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O que é o Artigo 50 e o que é que ele diz?

O Artigo 50 é o texto que prevê a saída de um Estado-membro da União Europeia. E é precisamente esse artigo — que faz parte do Tratado de Lisboa, o documento que rege a União Europeia (UE) — que o Reino Unido ativou esta quarta-feira, dia 29 de março. Porém, nada disto é linear e menos ainda rápido. Para perceber o que está em causa, convém saber o que diz cada um dos cinco pontos do Artigo 50:

  1. Qualquer Estado-Membro pode sair da UE por iniciativa própria;
  2. Esse processo é formalmente iniciado quando o Estado-membro em questão “notifica a sua intenção ao Conselho Europeu”. Depois, cabe à União Europeia negociar e celebrar “um acordo que estabeleça as condições da sua saída, tendo em conta o quadro das suas futuras relações com a União”. Para o acordo entrar em vigor, terá de ser aprovado por uma maioria qualificada — o que, para Bruxelas significa pelo menos 72% dos países (16 dos atuais 28) desde que estes representem 65% da população da UE;
  3. Os tratados europeus deixam de dizer respeito ao Estado que está de saída assim que o acordo entrar em vigor. Porém, se a saída não acontecer até dois anos após a ativação do Artigo 50, os tratados europeus ficam na mesma sem efeito — a não ser que o Conselho Europeu e o Estado-Membro em causa queiram alargar o prazo para lá dos dois anos;
  4. O Estado-Membro que procura sair da UE é excluído do processo de decisão do Conselho Europeu — isto é, não pode estar presente nos dois lados da mesa de negociação;
  5. Qualquer Estado-Membro que sair da UE pode voltar — mas para isso terá de fazer um processo de candidatura normal, igual ao que têm de se submeter todos os países que querem entrar pela primeira vez na UE.

Para já, só agora é que o longo processo do Brexit vai passar do primeiro para o segundo ponto. Entre o referendo que ditou o Brexit (23 de junho) e o dia em que o Reino Unido acionou o Artigo 50 (29 de março) distam 9 meses e três dias. Ou seja, o suficiente para nascer um ser humano. Já o Brexit deverá ser um parto difícil.

Theresa May anunciou o dia 29 de março como o começo do Brexit

A ajudar a isso está o facto de o Artigo 50 ser vago nalgumas questões centrais. Um exemplo disso é a maleabilidade do prazo de saída, já que prevê uma saída antes dos dois anos de negociações e as respetivas consequências para o caso de esse prazo não ser respeitado. Mas, depois, também prevê a anulação dessas consequências.

O Artigo 50 deixa muitas incertezas e zonas cinzentas. A contribuir para isso poderá estar, em grande parte, o facto de o Tratado de Lisboa ter sido assinado a 13 de dezembro de 2007. Ou seja, numa altura em que termos como Brexit, Grexit, Nexit, Italexit ou Frexit soavam mais a medicamento do que à erosão do projeto político europeu mais abrangente de sempre.

Aliás, meses depois de o Brexit ter sido ditado pelo referendo, o autor do Artigo 50 — curiosamente, um antigo embaixador britânico na UE e atual juiz do Supremo Tribunal daquele país — disse que aquele trecho não foi escrito a pensar numa situação como a que conhecemos hoje. “Eu pensava que as circunstâncias em que ele seria usado, se é que alguma vez o seria, seria no caso de haver um golpe num Estado-Membro e a UE [quisesse] suspendê-lo”, disse à BBC em novembro do ano passado. “Achei que, chegado a essa altura, o ditador em causa ficaria tão chateado que diria ‘pronto, vou-me embora’ e seria bom ter um procedimento para permitir-lhe a saída.”

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Quanto tempo é que isto pode demorar?

Não se sabe ao certo.

No Artigo 50, é referido um prazo de dois anos após a entrega da notificação do desejo de saída — ou seja, dois anos após 29 de março. Assim, se tudo bater certo, no dia 29 de março de 2019 o Reino Unido já não estará na UE.

Mas não é certo que o processo seja simples. Afinal de contas, tudo o que se está a passar não tem qualquer precedente. Além disso, apesar de marcar a bitola dos dois anos, o Artigo 50 prevê igualmente uma saída antes desse prazo e também um adiamento deste. Eis uma referência histórica que pode aborrecer os mais apressados: a Gronelândia, que votou a favor de uma saída da UE em 1982, demorou três anos até conseguir fechar todos os acordos com Bruxelas. Ou seja, até para um território com a mesma população de Évora e uma economia baseada nas pescas o processo esteve longe de ser simples.

Ainda assim, para simplificar aquilo que é extremamente complicado, pode dizer-se isto: o Reino Unido só sairá efetivamente da UE quando as duas partes chegarem a acordo. E os acordos que estão pela frente deverão ter em conta o contexto do Reino Unido e o contexto da UE — sendo que cada um deles, à sua maneira, é bastante volátil.

