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Quando começou a crise ucraniana?

Quando o presidente Viktor Ianukovich rejeitou um acordo de associação com a União Europeia em novembro de 2013. Em vez disso, optou por um acordo comercial com a Rússia que aproximava a Ucrânia dos países da União Euroasiática, como a Bielorússia e o Casaquistão.

Esta viragem a Leste provocou uma gigantesca onda de protestos entre os pró-Europa e os pró-Rússia, que ganhou simbolismo com o movimento Euromaidan – Maidan significa ‘independência’ em ucraniano e é o nome da praça onde se reuniram os manifestantes.

Ianukovich acabou por ser o alvo dos que exigiam uma mudança de regime e uma mudança nas políticas a favor da Europa. O facto de ser originário de Donetsk, no leste, e falante original de russo, não ajudou.

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O acordo comercial com a Rússia foi o principal motivo do conflito?

Não. A rejeição do acordo de associação com a União Europeia foi apenas o catalisador. A razão mais profunda que acendeu a chama dos protestos foi o facto de os ucranianos verem o presidente Ianukovich como corrupto, autocrático e como um fantoche da Moscovo.

Logo, a decisão de rejeitar um acordo com a UE para assinar outro com a Rússia foi sentida entre o povo ucraniano como se o país estivesse a ser vendido ao gigante vizinho. Por isso é que os slogans da revolução depressa passaram de ‘Ianukovich assina o acordo com a UE’ para ‘Ianukovich demite-te’.

Aliás, os protestos ganharam dimensão em janeiro, quando o mote passou para mudar a Ucrânia e lutar contra os abusos de poder e violações de direitos humanos.

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O que aconteceu depois da Euromaidan?

Os protestos na praça central de Kiev aumentaram e forçaram o Presidente Ianukovich a deixar o país, a 21 de fevereiro. Os pró-europeus tomaram o poder e reabriram negociações com a União Europeia; em retaliação a Rússia anexou a península ucraniana da Crimeia e, em abril, forças separatistas pró-russas começaram a manifestar-se contra o novo governo interino de Kiev nas cidades mais importantes do leste – os confrontos continuam até hoje. No início de maio as regiões leste de Donetsk e Lugansk, encostadas ao gigante russo, realizaram referendos que concluíram (por uma duvidosa ampla maioria), pela independência face à Ucrânia. Os referendos não foram considerados legais por Kiev e pela comunidade internacional, mas deram força ao cenário de uma guerra civil.

O país ficou com a iminência de se fraturar, face às divisões regionais de raiz que se agravaram nos últimos meses. Nesta altura, as relações entre a Rússia e o Ocidente atingiram o seu ponto mais gelado desde a Guerra Fria.

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O que é a Crimeia e por que foi importante o referendo?

A Crimeia é uma península no Mar Negro com uma localização estratégica que tem sido disputada ao longo de séculos. Para a Rússia importa particularmente porque serve de base à frota de Moscovo no Mar Negro desde o século XVIII.

Tem sido parte integrante da Ucrânia desde 1954, quando o primeiro-ministro soviético Nikita Khrushchev a ‘ofereceu’ aos ucranianos. Uma transferência que não foi muito compreendida, até porque foi realizada entre Estados da mesma nação (naquela altura não se pensava na degradação da URSS), mas que foi encarada como um gesto de boa vontade, uma ‘prenda’ para marcar o 300º aniversário da fusão da Ucrânia com a Rússia czarista.

É fundamental não esquecer que naquela altura viviam na península mais de 850 mil russos contra cerca de 268 mil ucranianos. Mas, antes disso, viviam na península cerca de 300 mil tártaros que, durante a II Guerra Mundial, Estaline mandou deportar por alegar terem colaborado com a ocupação nazi.

Hoje a disparidade étnica mantém-se: a maioria dos 2,3 milhões de habitantes da Crimeia é de etnia russa, ou seja, perto de 60% dos habitantes falam russo como língua materna e são culturalmente russos. Os tártaros, que começaram a voltar à Crimeia depois da Guerra Fria, representam hoje cerca de 12% da população (mais de 200 mil pessoas).

Em março, grupos armados começaram a invadir edifícios governamentais na Crimeia em protesto contra o novo governo interino saído da Euromaidan. Inicialmente não declaravam de onde vinham, mas não foi preciso muito para se tornar claro que eram forças militares russas. O passo seguinte foi o referendo, organizado pelos movimentos separatistas à pressa, sem margem para campanha por parte dos nacionalistas ucranianos. O escrutínio foi solicitado sob ocupação militar russa e sem monitorização internacional, contrariando a Constituição ucraniana e a vontade da comunidade internacional. O processo teve pouco de democrático e por isso resultado foi esmagador: 97% votaram a favor da anexação à Rússia.

