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O que é a hepatite A?

A hepatite A é uma doença infecciosa aguda do fígado causada pelo vírus da hepatite A (HAV). Descoberto em 1975, este vírus entra no organismo através do aparelho digestivo e multiplica-se no fígado, causando a inflamação denominada hepatite A.

O vírus ARN, mais conhecido como vírus da hepatite A (VHA), é membro do género Hepatovírus, da família dos Picornaviridae, e é eliminado através das fezes mesmo antes do aparecimento de sintomas.

É mais comum aparecer nos adultos.

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Como se transmite?

O risco de infeção pelo vírus da hepatite A está, segundo a Organização Mundial de Saúde, associado à falta de água potável, de saneamento e à falta de higiene (mãos sujas, por exemplo).

O vírus é habitualmente transmitido pela via fecal-oral, comummente no contacto pessoa a pessoa, mas também através do consumo de água contaminada, de alimentos crus contaminados ou alimentos mal cozinhados que se contaminaram pelo contacto com superfícies do ambiente de produção alimentar com matérias fecais (esgotos, por exemplo). Isto porque o vírus é eliminado pelas fezes.

Segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, também estão documentados casos de transmissão em homens que têm sexo com outros homens e, ainda, partilha de seringas. Aliás, como escreve a DGS, são reconhecidos, desde a década de 70, surtos de hepatite A entre homens que têm sexo com outros homens. “O principal fator de risco está relacionado com as várias formas de contacto associadas às práticas sexuais que facilitem a transmissão fecal-oral quando um dos parceiros está infetado”, explica a DGS numa nota enviada aos profissionais de saúde.

O período de incubação ronda os 28 a 30 dias, mas pode variar entre 15 e 50 dias.

A infecciosidade máxima ocorre na segunda metade do período de incubação (quando a infeção é ainda assintomática) e, na maioria dos casos, passa a ser considerada não infecciosa após a primeira semana de icterícia, explica a DGS.

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Quais os sintomas?

A manifestação dos sintomas varia muito de pessoa para pessoa e, sobretudo, consoante a idade. A infeção só apresenta sintomas em 30% dos casos quando se trata de crianças com idade inferior a 6 anos. Em crianças mais velhas e adultos a infeção provoca, geralmente, doença clínica em mais de 70% dos casos, explica a Direção Geral da Saúde (DGS).

E no caso dos adultos os sintomas mais comuns são as náuseas, a febre, falta de apetite, fadiga e diarreia. No início, os sintomas podem ser confundidos com uma gripe, mas quando acompanhados de icterícia (que se manifesta através de uma cor amarelada na pele e nos olhos) torna-se mais claro.

Normalmente os sintomas estendem-se por um mês, sendo que cerca de 15% dos pacientes têm sintomas prolongados ou recaídas num período de entre seis a nove meses. Algumas formas de hepatite aguda A podem prolongar-se até um ano (hepatite colestática).

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Quais os riscos associados à hepatite A?

Normalmente, as pessoas infetadas com o vírus da hepatite A recuperam totalmente ao fim de cerca de três semanas e ficam imunes para o resto da vida.

Ao contrário das hepatites B e C, a hepatite A não causa doença hepática crónica e raramente é fatal. A letalidade é de 0,3-0,6, sendo que em doentes com mais de 50 anos aumenta para 1,8%.

Em menos de 1% dos casos, a hepatite A deriva em hepatite fulminante (com insuficiência hepática aguda), essa sim muitas vezes fatal.

Cerca de 20% dos casos de hepatite A, acompanhada de sintomas, requerem hospitalização seja por desidratação devido aos vómitos, quer por indícios de falência hepática.

A doença é tanto mais grave quanto mais idade tem a pessoa infetada com o vírus. E o risco cresce também no caso de pessoas que já tenham uma doença hepática crónica, cirrose ou hepatite B ou C crónica.

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Como prevenir a infeção pelo vírus da hepatite A?

Desde logo, a Organização Mundial de Saúde recomenda aos países que introduzam melhorias em termos de saneamento, promoção de higiene e segurança alimentar e vacinação.

E ainda um redobrado cuidado no que toca às boas práticas de higiene: deve-se lavar muito bem as mãos depois de usar a casa de banho e de mudar fraldas, por exemplo, bem como antes de cozinhar ou comer. Evitar ainda beber água de origem duvidosa e, por outro lado, recomenda-se a prática de sexo seguro. No caso de convívio com uma pessoa infetada, além de todos os cuidados acima descritos, deve-se ainda lavar a louça a temperaturas altas.

