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Sou mãe e quero saber se existe algum pedófilo a viver perto da minha família. O que faço?

Se tiver alguma suspeita de que determinada pessoa que vive perto de si ou perto da escola do seu filho tenha comportamentos suspeitos, pode dirigir-se à esquadra da polícia da sua área de residência e pedir uma de duas informações: se a pessoa x consta da lista ou se algum daqueles condenados vive ou trabalha na sua área de residência.

Assim sendo, não precisa sequer de saber o nome da pessoa, basta apenas perguntar à polícia se existe algum condenado na sua área de residência. Resta depois esperar que o agente da polícia considere que as suas suspeitas são devidamente fundadas e aceda ao pedido.

Mas a proposta de lei não é clara sobre o que são suspeitas “fundadas”. A única coisa que diz é que os pais, ou todos aqueles que exerçam responsabilidades parentais sobre menores de 16 anos, podem ir à autoridade policial do concelho onde vivem alegar que têm um “receio fundado” de que determinada pessoa tenha cadastro criminal associado a crimes contra a autodeterminação e liberdade sexual de menores e, perante isso, podem pedir o acesso a essa informação.

O agente da polícia é que decide se a suspeita é fundada e se acede ao pedido daquele pai ou mãe. Se aceder, o polícia só pode confirmar se a pessoa em questão consta, ou não, da lista, ou pode dizer se algum dos condenados mora efetivamente na mesma área onde mora o pai/mãe que fez o pedido, ou no concelho onde o menor estuda (se for diferente).

Há uma ressalva: se o responsável pelo menor estiver ausente do concelho onde vive, por exemplo por motivo de férias ou outros, não precisa obrigatoriamente de se dirigir à esquadra da sua área de residência. Pode ir a outra esquadra pedir as mesmas informações, desde que prove que o menor mora ou estuda no concelho em questão.

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Que nomes vão constar da lista?

Vão para a lista todos aqueles que tenham sido condenados por crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual de menores de idade. O registo de identificação criminal aplica-se por isso a todos os cidadãos, nacionais e não nacionais, que residam em Portugal e que tenham antecedentes criminais nesta área.

Mas a base de dados não deverá incluir só o nome dos condenados, mas também todos os elementos de identificação do sujeito, desde que estejam disponíveis no seu registo criminal:

– Nome completo;

– Residência e domicílio profissional;

– Data de nascimento;

– Naturalidade;

– Nacionalidade;

– Número de identificação civil;

– Número de passaporte, com referência à entidade e país emissor;

– Número de contribuinte (identificação fiscal);

– Número de Segurança Social;

– Número do registo criminal.

As pessoas cujos nomes constam da lista são sempre notificadas, sendo informadas de tudo o que isso implica.

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Onde posso consultar essa base de dados? E quem é responsável por ela?

O registo de identificação criminal dos condenados vai estar numa plataforma eletrónica, com todos os dados organizados num único ficheiro informático para ser consultado online.

A base de dados é da responsabilidade do diretor-geral da Administração da Justiça (DGAJ), dirigida pelo juiz Pedro Lima Gonçalves. Caberá a esta entidade incluir os dados dos antigos condenados e também de todos os que venham a ser condenados a partir daqui. É a DGAJ que deverá assegurar o funcionamento da plataforma eletrónica, bem como a segurança dos dados.

Essa plataforma eletrónica terá depois restrições de acesso, em termos a definir pelo próprio diretor-geral da Administração da Justiça.

A inserção de dados falsos, a eliminação de dados indevidamente, ou o uso indevido da informação serão punidos nos termos previstos na lei de proteção de dados pessoais.

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Com que periodicidade vai ser atualizada a base de dados?

Não há uma periodicidade fixa para atualizar a base de dados. Essa atualização só deverá ser feita à medida que surjam novos dados ou que haja alguma alteração nos elementos de identificação dos condenados já constantes.

