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O que é a Tecnoforma?

A Tecnoforma – Formação e Consultoria S.A. nasceu em 1984. À época em que Passos Coelho era deputado – e quando iniciou a relação com o grupo (1996-1999) –  a Tecnoforma era detida por Manuel Castro e Fernando Madeira. A empresa dedicava-se quase exclusivamente à formação profissional. Tinha contratos com o Estado, em grande parte envolvendo financiamento da União Europeia.

Até ao final da década de 1990, a empresa tinha negócios em Angola e apostava em acompanhar estudantes africanos em Portugal. Mais tarde, e terá sido por isso que Passos Coelho integrou a empresa, os proprietários decidiram explorar o mercado interno de formação. Foi nessa altura que a Tecnoforma expandiu o negócio ao ganhar concursos ao abrigo do programa Foral, que tinha como objetivo dar formação profissional a funcionários de autarquias. Este programa foi tutelado entre 2002 e 2004 pelo então secretário de Estado da Administração Local, Miguel Relvas.

 

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O que é o Centro Português para a Cooperação?

O Centro Português para a Cooperação (CPPC) foi uma associação criada em 1996 tendo o estatuto de Organização Não Governamental (ONG). E se agora os estatutos de uma ONG são diversos e se é difícil encontrar quer o registo de ONG’s, quer as prestações de contas, mais era há 20 anos, quando a legislação era ainda mais diversa e as obrigações de transparência menores.

Nos serviços oficiais consultados pelos Observador já não há registo da entidade (o número de contribuinte atribuído aparece como inexistente nas bases de dados públicas). No entanto, citados pelo Público, os estatutos da ONG referiam que esta organização tinha como objetivo: “O apoio direto e efetivo a programas e projetos em países em vias de desenvolvimento através de ações para o desenvolvimento, assistência humanitária, proteção dos direitos humanos e prestação de ajudas de emergência”.

Na prática, o CPPC era uma organização do grupo Tecnoforma. A ONG funcionava em Almada, nos escritórios da Tecnoforma, os fundadores eram administradores da empresa (ou alguns trabalhadores) e era a Tecnoforma que financiava a atividade da ONG. Mas apenas um dos administradores da Tecnoforma, João Luís Gonçalves, admitiu ao jornal a relação entre as duas empresas e ainda que era a Tecnoforma quem pagava as despesas da ONG.

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Quem fundou o CPPC?

A ONG era presidida por Pedro Passos Coelho, que foi um dos fundadores. Além de Passos Coelho, estavam na lista de fundadores mais alguns sociais-democratas (alguns dos quais tinham passado pela Juventude Social Democrata, JSD), mas também dois socialistas.

Na lista de fundadores encontravam-se – segundo o Público:

  • Marques Mendes;
  • Vasco Rato, hoje presidente da FLAD nomeado por este Governo;
  • Ângelo Correia, da Fomentinvest, ex-patrão de Passos;
  • Fernando Madeira, administrador à época da Tecnoforma;
  • Fraústo da Silva, que foi dirigente da JSD e foi quem elaborou os estatutos da ONG;
  • Júlio Casto Caldas, ex-ministro, socialista;
  • Manuel Castro, que era administrador da Tecnoforma;
  • Fernando de Sousa, ex-deputado do PS e que ficou a presidir à Assembleia Geral da ONG;
  • Luís Carvalho, presidente do Conselho Fiscal da ONG, que tinha trabalhado na Tecnoforma e foi mais tarde nomeado administrador da Parque Escolar;
  • Eva Cabral, ex-jornalista do DN, que também foi da JSD (onde conheceu Passos Coelho) e que na ONG fazia parte do conselho fiscal. Atual assessora do primeiro-ministro.
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A Tecnoforma ainda está em actividade?

Se os primeiros anos correram bem para a empresa, em 2011, no entanto, a faturação começou a cair. De acordo com os documentos consultados pelo Observador, nesse ano a Tecnoforma faturou 3,2 milhões de euros, quando em 2009 tinham sido 5,6 milhões. A braços com dívidas, o advogado da empresa acabaria por pedir a insolvência da empresa em 2012. E, apesar da faturação da empresa, argumenta:

“A Tecnoforma é uma empresa com futuro, mas está a sofrer indiretamente as consequências da falta de pagamento dos seus clientes e na redução drástica motivada pela atual conjuntura económica nacional e europeia”, lê-se na petição inicial que consta no processo que corre termos no Tribunal do Comércio de Lisboa.

