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Como e quando começou a investigação?

A primeira resposta a esta perguntou chegou oficialmente através do Ministério Público e dava conta de que o ex-primeiro-ministro começou a ser investigado ainda em 2012, depois de uma comunicação suspeita feita por um banco. Soube-se mais tarde que em causa estaria um movimento de 600 mil euros na Caixa Geral de Depósitos resultante de um pagamento de Carlos Santos Silva à mãe de José Sócrates pela compra do seu apartamento na Rua Castilho, em Lisboa (no mesmo edifício onde Sócrates ainda detém um apartamento). Parte do valor depositado na conta de Maria Adelaide Monteiro terá sido, depois, transferido para José Sócrates.

Um ano antes, Santos Silva tinha comprado outros dois apartamentos de Maria Adelaide Monteiro, mas de valores inferiores: 100 mil e 75 mil euros, segundo noticiou a revista Sábado a 27 de novembro. Na altura, em 2011, Santos Silva estava já a ser investigado no âmbito de um outro processo por suspeitas de “ocultar património e rendimentos de terceiros”. A informação consta de um despacho do juiz Carlos Alexandre, no processo em que Sócrates é arguido, que faz remissão para o processo – em que se suspeita que Santos Silva teria ligações a “pessoas coletivas e singulares beneficiárias de esquemas de circulação de fundos com contas na Suíça”.

As escutas telefónicas a Sócrates só terão começado, porém, um ano depois, em 2013. Quando a investigação começou a dar os primeiros passos. Foram 330 dias de escutas em que os investigadores marcaram, sobretudo, as conversas com o seu amigo de infância Carlos Santos Silva.

Em maio de 2014 a revista Sábado e o Jornal Correio da Manhã davam conta que Sócrates estaria a ser investigado por causa do apartamento onde vivia em Paris, que foi comprado por Santos Silva. Na altura a Procuradoria-Geral da República negou, em comunicado, a investigação. Soube-se depois que a detenção de Sócrates tinha sido adiada por causa das eleições europeias. O Ministério Público não quis que os resultados fossem comprometidos, influenciados por um caso de polícia. A detenção chegou a ser pensada para julho, mas foi depois empurrada para novembro.

Por esta altura, avançou já o Correio da Manhã, Sócrates sabia que estava a ser investigado. Há uma escuta, feita ainda antes de a comunicação social levantar o véu sobre a investigação, que apanha o então administrador da Lusa, Afonso Camões, a advertir Sócrates da investigação. Ainda assim, a 30 de julho, Sócrates fez questão de desmentir a notícia da Sábado durante o seu comentário semanal na RTP, considerando-a uma “infâmia” e uma “verdadeira canalhice”.

O caso veio a confirmar-se em novembro, com a sua detenção.

Um dia antes de ser efetivamente detido, porém, o ex-primeiro-ministro ainda mandou retirar algumas provas de casa, nomeadamente computadores. Segundo o próprio ex-governante, numa entrevista à SIC, nesse dia – o mesmo em que os restantes arguidos no processo foram detidos – foram feitas buscas à casa do seu filho. Também buscas a uma casa da sua ex-mulher.

Face às movimentações em Lisboa, o advogado de Sócrates, João Araújo, foi de imediato ter com o ex-ministro – que se encontrava em Paris.

Foi de Paris que foi enviado um e-mail ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal dando conta de que Sócrates estaria disposto a prestar todos os esclarecimentos necessários. Foi por causa desta reunião que Sócrates terá adiado a viagem de regresso a Lisboa, segundo o seu argumento. No dia seguinte, porém, acabou por ser detido mal chegava ao aeroporto de Lisboa.

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Estão em causa atos praticados enquanto primeiro-ministro?

Estão em causa atos praticados antes, durante e depois de José Sócrates ser primeiro-ministro. São quase dez anos de movimentos financeiros que o Ministério Público considera suspeitos e que está a investigar para apurar se houve crime.

Segundo a resposta do juiz Carlos Alexandre ao Supremo Tribunal de Justiça, para apreciação do quinto pedido de habeas corpus (este interposto pela defesa de Sócrates), quando foi sujeito a primeiro interrogatório judicial, o ex-primeiro-ministro foi confrontado com um “acervo financeiro no estrangeiro no período entre o início do ano 2000 e o final do ano 2009”.

A resposta à carta rogatória enviada às autoridades suíças a pedir informações, só recebida em fevereiro de 2015, permitiu ao Ministério Público identificar “a data em que fundos entraram na esfera do arguido Carlos Santos Silva” permitindo quantificar os valores entre 2007 e 2009 – período em que Sócrates era, sim, primeiro-ministro.

Este esclarecimento de Carlos Alexandre serviu para justificar aos advogados de Sócrates, João Araújo e Pedro Delille, que não houve “uma alteração temporal” dos crimes imputados ao primeiro-ministro. A defesa alega, na petição enviada ao Supremo, que só soube que os crimes se referiam à altura em que Sócrates era primeiro-ministro depois de ler o parecer enviado pelo Ministério Público ao Tribunal da Relação (ver pergunta sobre os recursos).

É aqui que entra um dado importante do processo: em 2005, Sócrates – enquanto primeiro-ministro – criou o Regime Excecional de Regularização Tributária, do qual Santos Silva beneficiou para trazer para Portugal o dinheiro que tinha numa conta na Suíça. O Correio da Manhã fala em 25 milhões de euros, outros jornais têm apontado para 23 milhões.

De acordo com o semanário Sol, uma parte desse valor, suspeita o Ministério Público, pertenceria a José Sócrates. E terá sido pelo ajuste desse valor que o ex-primeiro-ministro recebeu várias quantias em dinheiro (depois de sair de São Bento) do empresário e amigo de infância. O Expresso escreveu já que, nestes três anos, Sócrates recebeu dali mais de 500 mil euros.

Sócrates já afirmou várias vezes que tal não passou de um empréstimo que tenciona pagar. Dinheiro que precisou para se manter em Paris, enquanto fazia um mestrado e enquanto o seu filho também ali estudava. O Correio da Manhã fez contas ao seu estilo de vida e chegou à soma de 15 mil euros/mês. O Sol disse que ele frequentava os melhores restaurantes de Paris. Além do dinheiro emprestado, refere Sócrates, o ex-governante recorreu também a um empréstimo que pediu à Caixa Geral de Depósitos, de 120 mil euros, logo após abandonar o Governo, em 2011 – e que diz agora já ter pago.

A questão dos crimes alegadamente praticados enquanto primeiro-ministro também motivou uma reação da defesa em relação à competência do tribunal que devia estar a conduzir a investigação. Pode ler mais sobre isto na pergunta referente aos recursos.

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Quando é que Socrates foi detido? E porque é que isso foi polémico?

José Sócrates foi detido na noite de 21 de novembro de 2014, no aeroporto de Lisboa, às 22h30. O ex-primeiro-ministro regressava de uma viagem a Paris. A SIC Notícias captou imagens do carro da PSP a sair do parque de estacionamento com o ex-governante no interior – o que de imediato serviu à defesa para se queixar de fugas de informação vindas da própria investigação. Sócrates e os seus advogados têm-se queixado inúmeras vezes disso a propósito das notícias de jornais que falam do processo, como veremos mais à frente.

Sócrates passou essa noite sob detenção nas instalações do Comando Metropolitano da PSP de Lisboa, em Moscavide. No dia seguinte foi presente ao juiz de instrução criminal, Carlos Alexandre, para aplicação da medida de coação. O interrogatório prolongou-se durante três dias.

https://www.youtube.com/watch?v=o9i3vPwOIZo

José Sócrates já sabia que ia ser detido e chegou a pedir para ser ouvido pelas autoridades poucas horas antes da detenção no aeroporto de Lisboa, contou o Público a 18 de dezembro. Aliás, a detenção judicial de José Sócrates foi determinada a 18 de novembro. E o próprio já confirmou. A defesa do ex-primeiro-ministro pretendia mostrar que Sócrates estava disponível para colaborar com as autoridades e que não teria qualquer intenção de sair do País.