No caso de pessoas com “reconhecida exposição recente ao vírus que não tenham sido previamente vacinadas”, a DGS recomenda aos médicos que seja feita a profilaxia pós-exposição com imunoglobulina, se tiverem menos de 12 anos ou mais de 41 ou a vacina anti-VHA, “o mais precocemente possível e no prazo máximo de duas semanas após a exposição”, no caso de pessoas com idade compreendida entre os 12 e os 40 anos.

Depois da notícia a dar conta da falta de vacinas nas farmácias, o diretor geral de Saúde, Francisco George, que falou no Jornal da Noite da SIC, esta quarta-feira, pediu para que não houvesse “alarmismo”, nem corrida às farmácias. As vacinas têm de ser prescritas pelo médico e é este que poderá ligar para o 800 222 444 a requisitar a vacina.

A OMS sugere que no caso de países com um nível de endemicidade baixo ou muito baixo (como Portugal) se vacinem os grupos de risco. Também o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças recomenda que homens que têm sexo com outros homens levem a vacina.

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Qual o tratamento no caso de infeção pelo vírus da hepatite A?

Não há um tratamento específico. Uma pessoa que tenha contraído o vírus da hepatite A deve repousar até que as análises ao fígado voltem a valores normais.

Nesse período é completamente desaconselhada a ingestão de bebidas alcoólicas para não agredir mais o fígado e, como o fígado inflamado perde a capacidade de transformar os medicamentos, narcóticos, analgésicos, tranquilizantes ou produtos de ervanária devem ser utilizados com precaução e mediante recomendação médica.

Todas as medidas aconselhadas para a prevenção, nomeadamente ao nível da higiene e segurança alimentar, aplicam-se também quando já se contraiu o vírus.

As pessoas que se relacionaram, de forma mais próxima ou íntima, com um infetado com este vírus, devem procurar o médico e, nesses casos, pode justificar-se a imunização feita através de profilaxia pós-exposição com imunoglobulina ou com uma dose única de vacina anti-vírus da hepatite A, no prazo máximo de duas semanas após a exposição.

 

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Os vários tipos de hepatite

Provavelmente, quando leu as notícias desta semana, a propósito do surto de hepatite A, nem sabia exatamente do que se tratava e pensou logo num vírus muito perigoso. Isto porque normalmente ouve falar da hepatite B e da C. Mas não confunda os diferentes tipos de hepatite (existem seis — A, B, C, D, E e G). A hepatite B e a C são as que mais preocupam, pois muitas vezes evoluem para doença crónica:

  • Hepatite B

A hepatite B é uma infeção viral que ataca o fígado e pode causar doença aguda, que muitas vezes se cura e cujo tratamento passa essencialmente por repouso, ou crónica, em que se recorre a medicamentos como os interferões e outros utilizados no controlo da infeção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana.

Afeta milhões de pessoas em todo o mundo e é a mais perigosa de todas as hepatites, pois o risco de morte por cirrose ou cancro do fígado é muito elevado. As principais formas de contágio são o contacto sexual e a partilha de seringas.

A vacina contra a hepatite B faz parte do plano nacional de vacinação e é dada em três doses, uma logo na maternidade (de preferência), a segunda aos dois meses e a terceira dose aos seis. Esta vacina é também administrada gratuitamente a todos os grupos de risco.

Em 90% dos casos a hepatite B é assintomática, ou seja, a pessoa não apresenta sintomas.

  • Hepatite C

Durante muitos anos nem teve uma letra própria. Era conhecida por não-A e não-B. Só em 1989 foi identificado o agente infeccioso que provoca esta hepatite. Um doente com hepatite C crónica pode demorar décadas a perceber os sinais e a descobrir a doença que afeta milhões em todo o mundo, mas quando há sintomas, assemelham-se aos da hepatite A e B, que podem também ser confundidos com uma gripe.

Cerca de 20% dos infetados com o vírus da hepatite C recuperam sem precisarem de terapêutica, já os que ficam com o vírus no organismo por mais de seis meses, evoluem para hepatite crónica. Em cerca de 20% desses casos, os doentes acabam por desenvolver cirrose ou cancro no fígado.