O administrador de insolvência nomeado reuniu um conjunto de 124 credores a quem a Tecnoforma devia dinheiro: cerca de dois milhões de euros no total. Entre eles, bancos, formadores, sociedades de advogados e algumas agências de viagens. No final desse ano a juíza declararia a empresa insolvente, estabelecendo um plano de pagamento a ser gerido com a colaboração dos dois responsáveis pela empresa.

Em 2013 um ex-funcionário da Tecnoforma acabaria por impugnar a insolvência. É que, em 2010, os mesmos proprietários da Tecnoforma criaram uma outra empresa gémea. A Tecnoforma II – Consultoria e Recursos Humanos Lda. O objeto social, os sócios e a sede da empresa são comuns às duas empresas. O que leva o funcionário a defender que uma provocou a ruína da outra e que haverá má-fé e irregularidades no processo de insolvência. Esta questão ainda não foi resolvida.

Neste momento a primeira Tecnoforma está a ser administrada de forma a pagar as dívidas a todos a quem ficou a dever. Enquanto a Tecnoforma II, entretanto criada, está a funcionar. Embora a sede da empresa não tenha qualquer telefone de contacto.

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Qual é a ligação de Passos Coelho à Tecnoforma?

A ligação de Passos Coelho à Tecnoforma começa ainda em 1996, quando funda, por ideia do presidente da empresa, Fernando Madeira, uma organização não-governamental (ONG) chamada Centro Português para a Cooperação (CPPC). De acordo com notícias do jornal “Público”, esta ONG era financiada a 100% pela Tecnoforma e tinha como principal objetivo captar potenciais negócios para a empresa.

Depois, Passos Coelho foi contratado como consultor para a Tecnoforma em 2002, pela mão de João Luís Gonçalves. João Luís Gonçalves, que tinha sido secretário-geral da JSD quando Passos Coelho era presidente, comprou a empresa para a qual trabalhava em 2001 (em algumas versões aparece o ano de 2000).

A entrada de Passos Coelho para consultor não é no entanto certa. Ao Público, o antigo dono da empresa, Fernando Madeira, garantiu que Passos Coelho só entrou depois dele sair, ou seja, depois de agosto de 2001. Em algumas declarações, o primeiro-ministro chegou a falar no ano 2000, mas só lhe é atribuído o cargo a partir de 2002 até 2004, com um pagamento mensal de 2500 euros/mês a recibos verdes. Facto que não consta do perfil oficial na Página Oficial do Governo.

Também não consta no currículo do primeiro-ministro a mudança de cargo dentro da empresa. A partir de 2005 (em algumas versões é referido 2004), Passos Coelho, conjuntamente com Francisco Nogueira Leite, tornou-se administrador da Tecnoforma, cargo que, de facto, ocupou até 2007.

Mas os contornos como ocupou esse cargo também mostram algumas dúvidas. Tanto Passos Coelho como Nogueira Leite foram administradores por procuração. Sérgio Porfírio, então administrador da empresa, disse ao Público que, por não ter tempo, delegou nos dois a administração da empresa. E os dois assinaram, enquanto administradores da empresa, apesar de o registo na conservatória não ter sido feito a tempo, alguns documentos, incluindo relatórios e contas até 2007.

Mas Passos sempre disse, em declarações públicas que a ligação à Tecnoforma tinha terminado em 2004. Além disso, só em 2012, a procuração foi revogada.

Foi aliás, sobre o facto de no currículo não constar a ligação à Tecnoforma enquanto administrador que levou às primeiras notícias e à primeira “confusão” do primeiro-ministro sobre o caso.

Em 2012, respondendo sobre a ligação à Tecnoforma e sobre o facto de ainda ter assinado documentos até 2007, Passos respondeu ao Público: “Confusão minha! Estava convencido de que tinha saído em 2004”.

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Passos Coelho recebeu dinheiro da Tecnoforma ou do CPPC?

Em debate quinzenal na Assembleia da República, Passos Coelho afirmou que não recebeu salário ou avença da Tecnoforma ou do CPPC enquanto foi deputado, ou seja, entre 1991 e 1999. Diz ter recebido do CPPC dinheiro, a título de reembolso de despesas de deslocação. Não declarou esses valores ao fisco porque a lei de então não o obrigava a isso. Não revelou, porém, quanto dinheiro recebeu nessa qualidade.