No entanto, o juiz não esqueceu que Sócrates tinha, também, uma viagem marcada para o Brasil, a 24 de novembro. Uma viagem de trabalho para a Octapharma, que o dispensou de funções logo a seguir a tomar conhecimento da sua prisão preventiva. Esta viagem foi, aliás, um dos fundamentos que Carlos Alexandre utilizou para decretar a prisão preventiva. Um fundamento que o Tribunal da Relação de Lisboa já decidiu não ser assim tão evidente.

E os outros detidos?

Carlos Santos Silva, amigo e ex-administrador do Grupo Lena, o advogado Gonçalo Ferreira e João Perna, motorista de Sócrates, foram detidos na véspera, uma quinta-feira, dia 20 de novembro.

Durante sexta-feira, dia 21, o dia em que Sócrates seria detido, estes três homens foram presentes ao juiz de instrução criminal para interrogatório, que teria seguimento no sábado, informou posteriormente a Procuradoria-Geral da República (PGR).

“Foram ainda realizadas buscas em vários locais, tendo estado envolvidos nas diligências quatro magistrados do Ministério Público, e sessenta elementos da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Polícia de Segurança Pública (PSP), entidades que coadjuvam o Ministério Público nesta investigação. O inquérito, que investiga operações bancárias, movimentos e transferências de dinheiro sem justificação conhecida e legalmente admissível, encontra-se em segredo de justiça”, podia ler-se na nota da PGR enviada às redações.

A advogada do empresário Santos Silva e do advogado Gonçalo Ferreira já levantou algumas questões sobre as detenções. Num artigo publicado na revista da Ordem dos Advogados, Paula Lourenço (sem se referir concretamente ao processo, mas dando várias referências ao mesmo) acusa o Ministério Público de “sequestro”. Tece ainda acusações graves relativamente às buscas que foram feitas, logo depois da detenção, às casas dos dois suspeitos.

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Quem são os arguidos no processo e de que crimes são suspeitos?

No inquérito com o número 122/13.8TELSB estão a ser investigados os crimes de fraude fiscal, corrupção e branqueamento de capitais.

José Sócrates Pinto de Sousa, que já foi ministro do Ambiente e primeiro-ministro é suspeito de fraude fiscal qualificada, corrupção e branqueamento de capitais. O Ministério Público suspeita que tenha recebido dinheiro por determinados negócios e que o seu amigo e empresário, Santos Silva, serviu de testa-de-ferro. Ou seja, guardou o dinheiro e foi-lhe devolvendo em tranches. Poderá ainda ter dado o nome e a cara por negócios que eram, afinal, de Sócrates.

Carlos Manuel dos Santos Silva, um empresário com várias empresas e ligado ao Grupo Lena, amigo de curso de José Sócrates, é suspeito de fraude fiscal qualificada, corrupção e branqueamento de capitais. Antes deste processo, o empresário, que chegou a partilhar casa com Sócrates nos tempos de estudante, já estava a ser investigado por suspeitas de ter ligações a empresas e a particulares a quem ‘lavaria’ dinheiro através de contas que tinha na Suíça.

João Pedro Perna, trabalhava como motorista de José Sócrates desde 2011. Antes ainda trabalhou na campanha do PS. Foi a irmã, funcionária do partido, que lhe encontrou aquele trabalho. Quando foi detido, no entanto, Perna já estava à procura de outro emprego, apurou o Observador. Queixava-se que servia de motorista muitas horas e a muitas pessoas (amigos e familiares de Sócrates). É suspeito de transportar quantias de dinheiro para José Sócrates. O advogado, Ricardo Candeias, diz que, mesmo que ele tenha transportado envelopes com dinheiro, nunca se terá apercebido disso. É suspeito de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e detenção de arma proibida. Porquê a fraude? Porque não declarava às Finanças o ordenado completo.

Gonçalo Nuno Mendes da Trindade Ferreira, advogado especialista em direito administrativo é suspeito de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. Foi ele que representou Carlos Santos Silva e a mãe de Sócrates na escritura dos negócios de compra e venda das casas que ela vendeu ao empresário. Foi o único a ser ouvido pelo juiz e libertado.

Paulo Lalanda e Castro, administrador da farmacêutica Octapharma foi constituído arguido no âmbito da “Operação Marquês”, depois de ter sido ouvido em fevereiro, “a seu pedido”, pelo procurador Rosário Teixeira. É suspeito de fraude fiscal. Está em liberdade.

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Quais as medidas de coação aplicadas e os fundamentos?

A 24 de novembro, já passava das 22h00, a escrivã do Tribunal Central de Instrução Criminal anunciou à comunicação social o que estava em causa no processo que levou à detenção de um ex-primeiro-ministro “a fim de salvaguardar a tranquilidade pública”. Tinham passado quatro dias de primeiro interrogatório judicial dos quatro arguidos. A escrivã disse que, no inquérito, investigavam-se crimes de fraude fiscal qualificada, corrupção e branqueamento de capitais. E que foram aplicadas as seguintes medidas de coação:

José Sócrates Pinto de Sousa, prisão preventiva

Carlos Manuel dos Santos Silva, o empresário e amigo de Sócrates: prisão preventiva

João Pedro Soares Antunes Perna, o motorista: a medida de coação de prisão preventiva;

Gonçalo Nunes Mendes da Trindade Ferreira, o advogado, obrigação de proibição de contactos com os demais arguidos, proibição de ausência para o estrangeiro e apresentações periódicas.

Não foram anunciados quaisquer fundamentos. Só a 3 de dezembro, em resposta ao primeiro pedido de habeas corpus entrado no Supremo Tribunal de Justiça, se tornaram públicos os fundamentos da prisão do ex-primeiro-ministro.

O juiz Carlos Alexandre disse ao Supremo que Sócrates fora detido sob suspeitas de fraude fiscal qualificada, corrupção e branqueamento de capitais e “por se verificarem os perigos de fuga e de perturbação da recolha e conservação da prova”. Para tal justificou que Sócrates tinha viagem marcada para o Brasil; alterou a viagem de regresso de Paris; e que no dia em que os coarguidos foram detidos, assim como no dia em que Sócrates regressou a Portugal, foram retirados vários objetos da sua casa, nomeadamente computadores.

O juiz Carlos Alexandre quis, ainda, evitar que Sócrates tivesse contacto com as entidades bancárias onde pode haver dinheiro seu, nomeadamente na Suíça. Segundo o Jornal de Notícias, o despacho que decreta a prisão preventiva do ex-governante fala em “cooperação internacional” essencial na investigação. E Sócrates em liberdade poderia, com os seus contactos, prejudicar o Ministério Público no seu trabalho.

Os fundamentos usados para a prisão preventiva do motorista de Sócrates, João Perna, foram também conhecidos depois de ele ter pedido para ser novamente ouvido. Segundo o seu advogado, Ricardo Marques Candeias, houve “factos supervenientes” posteriores à sua prisão preventiva. O juiz Carlos Alexandre acedeu ao pedido, ouviu-o e acabou por mandá-lo em prisão domiciliária. Os outros arguidos mantêm-se com a mesma medida de coação, apesar dos recursos interpostos. As medidas de coação são reavaliadas a cada três meses.

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Voltando, então, à investigação: quais são as suspeitas?

Estarão em causa milhões de euros que os investigadores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, auxiliados de peritos das Finanças, tentaram mapear nos últimos dois anos. Isto é, do dinheiro que circulou entre Sócrates e Carlos Santos Silva, com a ajuda do motorista João Perna e do advogado Gonçalo Trindade, os investigadores tentaram perceber qual a origem e se este foi ou não declarado.

Sócrates é indiciado pelo crime de corrupção, ou seja, é suspeito de ter recebido “luvas” para favorecer determinados negócios quando era primeiro-ministro, ou ainda antes disso. Desconhece-se para já o valor concreto e quais terão sido os negócios com os quais terá lucrado, mas a comunicação social tem desvendado algumas pontas – nem todas coincidentes.

