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O que vai mudar no dia a dia do banco?

Esta quarta-feira realiza-se a assembleia geral que marca o fim de um ciclo e o início de uma nova era num dos bancos mais importantes em Portugal. O BPI mantém o português no nome, Banco Português de Investimento, mas passa a ser controlado por um acionista catalão e dirigido por um novo presidente executivo que é espanhol.

Quem é Pablo Forero, o homem que o CaixaBank escolheu para liderar o BPI

Apesar do domínio do CaixaBank, o BPI vai manter a marca e, nas palavras do novo presidente, “vai continuar a ser um banco português, com estrutura própria e com centro de decisão no território português”. Com efeito, explicou Pablo Forero, “a comissão executiva terá uma maioria de gestores atuais do banco”, precisamente “para facilitar a integração no grupo”.

Uma das primeiras boas notícias para o BPI é que, com o domínio quase total por parte do CaixaBank, o banco deixou de ter o rating de lixo que lhe era atribuído desde a crise financeira, porque há uma “elevada probabilidade de apoio por parte da casa-mãe, caso seja necessário” (Fitch). Isto significa que o banco terá maior facilidade em ir ao mercado obter financiamento para o dia a dia, incluindo para fazer novo crédito.

E o CaixaBank tem capital para investir em expansão, caso surjam oportunidades.

Artur Santos Silva, que agora passa a presidente honorário, garantiu que a integração do BPI no CaixaBank “vai ser melhor para todos, clientes e trabalhadores, porque estes vão poder desenvolver a sua carreira num grupo sofisticado e mais forte”.

Na relação com os trabalhadores, já é sabido que em toda a banca europeia a tendência não é para aumentar o número de efetivos. Contudo, o presidente do CaixaBank, Gonzalo Gortázar, garantiu que “a política social do CaixaBank irá manter os princípios sempre seguidos pelo BPI. Não antecipamos despedimentos coletivos e as rescisões serão sempre feitas por mútuo acordo”. Ainda assim, quando o CaixaBank lançou a OPA, admitia-se uma redução de 900 trabalhadores. “É um número apenas indicativo. Não prevemos uma alteração da política seguida pelo BPI nos últimos anos”, afirmou o responsável.

OPA sobre o BPI. CaixaBank espera reduzir custos do banco em 84 milhões de euros, sobretudo com trabalhadores

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Porque quis o CaixaBank comprar o BPI?

Quando a oferta pública de aquisição (OPA) foi lançada pelo Caixabank, em 2016, a instituição catalã já era o maior acionista do BPI há vários anos. Mas o seu investimento acionista não tinha correspondência com o poder de intervir na administração do banco português porque os estatutos do BPI limitavam os direitos de voto dos acionistas a 20% do capital, mesmo para quem tinha um número de ações que excedia aquele limite.

Apesar de ser o principal acionista e financiador do BPI (tendo comprado a parte do Itaú quando o banco brasileiro saiu de Portugal no pico da crise, em 2012) a capacidade de intervenção do Caixabank, com 44%, era praticamente a mesma que a do segundo maior acionista, a Santoro (de Isabel dos Santos).

A empresária angolana tinha tinha 18,5% do capital do BPI e estava em guerra com o CaixaBank e a administração do banco por causa da solução para a exposição excessiva (aos olhos do BCE) a Angola.

O capital do BPI estava, ainda, distribuído pela seguradora alemã Allianz, pela família Violas Ferreira e pelo BIC, uma instituição de capitais angolanos com ligação acionista a Isabel dos Santos.

A oferta lançada em abril de 2016 tem como condição de sucesso a desblindagem dos estatutos do BPI. Foi a segunda OPA do CaixaBank que já em 2015 fez uma tentativa falhada para controlar o banco português que esbarrou com a oposição de Isabel dos Santos em assembleia geral (que conseguiu vetar devido ao poder que os direitos de voto limitados lhe conferiam).

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Se a primeira OPA sobre o BPI falhou, porque teve sucesso a segunda?

Para conseguir o controlo efetivo do BPI, o CaixaBank precisava de mudar os estatutos do banco que impediam o exercício de direitos de voto superiores a 20% do capital. E esta mudança de estatutos exigia uma maioria qualificada de dois terços do capital representado na assembleia geral.

O xadrez acionista do BPI dava a Isabel dos Santos o poder de bloqueio dessa alteração, um poder que a empresária angolana usou para pressionar uma solução para o Banco de Fomento Angola (BFA) que fosse favorável aos seus interesses. A empresária era a segunda principal acionista do BFA.