Nas declarações de rendimentos que Passos Coelho entregou em 1997, 1998 e 1999, o então deputado do PSD não declarou qualquer vencimento proveniente quer da Tecnoforma, quer do CPPC.

Apesar de a declaração de rendimentos referente a 1999 estar em falta – o secretário-geral da Assembleia da República recusou quinta-feira dia 25 de setembro entregar aos grupos parlamentares essa informação -, num parecer da Assembleia da República, que atribui a Passos Coelho o subsídio de reintegração, é reconhecido que o então primeiro-ministro estava de facto em exclusividade de funções. Ou seja, o parecer, assinado pelo então presidente da Assembleia da República, Almeida Santos, fazia referência à declaração de rendimentos dizendo que esta mostrava que Passos Coelho não tinha tido, de 1996 a 1999, outros rendimentos além daqueles que recebia enquanto deputado (ou os excecionados por lei como a colaboração com comunicação social).

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O que é o caso da Tecnoforma denunciado por Helena Roseta?

Uma das polémicas em torno da Tecnoforma – e que deu azo, aliás, às primeiras notícias sobre o caso – começou com uma denúncia da atual vereadora da Câmara de Lisboa, Helena Roseta. Em declarações na Sic Notícias, Helena Roseta denunciou ter sido pressionada por Miguel Relvas para contratar a empresa ao abrigo de um programa de formação de arquitetos de câmaras municipais, “Autarquia Segura”, que seria financiado pelo FORAL.

Cerca de um mês depois de Miguel Relvas ter reunido com Roseta, Passos Coelho, então consultor da Tecnoforma, pediu uma reunião com a Ordem dos Arquitetos e foi recebido, em conjunto com o diretor-geral da empresa Luís Brito, de acordo com o Público, não por Roseta, mas por Leonor Cintra Gomes, dirigente da Ordem.

Nessa reunião, de acordo com documentos da Ordem, Passos deu a conhecer o programa de formação de arquitetos, que tinha como objetivo que todas as autarquias tivessem, até 2007, de “planos de emergência para todos os edifícios públicos, tendo em conta as normativas europeias”.

A proposta foi recusada pela Ordem dos Arquitetos, mas o episódio perdurou. Depois das declarações de Helena Roseta, que acusavam Miguel Relvas, este processou a vereadora por difamação. O processo acabou também ele arquivado.

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Do que é Passos Coelho suspeito?

A polémica recomeçou quando a revista Sábado publicou um trabalho em que dizia que tinha dado entrada no Ministério Público uma denúncia anónima que dizia que o primeiro-ministro tinha recebido – entre 1996 e 1999 – cerca de 150 mil euros (mil contos por mês ou cinco mil euros) pagamentos provenientes do grupo Tecnoforma. Isto quando era deputado em exclusividade de funções. O crime em causa era o de fraude fiscal, pelo facto de Passos, a ter recebido essa verba, não a ter declarado ao Fisco.

Na sequência desta notícia, a primeira reação do chefe do Governo foi a de afastar suspeitas e de pedir ao Parlamento que esclarecesse em que regime estava enquanto deputado. Mas acentuou na altura:

“Enquanto cidadão tenho consciência e convicção de ter cumprido sempre todas as minhas obrigações legais”.

Mas o problema agravou-se quando, depois de notícias darem conta que afinal esteve em exclusividade de funções – logo não podia ter recebido qualquer outro vencimento (a não ser os excetuados pela lei como ajudas de custou ou despesas de representação entre outros) – Passos Coelho ter remetido o novo esclarecimento não para o Parlamento, mas para a Procuradoria-Geral da República dizendo: “Não estou em condições de o fazer”, ou seja, de dizer os “rendimentos que foram auferidos há 19, 17 ou 18 anos”.

Com a declaração de que não se lembrava se tinha ou não recebido pagamentos da Tecnoforma durante o período que vai de 1997 a 1999, o primeiro-ministro acabou por não sacudir as suspeitas, mantendo a pressão mediática e política para um esclarecimento.

Dia 26 de setembro, a PGR arquivou a queixa por prescrição dos factos. Segundo o despacho de arquivamento, o Ministério Público pediu esclarecimentos à Tecnoforma que lhe mostrou documentos de contabilidade entre 1994 e 2004 e onde não constava o nome de Passos.

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Passos Coelho violou alguma lei?