O Correio da Manhã, por exemplo, diz que em causa estão 25 milhões de euros – e que foi este o valor que Carlos Santos Silva, administrador do Grupo Lena e dono de uma mão cheia de empresas (que nas últimas décadas fizeram negócios com dezenas de autarquias e com o Estado), transferiu de uma conta na Suíça ao abrigo do regime Excecional de Regularização Tributária, pagando apenas 5% de imposto sobre o valor. O Expresso fala em 23 milhões.

O jornal Sol diz que esse dinheiro terá sido depositado numa conta do BES em nome de Santos Silva e que, entre 2011 e 2014, foi sendo transferido para José Sócrates. Como se de um pagamento se tratasse. Acrescentando que houve 40 entregas de um total de um milhão e meio de euros em dinheiro, numa média de 33 mil euros por mês. Como já vimos, o Expresso fala ‘apenas’ de 500 mil euros movimentados entre Sócrates e Santos Silva em três anos.

Mas, já depois de os suspeitos terem sido detidos, o Ministério Público fez buscas a uma dependência do Barclays e terá encontrado um milhão de euros em notas, guardados num cofre pertencente a Santos Silva. O empresário é titular de dezenas de contas bancárias em vários bancos. São cerca de 18 milhões de euros que não podem ser tocados até se perceber de onde vem e o processo avançar. Essa será aliás a maior dificuldade dos investigadores: provar a proveniência dos valores e os consequentes crimes de corrupção, branqueamento e fraude.

As autoridades também fizeram buscas em duas dependências do Deutsche Bank, em Lisboa. Na altura a SIC referiu que seria neste banco que Santos Silva, e supostamente Sócrates, teriam um fundo de investimento imobiliário fechado para onde queriam transferir o património agora sob investigação.

Para constituir um destes fundos é necessário um mínimo de cinco milhões de euros em património. Santos Silva terá património avaliado em 5,5 milhões de euros – onde se inclui a casa que comprou em Paris – e que Sócrates depois habitou. E ainda outras duas casas que pertenciam à mãe do ex-primeiro-ministro.

O Ministério Público está, também, a averiguar se estes imóveis em nome do empresário são de facto dele. E quais é que seriam transferidos para o fundo de investimento. Houve também buscas a uma dependência do BPI.

Sócrates diz que Carlos Santos Silva comprou os apartamentos à sua mãe porque queria investir em Lisboa.

Também o advogado Gonçalo Trindade Ferreira, detido mas libertado após interrogatório, chegou a levantar cheques no Banco Espírito Santo que seriam destinados ao ex-primeiro ministro. Foi também ele quem fez as escrituras das vendas das casas, representando as duas partes: vendedor e comprador.

Sócrates disse em interrogatório que todos estes valores (o dado em dinheiro) seriam apenas um “empréstimo”, que serviu para pagar os seus gastos em Paris, onde esteve a estudar Filosofia. E que a venda das casas da mãe foram uma oportunidade imobiliária que o amigo quis aproveitar. É, aliás, o que tem argumentado em todas as entrevistas que deu.

A investigação, por seu lado, crê que Santos Silva era o seu testa-de-ferro. Das respostas do Tribunal Central de Instrução Criminal aos tribunais superiores também já foi possível concluir que em causa está todo um “acervo financeiro” conseguido entre 2000 e 2009, são quase dez anos de movimentos suspeitos. Sendo que as informações vindas da Suíça já permitem quantificar alguns valores num período em que Sócrates era primeiro-ministro.

Voltemos a Paris: Quando chegou lá, em 2011, Sócrates foi viver para o 16 Arrondissement, uma zona onde um apartamento pode custar 4 mil euros mensais. O Ministério Público tentou perceber como é que o ex-ministro podia viver sem trabalhar. Ele disse sempre que tinha pedido um empréstimo à CGD. Mas o valor é quase o valor do carro que comprou a leasing e com o qual andava sempre com um motorista. Falamos de um Mercedes de 90 mil euros. O empréstimo foi de 120 mil.

“Sinceramente não me parece que pedir dinheiro emprestado a um amigo seja um crime”, respondeu por escrito à TVI, a partir da cadeia de Évora onde se encontra em prisão preventiva. Em Paris, segundo disse Sócrates numa carta enviada ao Diário de Notícias escrita na cadeia de Évora, o ex-governante viveu numa casa do amigo Santos Silva. Depois a casa foi alvo de obras e ele teve que sair. O ex-primeiro-ministro diz que viveu com o filho (que também estava a estudar em Paris) em hotéis até encontrar o tal apartamento no 16 Arrondissement. Ainda assim, como é que Sócrates podia pagar a vida que levava? “Mesquinhez” pensar o contrário, disse ele noutra entrevista, desta vez à SIC.

Mas se o Ministério Público desconfia que aquele dinheiro (das transferências e propriedades) pode ser do próprio Sócrates, ele seria a troco de quê?

Durante o interrogatório, apurou o Jornal i, José Sócrates terá sido confrontado apenas com um indício de crime de corrupção, relativamente a um favor que terá pedido para que o Grupo Lena conseguisse um negócio em Angola. O episódio nasceu de uma escuta, onde alegadamente Sócrates ligava ao vice-Presidente de Angola, pedindo para que recebesse os representantes do Grupo, “pessoas a quem” Sócrates dizia dever “atenções”.

O telefonema foi confirmado pelo próprio Sócrates à SIC.

O ex-governante diz que almoçou com um administrador do Grupo Lena e com o empresário e amigo Santos Silva em setembro de 2014 – data muito posterior à sua saída de São Bento. Queriam que ele telefonasse ao vice-presidente angolano para que ele atendesse o Grupo Lena para futuros negócios naquele país. Sócrates diz que fez o mesmo com muitas outras empresas: acedeu, com o objetivo único de abrir portas para empresas portuguesas. Mas garantiu que nunca ganhou nada com isso e que, enquanto governante, só teve encontros meramente oficiais com os representantes destas empresas, nomeadamente do Grupo Lena. O próprio Grupo tem enviado vários comunicados onde se desmarca de qualquer situação irregular.

O advogado de Sócrates, João Araújo, tem referido que o seu constituinte não foi confrontado em interrogatório com os crimes de que é suspeito. Na resposta ao recurso que Sócrates apresentou sobre a sua prisão preventiva, o procurador Rosário Teixeira terá sido mais preciso do que nunca, ligando diretamente Sócrates aos negócios conseguidos pelo Grupo Lena.

Chegados aqui, talvez seja bom sistematizar que o que já se sabe sobre o processo.

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Voltando atrás: ponto a ponto, que pistas há sobre o processo?