Mas para isso é preciso que haja uma correta comunicação entre a Direção-Geral da Administração da Justiça (que é quem introduz os dados) e as várias autoridades judiciárias ou órgãos de polícia criminal, porque são eles que reportam a existência de casos ou dados novos para atualizar.

A Direção-Geral da Administração da Justiça tem, por isso, de validar e inscrever os novos dados na plataforma sempre que receba novas informações das autoridades judiciárias ou da polícia criminal. E tem cinco dias para o fazer, a contar da data da receção da informação.

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Então quer dizer que os condenados é que têm de comunicar quando há alteração dos seus dados?

Sim. O condenado tem de confirmar a sua morada anualmente e tem de declarar sempre que haja alterações de residência ou que se ausente da morada nas férias, por exemplo.

Sempre que haja alguma alteração dos seus dados pessoais, nomeadamente da morada ou local de trabalho, o condenado tem 15 dias (a contar desde a data do cumprimento da pena ou da colocação em liberdade) para dar conhecimento das alterações.

Para além disso, tem também de comunicar previamente sempre que planeia ausentar-se da sua morada por um período superior a cinco dias – e tem de dar conta do seu paradeiro.

Se o condenado não comunicar esses dados nos prazos previstos, o caso vai para o Ministério Público e pode levar a uma punição com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.

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Os nomes dos condenados ficam para sempre na lista?

Não. A partir do momento em que entram na lista, na melhor das hipóteses os condenados pela prática deste crime só conseguem ver o seu registo cancelado ao fim de cinco anos. No cenário mais grave, só ao fim de 20 anos. Tudo depende do grau da pena a que tiverem sido condenados.

Os nomes dos condenados não são estáticos e não ficam para sempre no registo criminal. Desde que não tenha havido reincidências, isto é, que a mesma pessoa não tenha sido novamente condenada por crimes contra a liberdade sexual de menores, os nomes são eliminados da lista respeitando a seguinte lógica:

– Quem tiver sido condenado com pena de multa ou pena de prisão até um ano pode ver o seu nome retirado da lista ao fim de cinco anos;

– Quem tiver sido condenado a uma pena de prisão superior a um ano e inferior a cinco anos pode ver o seu nome fora da lista ao fim de dez anos;

– Quem tiver sido condenado a uma pena de prisão superior a cinco e inferior a dez anos pode ver o seu nome retirado da lista ao fim de 15 anos;

– Quem tiver sido condenado a uma pena de prisão superior a dez anos só pode ver o seu nome eliminado do registo ao fim de 20 anos.

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Para além dos pais, quem mais pode aceder à lista?

Além dos pais, e de todos aqueles que exerçam responsabilidades parentais sobre menores de 16 anos, podem aceder também os magistrados, os serviços judiciais, policiais e prisionais, assim como as comissões de proteção de crianças e jovens em risco.

A proposta de lei diz o seguinte:

– Os magistrados judiciais e do Ministério Público. Podem ter acesso ao registo para fins de investigação criminal ou instrução de processos-crime, ou mesmo para casos onde têm de decidir sobre a guarda de uma criança (nos casos de adoção, tutela ou apadrinhamento civil de menores).

– Todas as entidades que estejam responsáveis pela prática de atos de inquérito ou instrução, ou que estejam incumbidas de cooperar internacionalmente na prevenção e repressão da criminalidade.

– A Direção-Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais.

– As Comissões de Proteção de Crianças e Jovens.

A diferença face aos pais é que estas entidades podem aceder diretamente à plataforma, sem terem de pedir autorização. Com a ressalva de que todas as pesquisas ou as tentativas de pesquisa direta ficam registadas automaticamente durante um ano.

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Que documentos os pais precisam de levar à polícia para terem acesso à informação?

Os pais têm de fazer prova da sua residência, da frequência da escola pelo menor, o exercício de responsabilidades parentais sobre o menor e a idade dele.

Ou seja, o pai ou mãe (ou alguém que tenha responsabilidades sobre o menos) que queira saber se determinada pessoa consta da lista tem de facultar à polícia um comprovativo de morada e um comprovativo de inscrição do menor em determinada escola – para saber se corresponde à mesma área de residência ou domicílio profissional do suspeito.