Não há acordo. BPI acusa Isabel dos Santos de “desrespeitar” o que tinha sido acordado

O impasse acionista do BPI durou cerca de dois anos, tendo como pano de fundo a exigência do Banco Central Europeu de que a instituição reduzisse a sua exposição ao mercado angolano (pelo facto de não ser dada equivalência à supervisão angolana). Depois de um acordo, patrocinado pelo Executivo socialista, falhado à última hora, com trocas de acusações entre Isabel dos Santos e a administração do BPI, o Governo avançou com a via legislativa, criando o “decreto BPI” – que proibia os bancos de terem direitos de voto limitados nos estatutos.

Por esta altura, também a comissão executiva do banco português, liderada por Fernando Ulrich, estava “rendida” à inevitabilidade da OPA que recomenda aos acionistas, depois de ter considerado que o preço oferecido na primeira oferta era demasiado baixo.

O chamado “decreto BPI” permitiu a alteração dos estatutos do banco sem o voto de dois terços do capital, abrindo a porta ao sucesso da OPA do CaixaBank. Já depois deste passo, Isabel dos Santos, o BPI e o CaixaBank acabaram por chegar a um acordo que resolveu o impasse.

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O BPI tinha de perder o banco em Angola?

O Banco de Fomento Angola (BFA), o principal banco privado de retalho no mercado angolano, foi uma bolsa de lucros para o BPI nos anos duros da crise económica em Portugal. E era um dos grandes motivos de orgulho de Fernando Ulrich, que desenvolveu a unidade com um pequeno investimento inicial.

Em cinco anos, entre 2011 e 2015, a participação de 50,1% no BFA gerou lucros da ordem dos 500 milhões de euros para o BPI e foi um contributo importante para os resultados positivos que o banco conseguiu apresentar neste período, em contraste com outros bancos portugueses.

Mas, em 2014, no rescaldo do colapso do Banco Espírito Santo e do seu banco angolano, o BESA, o Banco Central Europeu endureceu as regras de solvabilidade e cobertura para participações bancárias em mercados onde a regulação e as exigências não eram compatíveis com as europeias. E passou a exigir muito mais capital para cobrir a exposição a estas operações. Por outro lado, desde a primeira OPA que lançou o CaixaBank deixou claro que o mercado angolano não era uma prioridade estratégica.

A administração do BPI tentou durante vários meses convencer Frankfurt a aceitar uma solução que não o obrigasse a ceder o controlo do banco angolano, mas sem sucesso. O BPI estava em infração do chamado “limite dos grandes riscos” e arriscava uma multa diária por parte do BCE caso não resolvesse este problema, que também lhe penalizava os rácios de capital.

O acordo que acabou por ser selado com Isabel dos Santos no ano passado resultou na venda de 2% do capital do BFA à empresária angolana, com o BPI a reduzir a sua posição para menos de 50%, o que fez com que o banco deixasse de ser maioritário e, assim, já não estivesse em incumprimento com as regras definidas.

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Isabel dos Santos ganhou ou perdeu no BPI?

O BPI foi o primeiro investimento direto de Isabel dos Santos em Portugal. A empresária já tinha uma fatia da Amorim Energia, empresa controlada por Américo Amorim que detinha 33,34% da Galp. No final de 2008, e depois de um acordo que lhe abriu o capital do Banco do Fomento Angola, até então totalmente detido pelo BPI, a filha do presidente de Angola compra 10% do banco português.

É um negócio financiado pelo vendedor, o BCP, que estava ainda a digerir os efeitos da derrota na OPA sobre o BPI. Em 2012, quando o Itaú vende a participação histórica no banco português, Isabel dos Santos aceita “partilhar” o esforço feito pelo maior acionista, o CaixaBank, para segurar o banco num contexto nacional muito difícil. E aumenta a sua participação para cerca de 20%. Por esta altura, Isabel dos Santos já tinha estendido os seus negócios à operadora Zon.

A parceria acionista no BPI durou até ao final de 2014, tendo sido posta à prova por dois factos à partida isolados. O travão do BCE ao investimento do banco em Angola e, no início de 2015, a oferta pública de aquisição (OPA) do CaixaBank que surpreende os outros acionistas. Desde o início que Isabel dos Santos considerou esta OPA hostil aos seus interesses.

Seguiram-se dois anos de guerra fria entre os dois maiores acionistas do banco português, com aproximações, afastamentos e algum bluff à mistura. Enquanto teve esse poder, a empresária angolana travou a OPA catalã e entrou em confronto com a administração do banco português. As propostas que fez — compra da participação no BFA e o estudo de uma fusão com BCP — também não foram bem recebidas.