  • O dinheiro que veio da Suíça: Foi já em 2005 que Sócrates, enquanto primeiro-ministro, criou o Regime Excecional de Regularização Tributária, do qual Santos Silva beneficiou para trazer para Portugal o dinheiro que tinha numa conta na Suíça. Os dados referentes a essa conta já chegaram às mãos do MP, depois de terem sido pedidos em 2013. O MP investiga movimentos ocorridos entre 2000 e 2009, mas a resposta das autoridades suíças já permitiu tirar conclusões no período entre 2007 e 2009.
  • A multinacional suíça Octapharma: José Sócrates era, desde janeiro de 2013, o presidente do conselho consultivo para os mercados da América Latina desta farmacêutica. Nos dias que antecederam a sua detenção, a filial da farmacêutica, em Lisboa, foi alvo de buscas. Já no dia em que ficou em prisão preventiva, a empresa, com sede na Suíça, emitiu um comunicado dando conta da disponibilidade para colaborar com as autoridades e cessando as funções do ex-primeiro-ministro.
    Dias depois, uma bomba caía no outro lado do Atlântico: as autoridades brasileiras anunciaram uma operação em que a Octapharma e o seu responsável em Portugal, Paulo Lalanda e Castro, são suspeitos de fraude em negócios com o Ministério da Saúde. Em fevereiro Sócrates chegou a ir ao Brasil para um encontro com o então ministro da Saúde. Também no mês em que foi detido tinham uma viagem marcada para o Brasil.
    Mas há mais cruzamentos entre estas histórias: Lalanda e Castro, refere o jornal Sol, recebia mensalmente 12 mil euros de uma offshore em nome de Santos Silva. Este valor seria depois transferido para José Sócrates – suspeita o MP. Desconhece-se se seria o salário que recebia pelos serviços na farmacêutica ou se seria uma forma suspeita de receber dinheiro do empresário e amigo Santos Silva. Lalanda e Castro, depois de todas as notícias que o envolviam, pediu para ser ouvido no âmbito do processo. Acabou constituído arguido no processo, mas está em liberdade.
  • Duas outras empresas, o mesmo homem: O jornal Expresso encontrou outras ligações: em 2014 a empresa Intelligent Life LCP, sediada em Londres e controlada por Lalanda e Castro, recebeu duas transferências do Grupo Lena, através da Lena Serviços Partilhados (a empresa que gere os recursos humanos e a contabilidade do grupo). O valor seria parte do pagamento de um contrato celebrado entre o Grupo Lena e a XMI (uma empresa administrada pelos administradores do Grupo Lena em sociedade com Santos Silva). A XMI terá subcontratado a empresa de Lalanda. Objetivo: controlar a instalação de equipamentos numa série de hospitais que o Grupo Lena está a construir na Argélia. Meses depois deste contrato, Sócrates foi contratado por Lalanda para prestar serviços numa outra sua empresa: a Dynamicspharma (trabalho acumulado com o da Octapharma). O MP está a investigar se foi uma manobra para receber dinheiro do Grupo Lena.
  • O milhão de euros num cofre e os investimentos imobiliários. As autoridades identificaram várias contas bancárias em nome de Santos Silva pelo país. Já depois de os arguidos estarem presos, o juiz Carlos Alexandre autorizou uma busca numa dependência do Barclays em Lisboa. Foi encontrado um milhão de euros em notas num cofre. Desconhece-se a sua proveniência, mas o MP acredita que o dinheiro possa ser de Sócrates. O juiz ordenou que o valor fosse depositado numa das contas já congeladas do empresário. Tudo “mentiras” alega José Sócrates.
    Numa outra busca na capital, a uma dependência do Deutsche Bank, foi detetado um fundo de investimento imobiliário para onde Santos Silva transferiu quatro de uma dezenas de imóveis em seu nome. Quais? Todos aqueles que tinha pertencido à mãe de Sócrates (um na Rua Castilho e outros dois de valor mais baixo) e o apartamento de Paris. Segundo o Jornal i, esta seleção de imóveis leva o Ministério Público a adensar as suas suspeitas: estes imóveis continuam a pertencer a José Sócrates. E sendo colocados num fundo fechado a sua compra e venda será dificilmente controlável.
  • As malas de dinheiro para Paris. Já se falou em malas, mas o advogado do motorista João Perna chamou-lhe, possivelmente, envelopes. As suspeitas apontam para que João Perna se deslocaria a Paris para levar vastas quantias de dinheiro ao patrão, dadas por Santos Silva. Sócrates nega e diz que o seu carro nunca passou de Espanha, onde chegou a ir de férias. No entanto, o advogado João Araújo, disse que o carro chegou a ir a Badajoz… para uma revisão do carro. O advogado Ricardo Marques Candeias, que representa o motorista, já disse que “João Perna saiu efetivamente de Portugal”. “O João Perna ignora de todo que tenha havido transporte de dinheiro. Ignora porque exerceu as suas funções de motorista, fê-lo às ordens de alguém que era ex-primeiro-ministro, fê-lo no cumprimento daquilo que eram as suas obrigações. Poderá não haver transporte e havendo transporte, ele poderia ignorar o que transportava”, disse o advogado à RTP.
  • Casas + dinheiro. Juntando os últimos dois pontos, o MP crê que Carlos Santos Silva entregou 500 mil euros em dinheiro a Sócrates nos últimos três anos. E junta a isto a compra das casas à mãe do ex-primeiro-ministro – em que pelo menos 450 mil euros acabaram por reverter para este (da venda da casa da Heron Castillo). Mais a compra do apartamento de Paris, por ele habitado por mais de um ano.
  • Os negócios da bola. Outra suspeita que consta no despacho que fundamenta a prisão preventiva de Sócrates, e divulgada pelo Diário de Notícia, está relacionada com o negócio dos direitos televisivos da Liga Espanhola de Futebol – que Sócrates terá participado através do seu amigo Carlos Santos Silva. O Ministério Público suspeita que o dinheiro usado neste negócio tenha tido origem nos 23 (ou 25) milhões de euros transferidos da Suíça para Portugal, e que serão de José Sócrates. Deste valor, algum terá sido transferido para o ex-primeiro-ministro para despesas pessoais, como viagens. E uma parte terá sido aplicada nos direitos televisivos da Liga Espanhola através da empresa Worldcom, de Rui Pedro Soares, ex-administrador da PT e atual presidente da SAD do Belenenses – intercetado nas escutas do processo Face Oculta, numa tentativa de compra da TVI.
    Carlos Santos Silva terá sido apresentado a Rui Pedro Soares por Emídio Rangel na altura em que o ex-administrador da PT queria lançar um jornal. O empresário foi-lhe apresentado como um potencial investidor. E acabaria por entrar com capital na empresa Worldcom, que estava a negociar com a Mediapro os direitos televisivos da Liga Espanhola, através de uma empresa com sede em Barcelona, a Walton Grupo Inversor. O financiamento, feito através de uma conta do BES, terá sido de dois milhões de euros. Mais tarde, quando a Worldcom foi vendida ao empresário Miguel Pais do Amaral, foi depositado mais de um milhão de euros numa conta do BES. Conta esta que o Ministério Público acredita servir para pagar as despesas a Sócrates.
  • As ligações a Lula da Silva. A questão foi levantada pelo jornal i: o Ministério Público estará a investigar as relações de Sócrates com o ex-presidente do Brasil. Melhor dizendo, as autoridades estão a investigar as ligações de Sócrates a uma construtora brasileira – a Odebrecht – ligada ao ex-presidente. Terá sido a convite dessa empresa que Lula da Silva veio a Portugal em 2013. Foi por esta altura que Sócrates apresentou o seu livro. A empresa brasileira Odebrecht detém a Bento Pedroso Construções, que integrou uma série de consórcios que venceram obras públicas durante o governo socialista de Sócrates. Entre essas obras está a construção do TGV entre Poceirão e Caia. Do consórcio fazia também parte o Grupo Lena. As obras acabaram abortadas por Passos Coelho.
  • O Grupo Lena e o telefonema para Angola. O Grupo Lena – que num consórcio com outras empresas ganhou, entre 2009 e 2011, 137,8 milhões de euros com a Parque Escolar – tem emitido vários comunicados a desmentir que Carlos Santos Silva seja administrador do Grupo e que a empresa tenha sido favorecida pelo ex-primeiro-ministro José Sócrates. No entanto, Carlos Santos Silva já foi administrador e, segundo os registos empresariais, é proprietário de várias empresas – algumas delas em sociedade com o próprio Grupo Lena. O próprio Santos Silva tem também vários serviços declarados prestados ao Grupo Lena.
    Dado importante: segundo o Público, que recuperou todos os rendimentos pagos a Santos Silva nos últimos 18 anos, só foram declarados ao fisco 4,7 milhões de euros pagos ao empresário neste período – pelo serviço a várias empresas, algumas de que é proprietário. A pergunta sobre de onde vêm os 23 milhões ganhou, assim, nova relevância.
    Em entrevista à SIC, José Sócrates afirmou que durante o seu mandato à frente do Governo só esteve com administradores do Lena em meras circunstâncias oficiais. Mas admitiu ter ligado ao vice-presidente angolano, Manuel Domingos Vicente – num telefonema identificado nas escutas, onde terá alegado serem “pessoas a quem devo favores”.
    De salientar ainda que Manuel Vicente foi presidente da Sonangol – a empresa angolana que juntamente com a brasileira Odebrecht (de Lula da Silva) integra a Companhia de Bioenergia de Angola (Biocom).
  • O Grupo Lena e a Venezuela: Sócrates recusa, também, ter ajudado o Grupo Lena em negócios na Venezuela – aparentemente, um negócio na mira do MP. Numa das entrevistas que deu, justificou esse negócio com um acordo entre Venezuela e Portugal que resultou em projetos para várias empresas.
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O que é que Sócrates já disse desde que foi preso?