Além de um comprovativo de que exerce responsabilidades parentais sobre aquele menor, assim como um documento de identificação do menor, para fazer prova da sua idade.

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Eu, como mãe, fico a saber que tipo de crime aquele suspeito cometeu?

Não. “Em caso algum será facultado o acesso à integralidade dos dados constantes do registo, mas tão só a confirmação ou infirmação da inscrição e da residência no respetivo concelho”, lê-se na proposta de lei.

Ou seja, os pais só ficam a saber se o nome consta da lista e se reside ou trabalha naquele concelho. Não ficam a saber que tipo de crime cometeu nem se foi condenado à pena mínima (pena de multa ou pena de prisão inferior a um ano) ou à pena máxima (pena de prisão superior a dez anos).

 

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Quem autoriza o fornecimento da informação aos pais?

A polícia. É aos agentes das autoridades policiais da área de residência respetiva que os pais recorrem para pedir o acesso às informações. Caberá a estes agentes decidir se o receio transmitido pelos cidadãos é devidamente fundado ou não e se, consequentemente, acedem ao pedido.

É que a proposta de lei não especifica que tipo de comportamentos ou suspeitas se incluem na categoria de “fundado receio”.

Depois da suspeita transmitida pelo pai/mãe, as autoridades policiais ficam com o dever de “desenvolver ações de vigilância adequadas para garantir a segurança dos menores” em causa. Ou seja, devem apertar a vigilância policial naquela zona em questão.

Os polícias, no entanto, assim como todos os funcionários que tenham contacto com a lista no exercício das suas funções, ficam sujeitos ao dever do sigilo profissional – mesmo depois do termo das suas funções.

Questionado pelo Observador sobre se os polícias vão ter algum tipo de formação específica para deliberar sobre esta matéria, até ao momento o Ministério da Justiça não deu resposta.

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Se não me derem autorização para aceder à lista, a quem posso recorrer?

Segundo fonte do Ministério da Justiça, se o acesso à informação for negado pela polícia e se os pais “entenderem que os seus filhos estão em risco de serem vítimas de crimes” podem sempre denunciar a situação ao Ministério Público.

De resto, não podem deslocar-se a outra esquadra fora da sua área de residência para nova tentativa de acesso à lista.

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Pode-se consultar a lista mais do que uma vez?

Sim. Não há nada que o impeça. A proposta de lei diz apenas que qualquer cidadão (que tenha menores a cargo), assim como as entidades com possibilidade de acesso, pode pedir o acesso à informação sempre que tenha suspeitas ou indicações concretas que justifiquem o “fundado receio” de que determinada pessoa conste do registo.

Ou seja, nada impede os pais de pedirem o acesso repetidamente sobre a mesma pessoa ou sobre pessoas diferentes.

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O que podem os pais fazer com aquela informação?

Não podem fazer muito, já que ficam “obrigados a guardar segredo”, não podendo tornar as informações públicas.

Em termos práticos podem agir em função da informação, ou, tendo fortes suspeitas de que o condenado esteja a reincidir no crime, podem denunciar o caso às autoridades competentes.

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O que acontece aos pais se divulgarem a informação?

A proposta de lei prevê o sigilo absoluto. Mas se o sigilo profissional é relativamente fácil de controlar e de punir os que o violam, o mesmo não se pode dizer do dever de sigilo de um cidadão comum.

Ao Observador, o Ministério da Justiça afirma apenas que os dados em causa são de “natureza pessoal” e que, por isso, a questão da sua divulgação pública deve ser analisada na perspetiva legal da divulgação de dados dessa natureza.

Na prática, parece impossível de controlar o facto de um pai ou uma mãe partilhar a informação com outras pessoas que os rodeiem e que possam estar também em contacto com o condenado em questão.

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O que acontece às empresas que contratem condenados para profissões que envolvam crianças?

