçada a obrigação da Autoridade da Palestina de “manter operações eficazes com o objetivo de confrontar todos os que estão ligados ao terrorismo e a de desmantelar as suas capacidades terroristas” e é feita a condenação “de todos os atos de violência contra civis, incluindo atos de terror, tal como atos de provocação, incitamento ou destruição”.

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E qual foi a reação de Israel?

No mínimo, foi uma reação de desagrado. E, incapaz de obter explicações por parte dos países que votaram a resolução 2334, isolou-se deles.

Seja como for, este desfecho já era dado como possível nos corredores diplomáticos. A chave desta decisão estaria nas mãos dos EUA e do sentido do seu voto. Em fim de mandato, Barack Obama poderia ter agora menos problemas em tomar uma posição mais definida do que nunca sobre o tema dos colonatos israelitas, que o tem separado de Benjamin Netanyahu desde o seu primeiro mandato na Casa Branca, mas sem efeitos práticos.

Ciente disso, Israel fez os maiores esforços para impedir a votação de acontecer. O melhor exemplo foi o lóbi que Israel fez junto do Presidente eleito dos EUA, Donald Trump, para que este convencesse o Egito de desistir da votação — algo que conseguiram fazer, mas que ficou sem efeito depois de outros quatro países levarem a resolução escrita pelo Egito para o Conselho de Segurança da ONU se pronunciar.

No final de contas, 14 países votaram a favor e os EUA abstiveram-se — uma posição neutra que chegou para permitir a aprovação da resolução 2334.

Ainda assim, o grande receio por parte de Israel era o sentido de voto dos EUA. Em fim de mandato, Barack Obama poderia ter menos problemas em tomar uma posição mais definida (mesmo que uma abstenção) em condenação da expansão dos colonatos israelitas. E, para surpresa de alguns setores de Israel, assim foi.

Logo na sessão do Conselho de Segurança, o embaixador de Israel na ONU, Danny Danon, pediu a palavra e disse que aquele voto era negativo. “Ao votarem ‘sim’ nesta resolução, na verdade vocês votaram ‘não’. Votaram ‘não’ às negociações, votaram ‘não’ ao progresso, votaram ‘não’ a uma oportunidade para os israelitas e palestinianos terem vidas melhores e votaram ‘não’ a uma possibilidade de paz”, disse. Momentos antes, estivera reunido informalmente com a embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Samantha Power, que o levou para uma sala aparte assim que terminou a votação da resolução no dia 23 de dezembro.

Mais consequente foi a reação de Benjamin Netanyahu, que referiu que a resolução aprovada no dia 23 de dezembro é “distorcida e vergonhosa”. E depois anunciou medidas, todas com impacto diplomático. “Instruí o ministro dos Negócios Estrangeiros a fazer dentro de um mês uma reavaliação de todos os nossos contactos com as Nações Unidas, incluindo o financiamento israelita de instituições das Nações Unidas e a presença de representantes das Nações Unidas em Israel”, disse.

Em relação ao financiamento de Israel a órgãos da ONU que Benjamin Netanyahu disse serem “especialmente hostis para Israel”, anunciou um primeiro corte na ordem de 30 milhões de shekels, ou seja, cerca de 7,5 milhões de euros. Ainda assim, não especificou quais órgãos da ONU seriam afetados por esta decisão. Mas deixou outra garantia: “E ainda haverá mais [cortes]”.

Esta postura não encerra em si nada de novo. A tensão entre as Nações Unidas e Israel está longe de ser um fator novo, sendo antes uma realidade com vários episódios de confronto. Em 1975, a Assembleia-Geral da ONU aprovou uma moção que classificava o “sionismo” como uma forma de racismo. E já há várias décadas faz uma crítica da política dos colonatos israelitas, que considera serem “ilegais”.

O que há de verdadeiramente novo aqui é a postura abertamente crítica de Israel perante o voto dos EUA. Depois de anos de um visível afastamento entre os dois países — tendo o acordo nuclear com o Irão, do qual os EUA fizeram parte, acelerado este processo —, o primeiro-ministro israelita já não se abstém de comentários em relação a Barack Obama.

Tanto que, nesta segunda-feira, antes de uma reunião do Conselho de Ministros, acusou os EUA de estarem por trás da votação de 23 de dezembro. “Pela informação que temos, não há dúvida de que a administração de Obama iniciou [a votação], apoiou-a, coordenou-a na redação e exigiu que ela fosse aprovada”, disse à porta da reunião.