Tudo começou a 26 de novembro, cinco dias após a detenção no aeroporto de Lisboa, com uma carta ao Público e TSF, ditada ao seu advogado, João Araújo. A três dias do XX Congresso do Partido Socialista, a preocupação do ex-governante era separar as águas. Sócrates não queria ver colagens entre a caminhada do partido e a sua detenção.

“Este é um caso da Justiça e é com a Justiça Democrática que será resolvido. Este processo é comigo e só comigo. Qualquer envolvimento do Partido Socialista só me prejudicaria, prejudicaria o partido e prejudicaria a democracia”, explicou.

Mesmo assim, deixava claro que entendia que havia “contornos políticos” na sua detenção, que considerou um “abuso de poder” e uma infâmia”.

No primeiro dia de dezembro chegou outra carta, desta vez à redação da RTP, na qual disse com clareza que, apesar de ser “difícil falar”, não faria o “favor de ficar calado”. Desta vez pediu ao advogado que só entregasse a carta depois do Congresso do PS. E partiu para a a sua defesa. A primeira mais concreta. Explicou, então, onde viveu em Paris e a decisão da sua mãe de vender dois apartamentos.

“No primeiro ano [em Paris] vivi num apartamento arrendado. Depois, de setembro de 2012 a julho de 2013, vivi num apartamento que me foi emprestado pelo meu amigo eng. Santos Silva, que o comprou para arrendar ou vender, que é a situação dele. Saí quando começaram as obras”, escreveu. “No princípio deste ano [2014], depois de uns meses a viver com a família em hotéis, arrendei outro apartamento que mantenho atualmente como minha residência em Paris.”

Três dias depois, mais uma carta. O destinatário foi o Diário de Notícias, a 4 de dezembro. Desta feita voltou a afiar o lápis e disparou em várias direções, com olhos postos no MP e no juiz Carlos Alexandre: “o ‘sistema’ vive da cobardia dos políticos, da cumplicidade de alguns jornalistas; do cinismo das faculdades e dos professores de Direito e do desprezo que as pessoas decentes têm por tudo isto.”

“Prende-se para melhor se investigar. Prende-se para humilhar, para vergar. Prende-se para extorquir, sabe-se lá que informação. Prende-se para limitar a defesa: sim, porque esta pode ‘perturbar o inquérito’. Mas prende-se, principalmente, para despersonalizar. Não, já não és um cidadão face às instituições; és um ‘recluso’ que enfrenta as ‘autoridades’: a tua palavra já não vale o mesmo que a nossa. Mais que tudo — prende-se para calar”. É assim que José Sócrates começa a sua defesa.

Para o ex-primeiro-ministro, a sua prisão preventiva serve para não poder defender-se, “para calar”. No final da carta, lançou a pergunta: “Quem nos guarda dos guardas?”

A 2 de janeiro, numa resposta à TVI, surgiu a defesa mais detalhada e longa. A razão? “Dou esta entrevista em legítima defesa”, assim começou.

“Em legítima defesa contra a sistemática e criminosa violação do segredo de justiça; e contra a divulgação de ‘informações’ manipuladas, falsas e difamatórias. Em legítima defesa contra a transferência do julgamento para uma praça pública onde só pode fazer-se ouvir uma voz e onde só pode circular livremente uma versão deturpada das coisas. Em legítima defesa contra uma agressão feita cobardemente, a coberto do anonimato, como é típico dos aparelhos burocráticos onde reina o ‘governo de ninguém’ – ‘ninguém’ o exerce, ‘ninguém’ presta contas.”

As perguntas da TVI chegaram-lhe às mãos através de João Araújo, o advogado, pouco depois de ter sido proibido pela Direção Geral dos Serviços Prisionais de dar uma entrevista ao jornal Expresso. Sócrates disse não ter sido confrontado, em primeiro interrogatório judicial, com “factos quanto mais com provas”.

“(…) Apesar da minha insistência, nunca, em nenhum momento, nem a acusação nem o juiz foram capazes de me dizer quando e como é que fui corrompido, onde ou sequer em que país do mundo essa corrupção aconteceu, nem por quem, a troco de quê, qual a vantagem que obtive ou qual a que concedi, lícita ou ilícita. Nada, rigorosamente nada!”

Acusou o processo de ser uma “caixinha de presunções, em que as presunções assentam umas nas outras numa construção elaborada mas absolutamente delirante.” Disse que a prisão só servia como “prova aos olhos da opinião pública”. E que as detenções de Carlos Santos Silva e João Perna “são ambas, cada uma à sua maneira, injustas e injustificadas”

“Confirmo, sem qualquer problema, que face a algumas dificuldades de liquidez que atravessei em certos momentos, sobretudo desde que tive parte da minha família em Paris e eu próprio vivi entre Lisboa e aquela cidade, recorri várias vezes a empréstimos que o meu amigo Carlos Santos Silva me concedeu para pagar despesas diversas. Mas, sinceramente, não me parece que pedir dinheiro emprestado a um amigo seja crime, nem aqui nem em nenhuma parte do mundo!”, disse.

Sócrates negou que João Perna lhe tivesse levado dinheiro a Paris e garantiu nada ter a ver com os negócios com o amigo Carlos Santos Silva ou com Rui Pedro Soares, como se chegou também a avançar. Na altura, ao contrário do que veio depois a ser revelado através das escutas, Sócrates dizia não saber que estava a ser investigado. Aliás, mesmo depois das escutas em que é fala com o agora diretor do Jornal de Notícias, Afonso Camões, o ex-primeiro-ministro diz que desvalorizou essa informação. Pensou que era um “rumor”.

“Não, não sabia [que estava a ser investigado], não fazia a mínima ideia (até às buscas em casa do meu filho). Tento não ligar muito aos rumores e dou algum desconto às notícias de certos jornais.”

Na entrevista que concedeu, também por escrito, à SIC, admitiu ter intercedido pelo Grupo Lena junto do governo angolano, como aliás fez com outras empresas. Mas anos depois de deixar o Governo, refere-se a 2014. Reiterou que os valores recebidos pelo seu amigo e empresário Santos Silva não passaram de um empréstimo numa fase mais complicada da sua vida, e que pretende pagar. Relativamente ao facto de poder levar uma vida em Paris acima das suas possibilidades, o ex-governante é perentório: chama-lhe “mesquinhez” e recusa-se a alimentar o que chama de “julgamento moral”.

“Quanto aos movimentos financeiros alegadamente suspeitos, já explique o essencial que havia a explicar: o engenheiro Carlos Santos Silva fez-me empréstimos que sempre tencionei e tenciono pagar. Essa é a verdade e não constitui crime”, afirmou.

Paralelamente aos “empréstimos” do amigo, que o Ministério Público suspeita serem pagamentos de valores recebidos por Sócrates enquanto primeiro-ministro e pagos através do empresário Santos Silva, Sócrates afirma ter vivido, também, com um empréstimo contraído na Caixa Geral de Depósitos. Que já liquidou.

“O facto de ter tido dificuldades de liquidez num certo período da minha vida não significa que não tivesse um horizonte financeiro, pessoal e familiar, compatível com o meu nível de despesas”, diz.

Ou seja, Sócrates acreditava que vingaria depois de terminar o mestrado em Paris. E o “estilo de vida” que outros (e refere o jornal “Correio da Manhã” como exemplo) dizem “dispendioso”, não passa de uma “campanha” que afirma ter sido erguida contra si. Mas nunca responde às questões concretas sobre esse modo de vida – nem diz quanto pediu e quando a Santos Silva.