A proposta de lei aperta as medidas de proteção de menores, criminalizando também quem contrate pessoas condenadas por crimes de exploração sexual de menores para exercer funções relacionadas com crianças.

Hoje, a lei já obriga a que, no “recrutamento para profissões, empregos, funções ou atividades, públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, a entidade recrutadora está obrigada a pedir ao candidato a apresentação de certificado de registo criminal e a ponderar a informação constante do certificado na aferição da idoneidade do candidato para o exercício das funções”.

Com a presente proposta de lei, quem contrate alguém com registo criminal relacionado com este tipo de crime é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias. E pode ainda ficar sujeito a uma suspensão de funções ou mesmo ao encerramento do estabelecimento ou empresa que fez a contratação.

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Quantos pedófilos condenados existem atualmente?

Segundo dados da Direção-Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais há 338 cidadãos condenados a cumprir pena por abuso sexual de crianças e menores. Há ainda 55 presos em regime preventivo e outros 18 a aguardar trânsito em julgado.

Estes 338, pelo menos, constariam certamente na tal lista. A estes acresce aqueles que já cumpriram pena mas que ainda estão dentro dos limites temporais previstos pela proposta de lei (ver pergunta 6).

Nos últimos dez anos terão sido condenados cerca de 2500 portugueses por crimes contra a liberdade sexual de menores.

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O que dizem os críticos? Por que dizem que pode ser inconstitucional?

A oposição parlamentar está contra a proposta de lei do Governo de criar um sistema de registo de identificação criminal dos condenados por este tipo de crime e espera que diploma seja enviado pelo Presidente da República ao Tribunal Constitucional. Depois, esperam que fique retido no Ratton.

O PS diz que permitir que os pais sejam informados de que determinada pessoa sobre a qual têm suspeitas consta ou não da lista viola os princípios básicos de proporcionalidade da Constituição da República portuguesa e “ultrapassa todas as barreiras e pilares centrais do Estado de Direito”.

Ao Observador, a deputada socialista Isabel Oneto defendeu que “os cidadãos podem e devem reagir emotivamente” e querer saber se a pessoa que vive ao seu lado ou que circula nos arredores da escola do filho tem ou não cadastro associado a crimes de pedofilia, “mas espera-se que o Estado de Direto seja racional na aplicação da justiça e aja em conformidade”.

Se por “fundado receio” o legislador entende que é assédio ou suspeitas fortes de comportamentos contra a autodeterminação sexual e liberdade sexual de menor, o PS argumenta que, nesse caso, os pais que tenham essa suspeita “devem fazer queixa às autoridades” e não pedir para consultar a lista.

Os pareceres que já chegaram ao Parlamento vindos de entidades como a Ordem dos Advogados, a Procuradoria-Geral da República ou o Conselho Superior de Magistratura, também vão no sentido de levantar dúvidas sobre o acesso dos pais à base de dados. A PGR, no parecer enviado à AR, levanta dúvidas sobre a “proporcionalidade” e a “adequação” legal de permitir que todos os pais possam aceder àqueles registos criminais, apesar de não julgarem a criação do registo por si só inconstitucional”.

E o mesmo dizem os advogados, que temem que a lista com o registo de todos os acusados de crimes sexuais contra menores possa “transformar-se num fator de ostracização dos visados”, impedindo a sua reintegração na sociedade.

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De onde surgiu a ideia do Governo de criar este registo?

A proposta de lei do Governo resulta da transposição de uma diretiva da União Europeia (a diretiva nº 2011/93/UE, de 13 de dezembro de 2011) relativa à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e pornografia infantil. A ideia é também ir ao encontro do que ficou estipulado na Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais, assinada em Lanzarote, a 25 de outubro de 2007.

Segundo o Governo, a proposta foi inspirada no que é feito no Reino Unido e em França, que criaram sistemas de registo de condenados com obrigações de comunicação periódica que visam o controlo do seu paradeiro e procuram prevenir o contacto profissional destas pessoas com crianças. Nestes países, no entanto, o acesso à base de dados tende a ser mais lato do que este proposto pelo Governo.