A publicação, no verão de 2016, do “decreto BPI” veio colocar fim ao braço de ferro que a empresária angolana aparentemente perdeu. Mas, no final do dia, a aventura de Isabel dos Santos no BPI acabou por ter um saldo positivo. Estrategicamente, a empresária assegura o controlo do BFA em Angola e mantém um pé na banca portuguesa com o BIC. Financeiramente, sai com uma mais-valia de várias dezenas de milhões de euros.

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Quem são agora os maiores acionistas do BPI?

Com o sucesso da oferta, concluída já em fevereiro deste ano, o CaixaBank passou a deter 84,5% do capital do BPI, depois de um investimento de 644,5 milhões de euros.

O grupo alemão Allianz foi o único dos acionistas históricos do BPI a ficar no capital do banco, mantendo a sua posição de 8,4% do capital. Além de acionista, a seguradora tem ainda um acordo de distribuição dos seus produtos nos balcões do banco português.

Os acionistas descontentes com a operação do CaixaBank acabaram por vender, depois de tentarem contestar por vários meios a OPA do banco catalão. Isabel dos Santos e a família Violas Ferreira, o único investidor nacional que restava, venderam a totalidade das suas participações.

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Quem é o novo dono do BPI?

Relativamente pouco conhecido em Portugal, onde não tem presença direta, o CaixaBank é um colosso bancário com uma presença industrial importante em Espanha. Com sede em Barcelona, na Catalunha o CaixaBank nasce do La Caixa (Caixa Economica e de Pensões de Barcelona), transformado em fundação bancária, a mais importante em Espanha e que não tem fins lucrativos.

Tendo como ponto de partida uma obra social, a La Caixa controla, através da holding Criteria, 40% do capital do CaixaBank, que está cotado, além de ter participações acionistas na concessionária de infraestruturas Abertis, no gigante de energia Gas Natural e na Suez Environment.

Apesar de ser o terceiro maior grupo financeiro espanhol, a seguir ao Santander e ao BBVA, o CaixaBank está muito concentrado em Espanha e, em especial, na Catalunha. Ao contrário de outros bancos espanhóis, não tentou comprar ou criar uma instituição de raiz em Portugal com a sua marca. O BPI foi o seu principal investimento internacional e Portugal é visto como um mercado natural de expansão, mas também de continuidade, em relação a Espanha.

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O BPI vai deixar de estar cotado na bolsa?

Depois da OPA, o BPI tem apenas cerca de 7% do capital disperso em bolsa, já que sobra muito pouco entre as ações que são do CaixaBank e da Allianz.

Com esta concentração acionista, o banco saiu logo do índice PSI 20, que reúne as principais entidades cotadas na bolsa de Lisboa, reduzindo a presença do setor financeiro ao BCP e às unidades de participação do Montepio.

Por razões diferentes, o BES e o Banif saíram totalmente da bolsa, nos últimos anos, depois de terem sido alvo de resolução. As ações do BPI continuam admitidas à negociação, muito por via da manutenção da Allianz no seu capital. Se tivesse comprado mais de 90%, o CaixaBank teria provavelmente excluído o banco da negociação.

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Novo dono, novos gestores?

A mudança de controlo acionista do BPI vai trazer novidades importantes à composição da administração do banco, sobretudo ao nível da liderança.

A dupla que foi a cara do BPI por mais de 30 anos manifestou, logo a seguir à OPA, a intenção de não fazer mais um mandato. Artur Santos Silva, o fundador do banco em 1985, já estava afastado de funções executivas desde 2004 quando indicou Fernando Ulrich como seu sucessor. Mas nos tempos instáveis que se viveram nos últimos anos, Santos Silva esteve sempre presente e ativo nos momentos mais decisivos para o banco, como presidente do conselho de administração.

Deixa agora a administração do banco, para ocupar um lugar criado para ele, o de presidente honorário.

A saída de Fernando Ulrich do cargo de presidente executivo é a mudança mais notada, ainda que o gestor estivesse já a entrar na idade que o afastaria do cargo por imposição dos estatutos. Ulrich justificou o afastamento de funções executivas com o argumento de que deveria ser um gestor do CaixaBank a assumir a liderança.

Vai, contudo, suceder a Santos Silva como presidente do conselho de administração.

CaixaBank indica espanhol para substituir Ulrich como presidente executivo do BPI

A maior surpresa foi a escolha de um espanhol — Pablo Forero — para a presidência executiva, uma proposta que rompe com alguma tradição do modelo de gestão escolhido por bancos espanhóis com operações importantes em Portugal e que apostava em gestores bancários nacionais, como foi o caso do Santander Totta, com António Horta Osório, Nuno Amado e, agora, António Vieira Monteiro.