Legítima ou ilegitimamente, a Crimeia foi anexada à Rússia. Entretanto, os EUA e a União Europeia impuseram sanções económicas a Moscovo numa tentativa de persuadir o Kremlin a reverter a situação.

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A tensão no leste da Ucrânia vai afetar as eleições de 25 de maio?

Sim, mas não as deve impedir. Ou seja, as eleições vão mesmo acontecer no domingo (25 de maio) e, apesar dos previsíveis boicotes, deverão ser consideradas legítimas.

Apesar dos referendos no leste que decretaram unilateralmente as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, os cidadãos destas regiões vão poder votar da forma habitual para eleger o chefe de Estado ucraniano, se as milícias pró-Rússia não boicotarem as urnas. Kiev está a reforçar a segurança para assegurar a eleição, mas é certo que as provocações e tentativas de boicote vão acontecer. Com que consequências, é impossível saber.

Até os cidadãos da Crimeia podem votar, desde que o façam atempadamente e em território ucraniano. Ou seja, não o podem fazer na península mas podem registar-se em qualquer comissão eleitoral do território continental ucraniano.

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Por que é que a Ucrânia é um país tão dividido?

Porque a história da Ucrânia se funde com a da Rússia. É preciso lembrar que os laços com a Rússia são muito mais antigos do que as atuais fronteiras da Ucrânia. Daí que, mesmo depois do colapso da URSS, a linha que separa o que é Ucrânia, cultural e ideologicamente, do que é Rússia, se tenha mantido bastante ténue.

Houve vários momentos na história em que a Rússia tentou ‘russificar’ a Ucrânia – no século XIX, por exemplo, a língua ucraniana chegou a ser banida em algumas regiões. Na década de 30, Estaline foi o responsável por uma vaga de fome na Ucrânia, que matou milhões de ucranianos (a maior parte no leste). A área foi depois repovoada por cidadãos russos. Ou seja, grande parte dos atuais residentes no leste descendem de cidadãos russos.

Hoje, a língua é o lado mais visível da divisão este/oeste: cerca de dois terços dos ucranianos falam ucraniano como língua materna (a maioria na região ocidental), mas há pelo menos um terço que fala russo como a sua primeira língua (especialmente na região leste). As diferenças, no entanto, são mais profundas do que a língua e passam mesmo por uma divisão de identidade, em termos políticos, ideológicos e culturais.

Um esboço genérico caracteriza o povo de leste como falante de russo, maioritariamente ortodoxo, e votante nos candidatos pró-russos como Ianukovich. As próprias terras, no leste, são mais ricas em carvão e ferro e possuem alguns dos campos mais férteis do mundo. Por outro lado, os ucranianos ocidentais falam ucraniano, católicos e nas eleições tendem a votar em nomes pró-europeus, como foi o caso de Iulia Timoshenko nas presidenciais de 2010.

Certo é que o este e o oeste não concordam sequer em que tipo de país querem ser e o que significa ser ucraniano.

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Por que é que a Ucrânia interessa tanto aos russos?

Por duas razões: uma ideológica e outra estratégica. A razão ideológica está ancorada numa ideia de nacionalismo russo que se prende no papel que a região ucraniana desempenha na história – basta ver que o primeiro ensaio de um império russo, o Kievan Russ, do século nono, se construiu à volta da cidade que hoje é Kiev.

A razão estratégica tem a ver com a Rússia querer continuar a ser vista como uma grande potência capaz de influenciar os destinos dos países limítrofes. Uma viragem a ocidente da Ucrânia iria expor demasiado as fronteiras tradicionais da nação russa aos interesses europeus – e, com eles, os da NATO, o que seria inaceitável para um povo orgulhoso que tem vindo a perder território e relevância internacional desde o colapso da URSS no final da década de 80.

Nenhuma destas razões deverá ser suficiente para provocar uma guerra assumida entre a Rússia e a Ucrânia, mas o Presidente russo não se move pela mesma bússola dos líderes europeus e há sempre alguma imprevisibilidade no entendimento ocidental do Kremlin. A verdade é que, depois na anexação da Crimeia, a Rússia foi excluída das reuniões dos países mais industrializados (G8) e empresários e personalidades políticas muito próximas de Vladimir Putin viram muitos dos seus ativos financeiros congelados – e nada disso fez Moscovo recuar.

Os líderes políticos russos tenderão a preferir uma solução política para a crise, que pode passar por uma federação ucraniana ou por maior autonomia da região leste. Mas uma viragem determinada da Ucrânia em favor do ideal europeu pode forçar uma intervenção armada em larga escala, com consequências políticas e económicas imprevisíveis para a Europa.