Sobre John Kerry, o Secretário de Estado dos EUA, referiu que o contactou para dizer que “os amigos não levam os amigos para o Conselho de Segurança”. E, sublinhando que há “amigos” de Israel nos EUA, entre “republicanos e democratas”, que “entendem o quão descuidada e destrutiva esta resolução da ONU é”, deixou a ideia de que já só olha para uma data: 20 de janeiro, ou seja, o dia em que Donald Trump assumirá o poder em Washington.

“Aguardo com antecipação a oportunidade de trabalhar com esses amigos e com a nova administração quando ela tomar posse no próximo mês”, disse.

Na segunda-feira, o embaixador de Israel nos EUA disse que, “através dos canais apropriados”, vai fazer chegar à nova administração norte-americana “provas” de que Barack Obama esteve “por trás deste ataque contra Israel nas Nações Unidas”. “Foi um dia triste e um capítulo vergonhoso nas relações dos EUA com Israel”, acrescentou, numa entrevista à CNN.

Ainda a nível diplomático, Israel vai diminuir as relações com 12 dos países que votaram favoravelmente a resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas e com os quais tinha vias de comunicação abertas: Rússia, França, Espanha, Reino Unido, China, Japão, Egito, Uruguai, Angola, Ucrânia, Senegal e Nova Zelândia. Sobram ainda a Malásia e a Venezuela para fechar o leque dos 14 países que disseram “sim” à resolução — mas, para todos os efeitos, Israel já não tinha relações diplomáticas com esses dois Estados.

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Quais podem ser as consequências?

A curto prazo, nenhumas.

Isto porque a resolução do Conselho de Segurança da ONU não prevê qualquer tipo de medidas ou sanções a impor a Israel caso este país não siga as recomendações ditadas naquele documento.

A médio e longo prazo, algumas. E não são de somenos.

Conforme sublinha a versão em inglês do Haaretz, o Tribunal Internacional de Justiça de Haia está neste momento a analisar uma queixa interposta pelo líder da Autoridade Nacional da Palestina, Mahmoud Abbas. Parte da acusação — que entretanto foi replicada por quatro ONG palestinianas — consistia na denúncia dos colonatos.

Segundo o Haaretz, a decisão do Conselho de Segurança da ONU “pode influenciar a investigação preliminar e pode dar razões ao procurador do Tribunal Internacional de Justiça de Haia para ordenar uma investigação completa à construção de colonatos israelitas”.

Se este cenário se prolongar a médio e longo prazo, Israel poderá estar perante um caso de crescente isolamento internacional e contestação da sua política interna por parte da comunidade internacional.

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Qual é a posição dos EUA nisto tudo?

Em 2011, os EUA votaram contra uma moção semelhante. Nessa altura, devido ao poder de veto que os norte-americanos têm (a par dos outros países do P-5, que são Rússia, China, França e Reino Unido), bastava o voto contra de Washington para bloquear qualquer resolução.

Mas agora as coisas foram diferentes: os EUA abstiveram-se e, na prática, viabilizaram esta tomada de posição.

Ainda assim, no início da sua declaração de voto, a embaixadora dos EUA na ONU, Samantha Power, disse que “Israel tem sido tratado de forma diferente das outras nações nas Nações Unidas”, referindo que este ano a Assembleia-Geral daquele órgão adotou mais resoluções relativas àquele país do que a outros como “a Síria, a Coreia do Norte, o Irão e o Sudão do Sul todos juntos”.

Mas depois veio o “mas”. Garantindo que os EUA seriam contra “qualquer solução” que “prejudicasse a segurança de Israel ou tentasse impor uma solução no conflito”, Samantha Power explicou que era precisamente por isso que Washington se ia abster na votação. “É precisamente esse compromisso com a segurança de Israel que leva os EUA a crer que não nos podemos colocar no caminho de uma resolução ao mesmo tempo que queremos preservar a oportunidade de chegar a um objetivo duradouro: o de dois Estados a viverem lado a lado em paz e em segurança”, acrescentou.

Sobre os colonatos, Samantha Power diz que “este problema tem piorado tanto que agora coloca em risco a viabilidade da solução dos dois Estados”, referindo que até julho de 2016 Israel “fez avançar planos para a [construção] de mais 2.600 unidades” de colonatos.