Mas Sócrates não poupa críticas a sistemáticas “violações do segredo de justiça” por parte do “Ministério Público”. Chama-lhe de “fugas seletivas” que já originaram um processo por violação de segredo de justiça.

O ex-governante referiu que as suas “intervenções sistemáticas” na comunicação social se devem a isso mesmo. “Face a reiterados crimes de violação do segredo de justiça, de teor sempre favorável ao Ministério Público acha que o que realmente perturba o inquérito é o exercício legítimo do direito de defesa de honra. Logo, a seguirmos esse raciocínio, a defesa do arguido é em si “perturbadora”, critica.

“Depois das buscas (…) não era preciso ser adivinho, nem ter informações privilegiadas, para calcular que havia um processo contra mim”, disse.

9

Como era o discurso de Sócrates antes de ser preso?

“Nem sabia que existiam vidas assim, vidas tão boas. Nunca tinha tido uma vida dessas”. O balanço da sua estadia em Paris foi feito a Clara Ferreira Alves numa entrevista ao Expresso em outubro de 2013.

Nesta altura José Sócrates acabara de publicar o livro “A Confiança no Mundo”, cujo prefácio foi escrito por Lula da Silva, o seu “melhor amigo dos tempos da ação política”. Estava de bem com a vida e, segundo a Clara Ferreira Alves, respondeu a todas as perguntas. À semelhança do que respondeu, já depois de preso, à SIC para descrever o seu “estilo de vida”, também chamou de “mesquinhez” ao pensamento de que teria ido estudar para Paris para calar as bocas polémicas em tornou da sua licenciatura.

José Sócrates falou da infância, da família, das saudades do irmão.

“A minha mãe era filha de um tipo rico na altura, uma fortuna do volfrâmio. Quando o meu avô morreu, a minha mãe herdou uma fortuna, muitos prédios, andares, que ainda hoje ela não sabe o que fazer com eles, quem tratava disso era o meu irmão. Conseguiu vender dois andares em Queluz que estavam ocupados… O meu avô, pai da minha mãe, que nunca conheci bem, nunca esteve de acordo com o casamento. A minha mãe tinha perdido a mãe muito cedo…Quando perdi a minha irmã, fiquei muito em baixo. Com 33 anos!”…

Depois de falar sobre várias decisões políticas, a pergunta foi inevitável: e o caso Freeport? Sócrates admitiu uma certa “felicidade” por abrir os jornais e já não falarem sobre ele. Disse que desde que deixou o Governo nunca andou de guarda-costas, apenas andou com o motorista da mãe. Referia-se a João Perna, também detido, a quem foi apreendida uma arma. E lembrou ter sido o primeiro-ministro a acabar com pensões vitalícias.

“Não recebo nada do Estado português. Por isso trabalho para uma empresa privada. Recebi muitos convites e só aceitei o desta empresa, uma empresa suíça, porque fui convidado para trabalhar na América Latina. Não em Portugal. Precisava de um emprego.”, explicou.

José Sócrates afirmou que, quando foi para Paris, pediu um empréstimo de 120 mil euros à Caixa Geral de Depósitos. Porque precisava desse dinheiro para sobreviver e sustentar o filho. Diz que voltaram a mover-lhe uma “perseguição política” – que atribuiu a uma “direita hipócrita”. Lembrou as escutas de que foi alvo, no processo Face Oculta, com Armando Vara. E mais uma vez falou em perseguição.

Em julho, no seu comentário semanal na RTP (entretanto suspenso), o tom foi bem diferente. A revista Sábado tinha avançado com a informação de que o ex-primeiro-ministro estava a ser investigado no âmbito da operação Monte Branco.

Estupefacto perante uma “operação de canalhice”, José Sócrates falou numa campanha de difamação: “A minha reação é de estupefação. O caso é suficientemente grave para que os portugueses percebam como se montam as campanhas de difamação. É uma verdadeira canalhice, porque se trata de inventar uma notícia para colocar nos jornais, para logo depois ser desmentida pelo Ministério Público”, começou por dizer o político.

E continuou: “Esta ideia de que posso ser suspeito no caso Monte Branco é absolutamente absurda. Eu não tenho conta no estrangeiro, não tenho capitais para movimentar. Eu tenho a mesma conta bancária há mais de 25 anos. Não tenho poupanças”, garantiu.

José Sócrates voltou a mencionar o empréstimo contraído aquando da sua mudança para Paris. O discurso foi sempre muito repetido, tocando sempre nos mesmos pontos — “não tenho contas no estrangeiro, não tenho capitais” –, garantindo não conhecer quem “costuma ser referenciado” no processo.

Quanto ao alegado envolvimento de um primo, o ex-primeiro ministro foi perentório: “A minha família não faz tráfico de capitais, nem movimenta largas somas, como o caso Monte Branco referencia.”

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Que perguntas estão, então, por responder?

As intervenções de Sócrates tentam responder a algumas questões, mas ainda há muitas dúvidas que pairam no ar. Aqui chegados, deixamos algumas perguntas que continuam sem resposta:

– Se o dinheiro que Santos Silva emprestou a Sócrates era um empréstimo, porque é que não foi transferido através das contas bancárias?

– Quanto dinheiro recebeu Sócrates das casas que Santos Silva comprou à mãe dele? E porque é que este comprou as três casas que eram da sua mãe?

– Os telefonemas que admite ter feito para Angola para ajudar o Grupo Lena e “outras empresas”. Também o fez enquanto governante?

– Porque é que Sócrates adiou a viagem de regresso a Lisboa? Porque tinha um encontro com o seu advogado em Paris? O encontro não podia ter sido feito em Lisboa, onde se encontrava o advogado?

– Porque é que um dia antes de ser detido foram retirados suportes informáticos da sua casa?

– Como surge o emprego na Octapaharma?

– Como pagou o empréstimo à Caixa Geral de Depósitos?

– Sócrates trabalhou para mais alguma empresa de Lalanda de Castro?

– Que “atenções” deve Sócrates ao Grupo Lena, como afirmado naquele telefonema para o vice-Presidente de Angola identificado nas escutas?

– Quanto dinheiro é que Santos Silva emprestou a Sócrates?

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Que fragilidades pode ter este processo?

Nas várias intervenções, seja por via de cartas ou de entrevistas, que José Sócrates já fez, são tecidas várias críticas à investigação. O ex-governante diz que foi “preso” para ser investigado e que não existem no processo quaisquer provas para os crimes de corrupção. O advogado que representa o ex-primeiro-ministro, João Araújo, já disse publicamente que durante o primeiro interrogatório judicial José Sócrates não foi confrontado com nenhum crime desta natureza. Aliás, essa foi logo uma informação publicada na rede social Twitter, e mais tarde retirada, pela mulher do advogado.

Disse também que no processo foi pedida a especial complexidade com o intuito de arrastar a investigação no tempo e desafogar o Ministério Público na sua investigação.

Em todas as declarações sobre os alegados empréstimos de dinheiro vindos de Santos Silva, Sócrates e os seus representantes dizem tratar-se de um “empréstimo”, e que tal não configura “crime”.

As autoridades terão que conseguir mostrar que a vida que Sócrates levava era “de facto” acima das suas possibilidades – e provar, sem sombra de dúvida, que há ligação direta e concreta entre isso e negócios passados com o empresário. O ex-governante já falou de uma herança, de um empréstimo da Caixa Geral de Depósitos (já pago) e de um “horizonte” que lhe garantia vir a reembolsar o amigo. Recusa-se que uma acusação venha a ser feita com base num “estilo de vida”.

Facto é que se o Ministério Público não provar que os valores recebidos pelo ex-primeiro-ministro resultam do crime de corrupção e que o dinheiro vindo de Santos Silva era, afinal, do próprio ex-ministro, então dificilmente poderá provar que houve fraude fiscal, porque os valores não foram declarados às Finanças, ou o crime de branqueamento de capitais – um crime que engloba as vantagens provenientes de “factos ilícitos” como a fraude fiscal e a corrupção. Deitando por terra todo o processo.