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O que é que os portugueses têm a ver com isto?

A energia, e os preços da energia. É que a Rússia é o grande fornecedor energético da Europa – 84% das exportações russas de petróleo vão para a Europa (através da Ucrânia), assim como 76% das exportações de gás natural – e os preços praticados vão depender da estabilidade entre os dois pólos.

Logo, qualquer crise na Rússia terá um impacto automático nos sistemas bancários europeus e até norte-americanos. O que é que aconteceria aos preços do gás, por exemplo, se a Europa e os EUA impusessem sanções económicas à Gazprom, a maior empresa de gás russa? Provavelmente disparavam, ou a Rússia limitava os fornecimentos, como já aconteceu. O vale para o outro gigante russo no setor petrolífero, a Rosneft.

Caso isso aconteça, a alternativa a que a Europa pode recorrer para fornecimento energético está no Médio Oriente, o que mexe com os interesses estratégicos de longo prazo.

Por outro lado, a hipótese de um conflito militar entre ucranianos e russos, que poderia arrastar a Europa para uma crise prolongada, é um cenário alarmista e pouco provável, principalmente pelos pequenos passos rumo ao diálogo que começaram a surgir em meados de maio.

Por tudo isto é importante perceber que a Rússia, e o seu setor energético, tem um peso significativo na Europa, que se reflete na estabilidade de todo o continente, nomeadamente de Portugal.

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Em que ponto está o braço-de-ferro pelo gás?

O gás esteve e está no centro da questão política entre Rússia e Ucrânia — nem que seja para o usar como elemento de manipulação, evitando a “fuga” dos ucranianos para a União Europeia. Em 2009 a Europa tremeu quando a Gazprom, a empresa de gás natural estatal russa, fechou a torneira. Porquê? Não chegou a acordo com o Governo ucraniano sobre os valores da transação. O problema é que 1/3 do gás que chega ao Velho Continente é proveniente da Rússia: Bulgária, Hungria, Grécia, Turquia, Roménia, Sérvia, Bósnia, Montenegro e Macedónia viram o seu gás ser cortado. O Executivo eslovaco declarou emergência nacional, enquanto Itália e Áustria reportaram falhas de 90% e a França 70%. Qualquer suspiro ou abanão no leste é, por isso, sentido com apreensão no Ocidente.

A 17 de dezembro do ano passado, a Rússia emprestou cerca de 11 mil milhões de euros à Ucrânia e desceu drasticamente o preço do gás. Víctor Yanukóvich, o então presidente ucraniano, contornava assim as exigências apertadas de um eventual pedido de ajuda ao FMI e aproximava-se de Moscovo. Já Putin garantia a ligação a Kiev e afastava a União Europeia da equação. Os ucranianos pró-Europa começariam então os protestos…

A 1 de abril, a queda de Yanukóvich e as manifestações a favor da integração na União Europeia levaram ao cancelamento do tal preço de saldos que vimos em cima, o que representou um aumento de 40% no preço do gás. Bastariam dez dias para a União Europeia anunciar que ajudaria a Ucrânia a pagar as suas dividas ao país vizinho (1.600 milhões de euros).

Em maio, Durão Barroso, o então presidente da Comissão Europeia, exigiu a Putin que mantivesse a torneira aberta, em reação ao anúncio russo que prometia acabar com o fornecimento de gás à Ucrânia, caso esta não pagasse o que devia até ao final do mês. Este cenário deixaria a Europa outra vez em sobressalto.

As boas notícias chegaram no início de junho, quando Gazprom e Naftogaz, a companhia ucraniana, anunciaram um acordo para o abastecimento de gás. Isto, claro, depois do Executivo ucraniano pagar 578 milhões de euros, o que representava mais ou menos 1/3 da divida. Mas bastariam duas semanas para tudo se esfumar. O Governo de Kiev voltou a afirmar que a Rússia lhe havia cortado o gás, novamente sob a justificação da divida por pagar e os prazos.

A 17 de julho, a Rússia anunciou que adiou as conversas com a União Europeia sobre o preço para o abastecimento de gás na Ucrânia. Este corte, que aconteceu em junho, não teve (ainda) qualquer influência nos outros “clientes”.

Este Explicador foi atualizado em 17 de julho.

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Como tem evoluído o conflito armado e diplomático?

O ping-pong foi difícil de acompanhar. Tudo começou com a Crimeia, como já foi explicado na questão 4. Os ativistas pró-russos deram continuidade à sua cruzada e, em abril, ocuparam vários edifícios governamentais nas cidades de Donetsk — que seria mais tarde proclamada República Popular de Donetsk –, Luhansk e Kharkiv — esta última veria a situação normalizada dois dias depois. Registaram-se também ataques a edifícios de segurança e da polícia em Slovyansk e Kramatorsk.