Já mais perto do final do seu discurso, a embaixadora dos EUA na ONU cortou o tom crítico referente a Israel e disse ainda que “não deixaríamos esta resolução passar se ela não tivesse referido as ações contraproducentes dos palestinianos como o terrorismo ou o incitamento à violência” e disse que “é um facto indisputável” que, mesmo que “todos os colonatos fossem desmantelados amanhã, a paz não seria palpável sem os dois lados reconhecerem verdades inconvenientes e fazerem escolhas difíceis”.

E, numa pirueta retórica, fechou a sua intervenção com uma tentativa de assegurar que a administração de Barack Obama está de consciência limpa no que diz respeito aos laços dos EUA com Israel. “Mesmo com uma crise financeira e défices orçamentais, nós aumentámos de forma repetida o financiamento para apoiar o exército israelita”, disse. “E, em setembro, a administração Obama assinou um memorando de entendimento para dar 38 mil milhões de dólares [36,3 mil milhões de euros] em ajudas de segurança a Israel nos próximos dez anos, o que é a maior garantia de apoio militar na História dos EUA a qualquer país.”

Nada disto bastou a Benjamin Netanyahu, que acabou por classificar a votação de dia 23 de dezembro como “vergonhosa” e acusou publicamente Barack Obama de ter orquestrado todas as suas fases. A menos de um mês da tomada de posse de Donald Trump como Presidente dos EUA, este parece ser o último episódio da relação conturbada entre Barack Obama e Benjamin Netanyahu.

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Como tem sido a relação entre Barack Obama e Benjamin Netanyahu?

Para se ter uma ideia, basta recordar quando, numa cimeira do G20 em 2011, Barack Obama trocava umas palavras com Nicolas Sarkozy, pensando que o microfone que tinha à sua frente não estava ligado. A conversa ficou para a História quando o tema passou a ser o primeiro-ministro de Israel. “Não suporto o Netanyahu, é um mentiroso”, disse o Presidente francês ao seu homólogo norte-americano. “Tu estás farto dele, mas eu tenho de lidar com ele ainda mais vezes do que tu”, respondeu-lhe Barack Obama.

Quando isto aconteceu, já estavam na memória outros encontros e desencontros dos dois líderes, que protagonizaram um claro afastamento entre os EUA e Israel, que culmina agora já no final do segundo mandato de Barack Obama na Casa Branca.

O primeiro foi logo em junho de 2009, era ainda Barack Obama um novato à frente dos EUA. Num discurso no Cairo, capital do Egito, que ficou para História como uma tentativa de aproximação dos EUA ao mundo árabe (e que atraiu muitas críticas nos setores mais pro-Israel da política norte-americana), Barack Obama tocou no tema dos colonatos israelitas — e e falou claramente contra ele. “Os EUA não aceitam a legitimidade da continuação dos colonatos israelitas”, disse, arrancando uma ronda de aplausos. “Esta construção viola acordos anteriores e despreza os esforços para conseguir a paz. Está na altura de parar os colonatos”, sublinhou.

Depois seguiram-se outros focos de conflito, como a crítica do vice-Presidente dos EUA, Joe Biden, que numa visita a Israel em março de 2010 comentou a construção de mais 1 600 casas para colonos como sendo “precisamente o tipo de passo que prejudica a confiança de que precisamos neste momento”. Ou a vez em que Benjamin Netanyahu visitou a Casa Branca em maio de 2011 e, numa conferência de imprensa a dois, teve de ouvir Barack Obama criticar os colonatos — tudo isto para depois dizer Israel não pode voltar às “linhas indefensáveis” que antecederam a guerra de 1967 e os colonatos.

Em setembro 2012, Benjamin Netanyahu fez uma clara aproximação ao rival de Barack Obama nas eleições presidenciais, o republicano Mitt Romney, que por sua vez acusou o Presidente dos EUA de “estar a atirar Israel para debaixo do autocarro”. Isto pouco depois de o primeiro-ministro israelita ter feito um discurso na Assembleia-Geral das Nações Unidas onde, com ajuda de desenhos, explicou em que fase iam as aspirações nucleares do Irão e os perigos que isso poderia representar.