No recurso da medida de coação de Sócrates, enviado ao Tribunal da Relação de Lisboa, os advogados João Araújo e Pedro Delille tentaram demonstrar, também, fragilidades nas próprias diligências do processo. Os advogados colocam em causa as informações bancárias com origem no estrangeiro, que as autoridades suíças deverão enviar para Portugal e que o procurador titular do processo, Rosário Teixeira, acredita serem uma peça-chave para desvendar o rasto do dinheiro que permitiria a Sócrates ter uma vida luxuosa. Uma prova que, segundo diz a defesa, choca com legislação existente, nomeadamente com o Regime Extraordinário de Regularização Tributária (RERT I, II e III), que visa a amnistia fiscal, e ao qual aderiu o amigo de infância de Sócrates Carlos Santos Silva em 2009.

Além dos argumentos das “provas proibidas”, a defesa de Sócrates critica ainda severamente o juiz Carlos Alexandre por ter determinado a prisão preventiva do ex-primeiro-ministro sem fundamentar a decisão. E alega, segundo o DN, que a expressão usada pelo juiz de que a decisão, a pecar, não pecava por excesso. “Tempos perigosos em que um juiz se permite julgar insuficiente a prisão de um presumido inocente”, diz a defesa, que acrescenta que “prender Sócrates, julgar e condenar Sócrates passou a ser o projeto, a obsessão, o entalhe final da judiciarização da luta política”.

Os advogados, João Araújo e Pedro Delille, também tentaram ir pelo caminho da incompetência do tribunal, pedindo um habeas corpus junto do Supremo Tribunal de Justiça. A defesa justificava que, tratando-se de crimes praticados enquanto primeiro-ministro, devia o processo ter sido investigado pelo Ministério Público do Supremo Tribunal de Justiça e validado por este tribunal superior, como determina a lei. No entanto, a investigação começou quando Sócrates já não era primeiro-ministro. E o pedido foi recusado.

Pelo meio há ainda algumas dúvidas processuais, mas para isso vale a pena seguir para o próximo ponto.

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Que recursos existem no processo?

Todos os arguidos presos pediram recurso da medida de coação aplicada ao Tribunal da relação, sendo que o motorista de José Sócrates já passou de prisão preventiva para domiciliária, depois de ter sido novamente interrogado. E, antes da data prevista para reavaliar a medida de coação, o juiz Carlos Alexandre acabou por simplificar a vida a Perna e colocou-o em liberdade, sob obrigação de se apresentar às autoridades.

Desconhece-se, para já, o resultado do recurso do empresário Santos Silva. Mas o de Sócrates foi recusado. Neste, a defesa do ex-primeiro-ministro alegava:

1. Nulidades processuais relativamente à não audiência prévia e presencial do arguido sobre a proposta da medida de coação.

2. Impugnação da existência de fortes indícios dos crimes imputados.

3. Impugnação dos motivos que levaram à prisão preventiva, como o receio de fuga e o perigo de perturbação do inquérito.

O tribunal da relação, depois de analisar o parecer enviado pelo Ministério Público e a resposta ao parecer por parte da defesa, decidiu manter a prisão preventiva. No entanto, considerou que o pressuposto do perigo de fuga não se verificava concretamente. Mas concordou com outros dois: perigo de perturbação do inquérito e os fortes indícios de crimes de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal. Segundo a lei, basta verificar-se um destes pressupostos para poder ser aplicada a medida de coação.

Um dia antes, o Supremo Tribunal de Justiça tinha-se pronunciado sobre um pedido de habeas corpus interposto pela defesa de Sócrates a 9 de março. Alegavam os advogados incompetência do Tribunal Central de Instrução Criminal para instruir a investigação a um ex-primeiro-ministro. Mais, que a prisão preventiva não tinha sido reavaliada e que o arguido não tinha sido ouvido por factos novos no processo. O Supremo decidiu que até podia haver irregularidades, mas estas não podiam ser invocadas através de um pedido de libertação imediata por prisão ilegal. Aliás, estas irregularidades são sanáveis e não causariam nulidades. Por exemplo, se se entendesse que devia ser o Supremo a conduzir a investigação, bastava que o processo fosse deslocado de um tribunal para o outro e que todos os atos fossem validados por um juiz do Tribunal Superior. Também não existe qualquer nulidade pelo facto de a prisão ter sido reavaliada fora de prazo. Porque ela foi, de facto, regularizada e a falta de reapreciação também não conduz a uma nulidade.

Há ainda, pelo menos, dois requerimentos, interpostos pelos advogados João Araújo e Ricardo Marques Candeias, de José Sócrates e João Perna, respetivamente, que podem trazer um volte face ao processo. Para os dois, ao contrário do que a Procuradoria anunciou por altura da detenção de Sócrates, a investigação ao ex-primeiro-ministro terá sido iniciada em 2011, num inquérito aberto a operações suspeitas feitas pelo empresário Carlos Santos Silva. Pelo menos assim refere um despacho do juiz Carlos Alexandre assinado em julho de 2013.

Para o advogado João Araújo, há várias nulidades a invocar:

  • A declaração de especial complexidade do processo, feita em julho, ainda antes de haver arguidos constituídos. Em processos considerados complexos todos os prazos, como os da investigação, são alargados. A lei diz que os arguidos têm que ser ouvidos antes. Eles só foram ouvidos em novembro, após a detenção.
  • Não havendo especial complexidade e o inquérito tendo começado em julho de 2013, diz João Araújo que deveria ter terminado a 31 de maio de 2014. Ou, de acordo com outras interpretações, em outubro.
  • Assim sendo, excedido prazo, o advogado pede a nulidade de todos os atos realizados depois do período limite do inquérito. Isso pode incluir: escutas, vigilâncias, apreensões e até as detenções.
  • Também o prazo do segredo de justiça, no requerimento apresentado pelo advogado, terá sido excedido.

Para o advogado Ricardo Marques Candeias, o prazo de inquérito termina a outubro. Logo, as detenções e aplicação de posteriores medidas de coação são nulas.

De referir que os advogados de José Sócrates também já interpuseram um processo por violação do segredo de justiça, depois de o jornal Correio da Manhã ter divulgado várias escutas. Sócrates diz que a informação e a “violação” parte do próprio Ministério Público e já pediu para ser ouvido pela Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal.

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Até quando pode durar este processo?

O juiz de instrução declarou o processo de especial complexidade. O que significa que os prazos de duração das medidas de coação duplicam de tempo. Os arguidos podem, ainda, recorrer para o Tribunal da Relação.

Segundo o Código do Processo Penal, em casos de processos de especial complexidade, um arguido pode ficar preso preventivamente durante um ano. O que significa que José Sócrates pode ficar preso até 24 de novembro de 2015. É também este o prazo que o Ministério Público tem para proferir uma acusação. Caso contrário, os arguidos presos devem ser imediatamente libertados. E o processo é arquivado por falta de provas suficientes.

Caso sejam formalmente acusados, os arguidos podem pedir a abertura de instrução: uma nova fase do processo, que significa a possibilidade de pedir a um juiz de instrução que analise toda a prova e que reconfirme a acusação. Caso o juiz de instrução decida que não há prova suficiente para ir a julgamento, o processo é arquivado. Ao contrário, segue para julgamento. Se assim for, o período da prisão preventiva estende-se por 20 meses. E até três anos, se incluirmos o julgamento e a sentença em primeira instância.

O período da prisão preventiva é descontado na pena, caso seja aplicada uma pena efetiva de prisão.

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Quem são os advogados no processo?

João Araújo. O advogado de 65 anos é natural de Goa e estudou na Faculdade de Direito de Lisboa. Está inscrito na Ordem dos Advogados desde 1977. Ele e Pedro Delille representam José Sócrates. Inicialmente João Araújo, quem mais tem dado a cara, era parco nas palavras sobre o processo mas crítico irónico em relação às questões dos jornalistas. A sua postura mudou quando o Supremo Tribunal de Justiça começou a negar vários pedidos de habeas corpus para libertar José Sócrates e quando o seu cliente foi proibido de dar entrevistas. Desde então já deu várias entrevistas onde tece duras críticas à investigação. Tem a ajudá-lo p advogado Pedro Delille.