Não, segundo a versão dos factos que apresentou no Parlamento. Caso o primeiro-ministro tenha recebido pagamentos pelo seu trabalho do grupo Tecnoforma (seja da empresa ou do CPPC) no período em que era deputado e não os tenha declarado às Finanças, significa que pode ter violado a lei (já explicamos o condicional) em dois aspetos:

  • Primeiro, se acumulou rendimentos provenientes de uma empresa privada com os de deputado, estando em exclusividade, não poderia ter requerido o subsídio de reintegração, que à época só era atribuído a deputados em exclusividade. Se tal aconteceu, não só prestou informações falsas à Assembleia da República, como recebeu o subsídio indevidamente.
  • Em segundo lugar, se não declarou pagamentos por trabalho numa empresa às Finanças incorreu num crime de fraude fiscal.

Voltaremos ao “pode ter” violado a lei na pergunta seguinte.

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É possível que Passos Coelho tenha recebido dinheiro e não tenha violado a lei?

É.

Passos Coelho pode, como assumiu no Parlamento, ter recebido durante os anos em que foi deputado em exclusividade de funções (segundo mandato 1995-1999) alguns rendimentos que não vão contra o regime de exclusividade de funções. Um parecer da Procuradoria-Geral da República, citado pelo auditor jurídico da Assembleia da República em 2000, no documento em que Almeida Santos aprova a atribuição do subsídio de reintegração a Passos Coelho, dá conta das exceções admitidas.

O parecer  73/91 de 9/1/1992 da PGR dizia que os deputados nessas condições podem receber pagamentos de ajudas de custo e despesas de deslocação sem que isso ponha em causa a dedicação exclusiva ao Parlamento. O caso foi levantado pelo próprio Passos Coelho que para garantir que não violava o estatuto de exclusividade quando pediu à Comissão de Ética um parecer em como as colaborações que mantinha com rádio e jornais não era incompatível com o estatuto de exclusividade.

Mas além da colaboração com a comunicação social o parecer da PGR dizia que era “compatível com o regime de dedicação exclusiva” as “remunerações decorrentes de direitos de autor, realização de conferências, palestras, cursos breves e outras atividades análogas, ajudas de custo e despesas de deslocação’”,

O mesmo acontece para o caso de fraude fiscal?

Em parte, sim. Porque há despesas, como ajudas de custo ou de representação, que à época não precisavam nem tinham de ser declaradas em IRS. No entanto tudo depende do valor que tenha recebido e como.

Em declarações ao Público, o fundador da Tecnoforma, Fernando Madeira, disse estar convencido de que “ele recebia qualquer coisa”, mas sem falar e acrescentando não saber “se era para pagar deslocações, telefonemas ou coisas parecidas.”

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O que recebeu Passos Coelho da Assembleia da República?

Desde 1991 até 1999, Passos Coelho recebeu sempre os ordenados enquanto deputado (ou enquanto vice-presidente do grupo parlamentar) e recebeu mais tarde, depois de sair do Parlamento, o subsídio de reintegração. O que quer isso dizer?

Quer dizer que, quando deixou de ser deputado, Passos Coelho solicitou uma verba, a que os ex-deputados tinham direito em certas condições, verba essa que de destinava a apoiar a reintegração na vida profissional de quem passara vários anos no Parlamento.

Essa verba tinha em consideração o tempo em que o deputado permanecera em funções e só era concedida se fosse cumprido um conjunto de condições. Para o período do primeiro mandato cumprido por Passos Coelho, 1991-1995, a atribuição desse subsídio não exigia que tivesse estado em exclusividade de funções. As regras mudaram no segundo mandato (1995-1999), passando então a existir essa exigência.

Sucede que nesse segundo mandato Passos Coelho não tinha requerido o o regime de deputado em exclusividade, e por isso não tinha recebido o salário ao fim do mês acrescido de 10% de complemento por exclusividade. Uma possível explicação para isso ter acontecido é que nesse mandato foi vice-presidente da bancada social-democrata, estatuto que lhe garantia um suplemento de 15%, mais do que se pedisse o estatuto de exclusividade.

Já durante esta polémica, o secretário-geral da Assembleia da República esclareceu em comunicado que o parlamentar não tinha requerido o regime de exclusividade e portanto não tinha recebido o complemento de ordenado. Porém, ao ter demonstrado, quando pediu o subsídio de reintegração, através da entrega das declarações de IRS, que nesses quatro anos não tivera outra fonte de rendimentos regular, isso foi considerado suficiente para que acabasse por ser atribuído a Passos Coelho o subsídio de reintegração.