Já no segundo mandato de Barack Obama, o grande móvil do desentendimento entre Barack Obama e Benjamin Netanyahu foi o acordo nuclear com o Irão, que foi celebrado com os EUA e ainda a Alemanha, a França, o Reino Unido, a China e a Rússia. À medida que o acordo ia sendo acertado entre as várias partes, Benjamin Netanyahu distanciou-se cada vez mais da administração norte-americana — e aproximou-se da sua oposição. A convite do então speaker da Câmara dos Representantes, o republicano John Boehner, o primeiro-ministro israelita discursou naquela sala a 3 de março de 2015 com dois objetivos: deter o acordo nuclear com o Irão e mostrar boa cara para casa. É que, afinal, as eleições legislativas israelitas estavam a apenas 14 dias de acontecerem.

Foi precisamente com essa desculpa — de as eleições israelitas estarem por perto — que Barack Obama não solicitou a presença de Benjamin Netanyahu na Casa Branca. “Eu falo com ele a toda a hora, as nossas equipas estão constantemente coordenadas”, garantiu Barack Obama, numa conferência de imprensa na Alemanha, ao lado de Angela Merkel. “Nós temos o hábito de não agendar reuniões com líderes duas semanas antes das suas eleições. Por mais que eu goste da Angela [Merkel], se ela estivesse a duas semanas de umas eleições ela provavelmente não teria recebido um convite da Casa Branca e suspeito que também não teria pedido um.”

Não foi por isto que a relação estratégica entre os EUA e Israel foi cortada pela raiz. Ainda em setembro, os EUA comprometeram-se com um programa de assistência militar a Israel no valor de 38 mil milhões a serem gastos nos próximos 10 anos.

Ainda assim, isso já é um hábito — ao contrário da postura dos EUA na reunião do Conselho de Segurança de 23 de dezembro e a reação de Israel ao que de lá saiu. Benjamin Netanyahu já só quer ver Barack Obama pelas costas. Daí ter dito isto depois daquela votação: “Aguardo com antecipação a oportunidade de trabalhar com esses amigos e com a nova administração quando ela tomar posse no próximo mês”.

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E isto vai mudar com Donald Trump?

Se depender da vontade de Benjamin Netanyahu, sim. Se depender de Donald Trump… quem sabe?

A verdade é que Trump foi rápido a reagir à votação da resolução do Conselho de Segurança e ao papel viabilizador dos EUA naquele processo. No Twitter, escreveu: “Quanto à ONU, as coisas vão ser diferentes a seguir a 20 de janeiro”.

E, no dia 24 de dezembro, voltou a falar: “A grande perda de Israel ontem nas Nações Unidas vai tornar ainda mais difícil uma negociação pela paz. É pena, mas mesmo assim nós vamos tratar do assunto!”.

Donald Trump tem feito vários comentários onde assegura o “fortalecimento” das relações entre os EUA e Israel. Esta passará por medidas simbólicas, como a mudança da embaixada norte-americana da capital Tel-Aviv para Jerusalém (conforme prometeu o conselheiro de Donald Trump para Israel, Jason Greenblatt, numa entrevista à rádio do exército israelita) ou até a retirada dos EUA no acordo nuclear com o Irão.

Ainda assim, Donald Trump é ainda hoje uma figura imprevisível e contraditória. Qual dos dois princípios que tanto defendeu em campanha é que irá prevalecer: o isolacionismo e fim de ajuda “gratuita” a outros países; ou o apoio a Israel? E, dentro dos seus limites, como é que agirá o Congresso norte-americano quando a balança de Donald Trump pender mais para um lado do que para outro?

Em Tel-Aviv, o ambiente parece ser de otimismo — pelo menos no que se compara a Barack Obama e à atual administração norte-americana. Um mês antes de os EUA se terem abstido na votação do Conselho de Segurança, o ministro da Defesa de Israel, Avigdor Lieberman, fez contas à vida e gostou do resultado.

“Qualquer pessoa que tema pelo futuro dos colonatos em Judea e Samaria [como o Estado judaico designa a Cisjordânia] percebe que o mais importante neste momento é coordenar posições com a nova administração americana”, disse Avigdor Lieberman a 23 de novembro. “Esta é a primeira vez em que há um Governo de direita em Israel, um Presidente republicano e uma maioria republicana no Senado e no Congresso, por isso os factos no terreno não serão criados e a próxima administração não será envergonhada.”