Paula Lourenço. Foi a defensora de Manuel Pedro e Charles Smith no julgamento do caso Freeport e representa, agora, os arguidos Carlos Santos Silva e o advogado Gonçalo Trindade. Quando foi notificada do despacho de arquivamento do crime de corrupção, mas de acusação do crime de extorsão no caso Freeport, deu uma entrevista à SIC onde disse que o processo estava cheio de “irregularidades”. E criticou o facto de terem sido feitas escutas, buscas e interrogatórios baseado em “fortes indícios” que não se verificaram. Falou ainda de vários documentos que faziam parte da “vida privada” de Sócrates que foram passados a pente fino, baseando-se o Ministério Público em “informadores” que controlaram “todo o processo”.
A advogada, que trabalha com penalista Germano Marques da Silva, representa a empresa J.P. Sá Couto, a empresa que lançou os computadores Magalhães – uma das bandeiras de José Sócrates que também chegou à América Latina, neste caso à Venezuela.

Ricardo Marques Candeias. Aparece no processo já depois do seu constituinte, o motorista João Perna, ter sido preso preventivamente. Conseguiu que ele fosse ouvido novamente pelo juiz de instrução e que prestasse as declarações que nunca prestou. O que disse valeu-lhe ir preso para casa, sob vigilância eletrónica. Quando foi detido, João Perna telefonou para o escritório do outro advogado de Sócrates (não neste processo), Proença de Carvalho. Na altura, alega o advogado e agora presidente não executivo da Controlinveste, pensaram tratar-se de algo mais simples e enviaram um advogado do escritório, Daniel Bento Alves. O advogado, que já tinha representado o ex-primeiro-ministro em processos interpostos contra a comunicação social, acabou por deixar a defesa de Perna por conta do colega Ricardo Marques Candeias.

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15

Quem é o juiz que tem estado debaixo dos holofotes?

Chama-se Carlos Alexandre. Tem 53 anos, e é o magistrado judicial responsável pelo Tribunal Central de Instrução Criminal. Já mereceu alcunhas como “Super-Juiz“, “Juiz sem medo” e ainda “Mourinho da Justiça”. E foi comparado ao juiz espanhol, Baltazar Garzón, que também travou uma luta contra a corrupção em Espanha e ordenou a detenção de várias personalidades.

O Observador escreveu em novembro um perfil detalhado sobre este homem, sobre quem está colocada toda a atenção. E pressão. Carlos Alexandre foi o nome associado aos processos judiciais com maior impacto mediático como o caso Monte Branco e as operações Furacão, Portucale, Face Oculta e BPN. Em julho, ordenou a detenção de Ricardo Salgado.

O El País, a 23 de novembro, escreveu também sobre este juiz. “O filho de um carteiro não se assustou quando alguém assaltou a sua casa e colocou uma pistola junto da fotografia dos seus filhos. Deram-lhe um par de guarda-costas e foi trabalhar. Como sempre”. É assim que começa o artigo sobre juiz português no diário espanhol.

Carlos Alexandre, natural de Mação, estudou na Telescola e licenciou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. É católico, puxa pelo Sporting e gosta de touradas.

Enquanto dirigia a instrução do processo Face Oculta, o juiz deu uma entrevista ao amigo António Colaço, antigo assessor do PS e dinamizador do blogue “Ânimo para tornar os dias mais leves”, Carlos Alexandre disse: “Em matéria criminal, além do conhecimento óbvio que tem de haver é preciso coragem, dedicação, disponibilidade (…) Se alguma qualidade me pode ser efetivamente assacada é a de ter alguma coragem”. O juiz acrescentou ainda:

“Eu até este momento ainda não tenho preocupação sempre que abro a minha porta de casa e do gabinete”.

Como católico, participa sempre nas comemorações da Páscoa em Mação, onde nasceu. Há dois anos, o amigo António Colaço voltou a entrevistá-lo para o blogue Ânimo. Nessa ocasião, Carlos Alexandre participava numa oração na noite de sexta-feira Santa e respondeu a algumas perguntas para a câmara, revelando uma situação de pressão. “No contexto de uma diligência em que se procurava tomar contacto com documentação, foi-nos dito, por uma pessoa com importância na praça, que sabia o que estava ali a fazer porque estava ali a mando de alguém que lhe pagava e que essa pessoa contava com ele para fiscalizar aquele ato, porque quando o dinheiro falava, a verdade calava”. A resposta do juiz: “Comigo a verdade falará sempre mais alto”.

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Porque é que Sócrates não pode dar entrevistas? Mas dá...

Depois de José Sócrates aceitar ser entrevistado, o jornal Expresso fez um pedido formal à Direção Geral dos Serviços Prisionais. O diretor geral, Rui Sá Gomes, pediu parecer ao procurador titular do processo, Rosário Teixeira, que disse discordar das entrevistas por estarem, ainda, a ser feitas diligências do processo. Qualquer entrevista poderia prejudicar a investigação. O juiz Carlos Alexandre subscreveu os argumentos e os Serviços Prisionais, a quem cabe decidir o que o recluso faz, e acabaram por negar a entrevista.

A resposta ao pedido foi enviada ao Expresso. O advogado de José Sócrates, João Araújo, disse publicamente que considerava a proibição “ilegal”. Dias depois, Sócrates dava uma entrevista por escrito à TVI. Um outro advogado no processo, neste caso Pedro Delille, garantiu que o seu cliente não tinha violado qualquer ordem. Isto porque também José Sócrates pedira aos Serviços Prisionais para poder dar entrevistas e nunca obteve resposta. Por outro lado, o advogado não quis chamar entrevista à resposta por escrito a meia dúzia de questões. Sócrates já disse que falava em “legítima defesa”.

O Observador perguntou à Direção Geral dos Serviços Prisionais se Sócrates podia, ou não, dar entrevistas. Se as restrições eram para entrevistas feitas pessoalmente ou se incluíam as entrevistas por escrito. A resposta:

“A Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais informa que a competência para a avaliar comportamentos dos reclusos e as incidências do quotidiano são parte da vida dos estabelecimentos prisionais e reportam à situação de reclusão das pessoas postas à guarda dos Serviços”, nos termos do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade que determina que “a situação de reclusão seja reservada, nos termos da lei, perante terceiros”.

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O que disse a imprensa internacional?

A detenção do ex-primeiro ministro mereceu a atenção da imprensa internacional, contava a DN, um dia depois da detenção de Sócrates.

Reuters: “Ex-primeiro-ministro português detido em caso de corrupção”

France-Presse: “Antigo primeiro-ministro detido em investigação de fraude fiscal”

EFE: “A detenção de Sócrates […] mancha a imagem de um político que tinha regressado ao debate público há um ano e meio e a quem alguns viam como possível candidato a Presidente da República”

El Mundo: “Detido ex-primeiro-ministro luso por presumível fraude fiscal”

El País: “Detido o ex-primeiro-ministro luso acusado de corrupção”

Le Monde: “Antigo primeiro-ministro José Sócrates detido por fraude fiscal”

Libération: “Sócrates, a queda de um oportunista sem ideologia”

Neste último artigo, citado pelo i, chegaram porventura as palavras mais duras. O jornal francês classificou o ex-primeiro-ministro português como alguém “duvidoso”, “sempre borderline“, “sanguíneo, autoritário e de estilo cintilante à la Sarkozy”. O correspondente do jornal em Madrid explicou que foi o estilo de vida do ex-governante na capital francesa que motivou a investigação da “brigada financeira portuguesa”.

“[Sócrates destruiu o seu] retrato político bem merecido, de um cidadão honesto que serviu o seu país o melhor possível”, transformando-se no “líder duvidoso, esse produto mediático ou o politico Armani envolvido em vários escândalos dos quais conseguiu, de cada vez, escapar às garras da justiça”, pode ler-se no artigo do Libération.

Desde a detenção que o caso deixou de ser referido.