Este subsídio só podia ser dado a deputados que estivessem há menos de 12 anos no Parlamento e que, no mandato de 1995-1999, não tivessem outra fonte de rendimento. Servia, na prática, para garantir algum rendimento a ex-deputados que tivessem dificuldade em se reintegrar o mercado de trabalho. Este subsídio tinha como valor um mês de ordenado por cada seis meses de trabalho, o que lhe valeu na altura cerca de 60 mil euros.

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Qual a polémica com o secretário-geral da Assembleia da República?

Quando a revista Sábado publicou um trabalho em que dizia que tinha dado entrada no Ministério Público uma denúncia anónima que dizia que o primeiro-ministro tinha recebido – entre 1996 e 1999 – cerca de 150 mil euros enquanto deputado em exclusividade de funções, pagamentos provenientes do grupo Tecnoforma, o primeiro-ministro remeteu qualquer resposta sobre o estatuto que tinha enquanto deputado para o Parlamento.

Numa primeira resposta ao caso, o secretário-geral da Assembleia da República, Albino Azevedo Soares respondeu que “não existe qualquer declaração de exclusividade entre novembro de 1995 e 1999″. Esta declaração da Assembleia da República ilibava num primeiro momento o primeiro-ministro. Não estando em exclusividade, poderia receber rendimentos extra Parlamento.

Tudo mudou no dia a seguir. O jornal Público publicou uma notícia em que dava conta que o primeiro-ministro, depois de ter cumprido a segunda legislatura como deputado (1995-1999), pediu o subsídio de reintegração. De acordo com a lei 26/95, tinham direito a receber o subsídio os deputados que não tivessem completado 12 anos de exercício de funções públicas e que estivessem em regime de exclusividade.

Para requerer o subsídio, Passos Coelho entregou as declarações de rendimentos respeitantes aos anos em apreço onde assumia estar em exclusividade de funções (com a exceção admitida pela Assembleia da República de colaborações com órgãos de comunicação social). Isso parecia contrariar a primeira versão da Assembleia da República.

No seguimento, o secretário-geral da Assembleia da República, Azevedo Soares, envia novo comunicado sobre o caso dizendo três coisas:

  1. Que “não existe uma declaração de exclusividade relativa ao período que medeia entre Novembro de 1995 e 1999”;
  2. Que “não foi pago o complemento de 10%, que corresponde a essa declaração”
  3. Mas, que por “de facto” não ter auferido outros rendimentos enquanto deputado, tem direito ao subsídio. Ou seja, diz o parecer, para efeitos de atribuição daquele subsídio, “não atende à questão formal da existência ou inexistência da declaração de exclusividade, mas sim à situação factual relativa aos dados sobre os rendimentos do período em causa”.

A polémica com o secretário-geral da Assembleia da República prende-se assim com ele ter fornecido informações complementares, mas distintas, nos dois momentos diferentes.

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Passos Coelho é alvo de algum processo-crime?

Não. O único inquérito que foi aberto pelo Ministério Público sobre a ligação do primeiro-ministro à Tecnoforma dizia respeito à denúncia anónima que garantia que Passos Coelho, enquanto deputado em exclusividade, tinha recebido do grupo Tecnoforma pagamentos no valor de 150 mil euros em três anos, cerca de cinco mil euros por mês.

Este inquérito foi no entanto arquivado sem ter havido qualquer investigação. (ver pergunta seguinte)

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Porque foi o inquérito arquivado?

O Ministério Público não pode, por lei, investigar suspeitas por crimes que tenham prescrito. Por isso, a Procuradoria-Geral da República arquivou o inquérito por “inadmissibilidade legal de procedimento”.

Ou seja, no comunicado enviado às redações, o Ministério Público assume que não podia investigar a denúncia uma vez que, a haver crime este já tinha prescrito. “Verificando-se a extinção da hipotética responsabilidade criminal por via da prescrição, está legalmente vedado ao Ministério Público proceder a investigação com a finalidade de tomar conhecimento sobre a veracidade ou não dos factos constantes da denúncia”.

A denúncia anónima fora feita em junho, mas só depois da polémica estalar é que esta decisão de arquivamento foi tomada. A PGR não explicou as razões desta demora uma vez que a questão da prescrição parece de análise fácil e imediata.

De facto, no caso de o primeiro-ministro ter recebido verbas do grupo Tecnoforma e não as ter declarado, poderia estar em causa um crime de fraude fiscal que à época prescrevia em cinco anos.