O principal veículo de transmissão deste vírus é o sangue. Segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controlo da Doença, a principal via de transmissão é o uso de drogas injetáveis, por causa da partilha de agulhas contaminadas. O vírus também pode ser transmitido por via sexual, embora não seja muito frequente.

Não há ainda uma vacina para a hepatite C – tal como já existe para a A e a B – mas os tratamentos são cada vez mais inovadores, com taxas de cura superiores a 95% e com menos efeitos.

 

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Quantos casos de hepatite A houve nos últimos anos em Portugal?

Portugal chegou a ocupar o topo da tabela dos países europeus com maior endemicidade, mas a situação alterou-se completamente nas últimas três décadas e Portugal juntou-se aos países de baixa endemicidade.

Sobretudo graças à aposta no saneamento um pouco por todo o país, passámos de 2.107 casos notificados em 1987 para apenas 29 casos confirmados em 2015.

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E qual a situação epidemiológica na Europa?

O número de casos de hepatite A diminuiu de forma constante nos últimos 40 anos. Para a evolução positiva deste indicador contribuíram a melhoria da higiene, a introdução e expansão do saneamento, a melhoria das condições sócio-económicas das famílias, bem como a maior disponibilidade de vacinas para os grupos de risco.

Chegou-se assim a um ponto em que o risco de contrair o vírus da hepatite A é geralmente baixo na Europa, embora haja ainda algumas exceções. Duas, essencialmente: a Roménia e a Bulgária. Os dois países juntos têm registado metade do total de casos notificados na UE.

Depois de em 2014 o número de casos reportados ter subido 9 pontos percentuais face a 2013, para 13.724 — sendo esse o número mais alto desde 2010 –, em 2015 voltou a cair para 12.495 casos notificados, sendo que só da Roménia chegaram 5.176 notificações e da Bulgária 1.061.

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Qual a origem deste surto de hepatite A?

De 1 de janeiro a 29 de março de 2017 foram notificados 115 casos de hepatite A (107 confirmados), dos quais metade teve necessidade de internamento. Cerca de 97% do total dos casos são adultos jovens do sexo masculino, principalmente residentes na área de Lisboa e Vale do Tejo (78 casos), segundo a orientação publicada esta quarta-feira pela DGS.

Este surto poderá ter começado durante o EuroPride, um festival realizado em Amesterdão, na Holanda, entre 29 de julho e 6 de agosto. O evento internacional, que celebra os direitos de igualdade da comunidade de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais, atraiu mais de meio milhão de visitantes no ano passado e as autoridades de saúde daquele país, após confirmarem dezenas de casos de hepatite A que tinham em comum a passagem pelo dito festival, decidiram dar o alerta para o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças que passou a palavra a todos os países.

Fotografia tirada durante o EuroPride, em Amesterdão (REMKO DE WAAL/AFP/Getty Images)

“O Reino Unido foi o primeiro a reportar um aumento do número de casos. Para se ter uma noção da grandeza, no ano passado tínhamos nesta altura seis casos reportados e agora temos uma centena”, explicou à Lusa a diretora do programa nacional para as hepatites virais da Direção-geral da Saúde (DGS), acrescentando que “o que tem sido até à data mais descrito, de facto, é um predomínio de casos em homens — não exclusivamente —, mas são muito mais frequentes os casos no sexo masculino comparativamente aos do sexo feminino. E, dentro dos homens, parecem ser mais atingidos os homens que praticam sexo com outros homens”.

A Direção Geral da Saúde (DGS) chegou mesmo a escrever, num primeiro rascunho da nota de orientação para os profissionais de saúde, que a origem do surto parecia estar relacionada com o chemsex, “atividade sexual potenciada por substâncias químicas”, como noticiou o Expresso.

Mas na nota de orientação publicada esta quarta-feira, a DGS informa que foi identificada a estirpe associada ao cluster VRD_521_2016 — relacionada com viajantes que regressaram
da América Central e do Sul — em 53 amostras. E apenas num caso importado foi demonstrada a estirpe associada ao cluster RIVMHAV16-090, relacionado esse sim com o tal festival de Verão na Holanda e também com um surto em Taiwan.

Nos países desenvolvidos as epidemias de hepatite A são raras, embora possam acontecer e com uma tendência para recorrências cíclicas. E desde 1970 que os surtos surgem associados a casos de homens que têm sexo com outros homens. Mas não só. Recorde-se, por exemplo, a epidemia de 1988 em Shanghai, que teve como origem o consumo de amêijoas. Por essa ocasião, o vírus da hepatite A afetou cerca de 300 mil pessoas e 47 acabaram mesmo por morrer.