Ainda no mês de abril, Vladimir Putin afirmou que a Ucrânia estava à beira de uma guerra civil, enquanto Joe Biden, o número dois de Barack Obama, avisava que a Rússia caminhava para o “isolamento”. Washington movimentou então 600 soldados para a Polónia. Os russos avisaram que responderiam se os seus interesses fossem colocados em cheque.

Arseniy Yatsenyuk, o primeiro ministro ucraniano, acusou Moscovo de estar à procura de despontar a Terceira Guerra Mundial. Enquanto as disputas tinham lugar, o Ocidente retirava o tapete aos russos, que iam acumulando sanções. A NATO dizia que não havia sinais de um recuo russo, enquanto a Rússia asseguravam que não iriam invadir a Ucrânia.

A meio do caminho, o país escolheu um novo presidente: Petro Poroshenko venceu as eleições sob o lema “paz para uma Ucrânia unida e livre”. A Rússia mostrou-se então disponível para conversar com o novo presidente, mas nada mudaria.

A 4 de junho, Obama censurou as investidas russas. O discurso teve lugar na Polónia à margem das celebrações dos 25 anos da queda do comunismo. Dois dias depois os presidentes da Rússia e Ucrânia encontraram-se pela primeira vez para colocar um ponto final no derramamento de sangue.

A 14 de junho, a Embaixada da Rússia na Ucrânia foi o palco de uma manifestação violenta, que acabaria com janelas partidas e carros virados ao contrário. Dois dias depois, tal como vimos na pergunta anterior, o Executivo russo fechou a torneira do gás, alegando que os ucranianos não pagaram a dívida. A tensão diplomática voltou a ser o prato do dia.

A 20 de junho, Poroshenko anunciou um plano de paz e declarou tréguas para a semana seguinte. Os rebeldes aceitaram. Antes da semana acordada se cumprir, um helicóptero militar ucraniano foi abatido, matando mais nove pessoas. A ONU estimava na altura que 420 pessoas haviam morrido no conflito, entre 15 de abril e 20 de junho.

No final do mês, o parlamento russo cancelou a resolução parlamentar que aprovaria o uso de forças militares na Ucrânia. Dois dias depois a União Europeia assinou um acordo de associação com Ucrânia, Geórgia e Moldávia, a que Poroshenko chamou como o dia mais importante da história do país desde a independência, em 1991. O acordo visava aproximar os três países ao Ocidente, a nível económico e político. Por essa altura, estimava-se que os deslocados internos atingiam os 54.400, enquanto 110 mil pessoas terão trocado a Ucrânia pela Rússia.

A 13 e 17 de julho, as autoridades ucranianas acusaram as tropas russas de abater dois aviões militares e de estarem a reforçar a sua posição na fronteira entre os países. Moscovo negou.

As sanções à Rússia por parte do Ocidente continuaram em marcha, tanto que um ministro russo até lhe chamou “bullying”. Em 17 de julho, a moeda russa desvalorizou face ao dólar para o seu valor mais baixo desde março, altura em que o país iniciou as operações na Crimeia. A bolsa de Moscovo também caiu 2,31% nesse dia, porque as empresas do país temiam problemas de liquidez pelas novas restrições de acesso ao financiamento.

Este Explicador foi atualizado em 17 de julho.

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A queda do avião da Malaysia Airlines está relacionado com o conflito?

Não se sabe. Ainda. Contextualizemos: em 17 de julho um avião da Malaysia Airlines caiu na Ucrânia, próximo de Shakhtersk, junto à fronteira com a Rússia. A bordo seguiam 280 passageiros e 15 tripulantes.

Antes de entrar no espaço aéreo russo, o avião começou a perder altitude até se despenhar em Shakhtersk, a 50 km a leste de Donetsk, perto da fronteira administrativa das regiões Donetsk e Lugansk. Esta área está atualmente sob o controle das forças da autoproclamada República Popular da Donetsk.

Os principais elementos que levam a suspeitar de um ataque são:

– Uma fonte do Ministério do Interior da Ucrânia referiu que o avião tinha sido abatido.
– Testemunhas no local falam de destroços do avião em fogo;
– Nas últimas semanas foram abatidos alguns aviões das forças armadas ucranianas naquela região.
– Um comandante separatista pró-russo vangloriou-se hoje nas redes sociais de ter abatido um avião.

Este Explicador foi atualizado em 17 de julho.

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Não respondemos à sua pergunta?

Então o melhor é dizer-nos o que quer ver respondido. Este texto é um trabalho em curso e será regularmente atualizado para continuar a ajudar a entender a situação ucraniana.