Esta decisão da PGR nada esclarece sobre se o primeiro-ministro recebeu ou não vencimentos enquanto deputado em exclusividade ou seja, se em algum momento violou a lei. Diz apenas que, quer tenha ou não violado, estes factos já prescreveram. No mesmo comunicado, a PGR confirmava que tinha recebido em junho de 2014 uma queixa relativa à relação entre Pedro Passos Coelho e a Tecnoforma, de situações ocorridas entre 1997 e 2001.

Esta denúncia acabou por integrar primeiro o inquérito relativo à atividade da empresa – que ainda decorre no DCIAP de Lisboa -, mas posteriormente, não é dito quando, foi autonomizado e posteriormente arquivado.

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A Tecnoforma está a ser investigada?

Sim. O Ministério Público confirmou a existência de dois inquéritos sobre a Tecnoforma:

  • O primeiro processo começou em Coimbra, em 2012. Em causa estavam suspeitas de irregularidades em contratos que a empresa celebrou para dar formação a funcionários municipais para estes poderem trabalhar em aeródromos da região centro, ao abrigo do programa FORAL, programa de fundos europeus que tinha como objetivo dar formação profissional a funcionários de autarquias. Em causa estaria um projeto avaliado em 1,2 milhões de euros que serviria para formar 1063 funcionários para nove aeródromos. O projeto de formação foi lançado por Miguel Relvas, quando este era secretário de estado da Administração Local (2002-2004). A documentação lançada por Relvas justificava a necessidade de formação de funcionários para garantir a segurança dos aeródromos e heliportos de acordo com normas europeias. A única empresa a apresentar um projeto ao abrigo desse programa, de acordo com o Público, foi a Tecnoforma, de que Passos Coelho era consultor à época. Este processo foi arquivado, de acordo com informação prestada pelo Ministério Público
  • O segundo inquérito decorre ainda no Departamento Central de Investigação e Ação Penal de Lisboa (DCIAP) e prende-se com a atividade da Tecnoforma. Este processo ainda não foi arquivado, pelo que ainda se encontra em segredo de justiça.

Além destes processos em solo nacional, em 2013 e a pedido da deputada Ana Gomes, o gabinete da luta antifraude da União Europeia (OLAF) abriu uma investigação formal sobre o financiamento, com fundos comunitários, da empresa Tecnoforma. Este processo ainda decorre.

Na sequência de notícias sobre esta investigação da União Europeia, Passos Coelho disse estar “tranquilo” com a investigação.

“Já houve da parte do Ministério Público português nota de que não há nenhuma investigação que decorra relativamente à minha atuação em concreto ou à atuação de outras pessoas isoladamente. É sabido que há uma investigação sobre práticas da empresa que está a decorrer e aguardaremos com toda a naturalidade o resultado”, disse em maio de 2013.

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Passos Coelho está livre do Caso Tecnoforma?

Não. Apesar de a queixa contra o primeiro-ministro ter sido arquivada, Passos Coelho ainda não está livre do problema Tecnoforma.

Por duas razões: uma política e outra da justiça.

Em termos políticos, a oposição e a comunicação social não deixarão cair o caso até que fique esclarecido quanto dinheiro recebeu Passos Coelho relativo a reembolsos por despesas de representação em nome do CPPC. O Bloco de Esquerda já admitiu até levar o caso ao Parlamento em forma de comissão de inquérito. E o PS garante que vai para já pedir dados à Segurança Social e ao fisco.

Por outro lado, decorre ainda na justiça um inquérito que não foi arquivado. E se à data esse inquérito não corre contra ninguém, também é certo que diz respeito à atividade geral da empresa Tecnoforma, da qual Passos Coelho foi consultor entre 2002 e 2004 e administrador até 2007.

Além deste processo, há ainda um outro na União Europeia, que ainda não se sabe o desfecho.

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Que esclarecimentos faltam ainda dar?

Mesmo com o arquivamento do inquérito, não ficou provado se Passos Coelho violou ou não a lei. Ou seja, a não declaração ao IRS não prova que não recebeu, mas, obviamente também não prova o contrário.

Apenas o facto de o primeiro-ministro não ter desmentido categoricamente que não recebeu e ter alegado “falta de memória” fez perdurar a dúvida e as perguntas.

Falta apenas perceber quanto dinheiro recebeu Passos Coelho em reembolsos. Se legalmente a pergunta não tem relevo – uma vez que não era obrigado a declarar ajudas de custo em IRS – politicamente continua a fazer sentido.