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O que é o "chemsex"?

Mesmo tendo desaparecido a referência ao chemsex da nota enviada aos profissionais de saúde, o assunto saltou para a ordem do dia e importa clarificar o conceito.

O chemsex ou chemical sex significa, à letra, “sexo químico” e consiste numa “atividade sexual potenciada por substâncias químicas“, como refere a Direção Geral da Saúde, num rascunho do documento que viriam a enviar aos médicos, já sem esta referência. É também designada, noutros países, de Party and Play.

Normalmente praticado em festas caseiras ou em saunas, acaba por se materializar em sexo em grupo, grande parte das vezes entre homens homossexuais e bissexuais, acompanhado de drogas como a mefedrona, o gama-hidroxibutirato (GHB), a gama-butirolactona (GBL) e a metanfetamina cristalizada. Combinadas, essas drogas permitem ter relações sexuais durante várias horas ou até dias com vários parceiros, sem dormir, nem comer.

A mefedrona e a metanfetamina cristalizada são estimulantes fisiológicos, que aumentam a frequência cardíaca e a pressão arterial, e conduzem a um estado de euforia e excitação sexual. Já o GHB (e a GBL) é um “poderoso desinibidor psicológico e também um anestésico suave“, conforme se pode ler num artigo publicado, em 2015, no British Medical Journal, que alertava para o problema.

Os autores do artigo publicado no British Medical Journal explicam também os efeitos secundários que esta mistura de estimulantes provoca no corpo. A mefredona e os cristais podem criar uma grande dependência psicológica e o GHB uma dependência fisiológica.

Quer pelo aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, como pelas horas que é possível ficar sem dormir nem comer, os efeitos na saúde física são comuns, além dos graves efeitos na saúde mental, na medida em que o consumo destas drogas, bem como este comportamento podem criar dependência. O risco de exposição a doenças sexualmente transmissíveis também aumenta, devido à redução da perceção do perigo que leva a facilitar no uso do preservativo.

O problema do chemsex já está mais do que identificado em vários países. Em Espanha, inclusive, até já foi criada uma consulta de terapia para este tipo de adição. E, em 2015, foi realizado um documentário sobre o chemsex em Londres, onde é reconhecido como um problema de saúde pública.

Ao Observador, Diogo Medina, médico do Grupo de Ativistas em Tratamento (GAT) — frisa porém que “não estamos a falar de fenómenos relacionados” quando falamos neste surto de hepatite A e no chemsex. O médico de saúde pública explica porquê: “Ao contrário de outras cidades Europeias, onde a prática de chemsex ultrapassa os 10%, em Portugal ela fica-se nos 1,7% em Lisboa e 0,9% no Porto”. Os números constam de um paper de abril do ano passado, do European MSM Internet Survey, sobre “Uso de drogas ilícitas entre homens gay e bissexuais em 44 cidades“.

E acrescenta que “a mediana de idade dos praticantes de chemsex é de cerca de 40 anos, ao passo que os afetados pelo surto de hepatite A têm uma mediana de idades de 30 anos. Não estamos, portanto, a falar de fenómenos relacionados. Não são as mesmas pessoas”. Em relação a este último ponto da idade, já não é possível retirar essa conclusão do mesmo estudo que aponta para uma percentagem de 3,1% de uso destas drogas na classe dos 25 aos 39 anos e de 3% acima dos 40, sem detalhar os dados por cidade.

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O surto de hepatite A só está a acontecer em Portugal?

Não.

Entre fevereiro de 2016 e fevereiro de 2017, foram relatados 287 casos confirmados de hepatite A (HAV) em 13 países da União Europeia: Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Itália, Irlanda, Holanda, Portugal, Suécia e Reino Unido.

E o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC, sigla em inglês), na última nota publicada sobre o caso, avisa que os “números reais são provavelmente mais elevados do que os relatados até agora” desde logo porque muitas vezes a hepatite A é assintomática e, portanto, muitos doentes podem ainda não ter procurado cuidados médicos.

O ECDC refere ainda que a maioria dos casos notificados diz respeito a homens que fazem sexo com homens e que não foram vacinados contra o vírus da hepatite A. Além disso, foram identificados nove casos entre mulheres. A transmissão sexual é considerada o principal modo de transmissão nos casos até agora identificados na União Europeia.