De resto, os nomes propostos para o próximo mandato, e que serão eleitos esta quarta-feira, mostram alguma linha de continuidade. José Pena do Amaral, João Oliveira e Costa e Pedro Barreto transitam para a comissão executiva onde também entram nomes novos, portugueses — Alexandre Lucena e Vale, António Farinha de Morais e Francisco Manuel Barbeira — e espanhóis — Ignácio Alvarez Rendueles e Juan Ramon Fuertes.

O português António Lobo Xavier sobe a vice-presidente sem funções executivas.

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Quem é o novo presidente executivo do BPI?

Chama-se Pablo Forero e, na conferência de imprensa de apresentação da nova equipa, prometeu que na próxima aparição pública já iria falar em português. Um sinal de que a escolha de Forero para ser o homem do CaixaBank para liderar o BPI em Portugal não terá sido feita há muito tempo. Ainda assim, Forero entrou para o BPI como administrador não executivo na altura em que saíram António Domingues (para a CGD) e Edgar Ferreira Alves, do grupo Violas.

Daquilo que se escreve sobre Forero resulta que se trata de um verdadeiro gestor bancário profissional, muito discreto, de trato fácil e boa capacidade para reunir consensos. Apesar de ser um dos executivos mais importantes de uma instituição conotada com a Catalunha, Forero cresceu em Madrid e formou-se em Economia na Universidade Autónoma da capital espanhola, com especialização em macroeconomia.

Está no CaixaBank desde 2009, tendo sido nomeado diretor-geral da área de risco em 2013. Pablo Forero Calderón conta, ainda, com uma longa experiência internacional, tendo trabalhado 11 anos em Londres como responsável da sociedade JP Morgan Asset Management, onde esteve envolvido na experiência de integração do Chase/JP Morgan. Também passou, entre 1984 e 1990, pela consultora Arthur Andersen, onde dirigiu o departamento de auditoria.

O próprio Fernando Ulrich disse que “esta nova fase é diferente e entendo que deve ser protagonizada por alguém originário do CaixaBank, pelo menos, num período de anos inicial. Penso isto há muito tempo.”

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O BPI confirma o cenário de espanholização da banca?

O fantasma dos bancos espanhóis não é novo na economia portuguesa. Teve os seus episódios mais relevantes nos anos 1990 — o Banesto recorreu a meios dissimulados para assegurar o controlo do Totta e Açores, à revelia das autoridades portuguesas. Na viragem do milénio, o Santander fez um acordo para comprar o Grupo Champalimaud que mereceu a forte oposição do Governo de então.

O tema era sensível do ponto de vista político e causava incómodo aos empresários nacionais, o que teve como resultado uma reação fria às investidas espanholas na banca nacional. Ainda assim, alguns grupos conseguiram entrar, comprando bancos menores como o BCI (adquirido pelo Santander), o BNC (comprado pelo Popular) ou o Lloyds Bank Portugal (adquirido pelo BBVA).

Na passagem do milénio, o Santander faz a maior operação em Portugal, ganhando o controlo do Totta & Açores e do Crédito Predial Português que junta ao Santander Negócios, um banco liderado por Horta Osório.

E, até à crise financeira, a presença espanhola foi-se mantendo, com algum crescimento orgânico. Mas em 2015, no rescaldo do resgate a Portugal, duas operações (concretizadas já em 2016) aumentam o poder da banca espanhola — a compra da rede do Barclays pelo Bankinter e a cedência da parte boa do Banif ao Santander, numa resolução que custou muito dinheiro ao Estado e que é polémica.

“Espanholização” da banca: Subscritores desafiam Marcelo e Costa a atuar

A renovação da oferta do CaixaBank sobre o BPI e a possibilidade, a certa altura, de também o Novo Banco cair em mãos espanholas levantaram o alarme em alguns meios e chegou a ser lançado um manifesto contra o controlo estrangeiro de toda a banca, mas com poucos desenvolvimentos conhecidos.

Um ano depois, qual é, afinal, o peso dos investidores espanhóis na banca portuguesa? Com base nas estatísticas do primeiro semestre do ano passado, compiladas pela Associação Portuguesa de Bancos (APB), e usando alguns dados anuais para o Bankinter, as contas feitas pelo Observador dão aos bancos de capitais espanhóis cerca de 30% do mercado português em cinco indicadores. Foram considerados o Santander Totta, o Bankinter, o BBVA, o Banco Popular e, agora, também o BPI.

  • Balcões: 31,7%
  • Trabalhadores: 31%
  • Ativo: 29%
  • Recursos de clientes: 28%
  • Crédito concedido: 31,5%