No Reino Unido, porque a primeira-ministra da Escócia já anunciou a sua intenção de voltar a fazer um referendo pela independência — e se este for para a frente e resultar numa separação, Londres terá outro problema em mãos.

Além disso, basta o prazo das negociações ser alargado um pouco mais de um ano para coincidir com as eleições para o Parlamento Europeu, que acontecerão entre maio e junho de 2019. E, se atrasar ainda mais, pode calhar perto das eleições legislativas britânicas, agendadas para maio de 2020.

Na UE, porque uma possível vitória eleitoral de Marine Le Pen já em maio deste ano, o cenário de um novo agravamento da situação financeira da Grécia, o desfecho das eleições alemãs, etc, podem ser suficientes para mudar o panorama político.

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Durante este tempo todo, o Reino Unido vai perder direitos na UE?

Sim, mas não são muitos.

Vamos começar pelos que se mantêm. Para começar, os deputados europeus britânicos continuarão a frequentar os corredores de Bruxelas e Estrasburgo. Depois, as leis europeias continuarão a aplicar-se ao Reino Unido — o que inclui a pertença ao mercado único europeu e os restantes acordos, incluindo a liberdade de movimentos de pessoas e bens.

Porém, o Reino Unido não vai participar nas decisões da UE no que diz respeito ao processo do Brexit — ou seja, não pode estar dos dois lados da mesa de negociações. E, já agora, por opção própria, o Reino Unido abriu mão da presidência semestral do Conselho Europeu, que lhe estava destinada na segunda metade deste ano.

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O processo de saída do Reino Unido pode ser revertido?

A resposta depende de quem a dá.

Segundo o autor o autor do Artigo 50, Lord Kerr, que é também juiz do Supremo Tribunal britânico, o processo que Theresa May vai iniciar esta quarta-feira ”não é irrevogável”. Em entrevista à BBC em novembro do ano passado, disse: “Dá para mudar de ideias enquanto o processo estiver a decorrer. Durante esse período, se um país quiser decidir que afinal não quer sair de todo, toda a gente ficaria chateada por andar a desperdiçar tempo”.

Também a Câmara dos Lordes concluiu, depois de estudar a questão e ouvir especialistas, que o Brexit não é irreversível. “Não há nada no Artigo 50 que impeça formalmente um Estado-Membro de reverter a sua decisão de saída no decurso das negociações”, declarou aquele órgão de membros não-eleitos. “As consequências políticas de uma mudança de ideias seriam, ainda assim, significativas.”

o Supremo Tribunal britânico determinou em janeiro que o Artigo 50 não é reversível. “Assim que o Reino Unido informa [o Conselho Europeu], irá inevitavelmente, numa data mais tardia, deixar de ser um membro da União Europeia e parte dos seus tratados”, lia-se nessa decisão.

Da parte do Governo conservador de Theresa May, o Brexit é mesmo para avançar. Ainda assim, o ministro escolhido para liderar o processo, David Davis, chegou a dizer o seguinte sobre o Artigo 50, em dezembro, em plena Câmara dos Comuns: “Nós não queremos revogá-lo. Talvez não seja revogável. Não sabemos”.

Ou seja, para grande desagrado de pelo menos alguns dos 51.9% que votaram para sair da UE, o Brexit poderá não passar de uma intenção. E há ainda outra coisa que os deixaria ainda mais descontentes: é que, em último caso, a decisão final quanto à reversibilidade do Brexit pode caber ao Tribunal Europeu de Justiça, no Luxemburgo.

Ainda assim, uma reversão do Brexit é, para já, um cenário pouco provável, sobretudo do ponto de vista político. Theresa May, que até fez campanha pela continuação do Reino Unido na UE, tem assumido como objetivo principal a retirada do país daquele bloco de 28 países, desde que sucedeu ao demissionário David Cameron. E, atendendo às mais recentes votações na Câmara dos Comuns, os deputados conservadores e também alguns trabalhistas estão dispostos a dar seguimento ao Brexit.

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Pode haver um segundo referendo ao Brexit?

Para já, isso não deverá acontecer.

É costume ouvir-se aqueles que pedem um novo referendo a evocarem o facto de o resultado ter sido renhido (o “leave” venceu com 3,8 pontos percentuais de vantagem) ou de que o eleitorado não estava totalmente a par das consequências do Brexit. Porém, a Câmara dos Lordes rejeitou essa hipótese numa votação no início deste mês.

Ainda assim, também por decisão da Câmara dos Lordes, é possível que o acordo obtido entre o Governo britânico e o Conselho Europeu tenha de ser aprovado pelo parlamento para entrar em vigor. Assim, em teoria, os deputados britânicos poderão dizer a Theresa May para voltar à casa de partida, caso estejam insatisfeitos com o que ela trouxer da mesa de negociações com o Conselho Europeu.

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Qual é o plano de Theresa May para implementar o Brexit?

A 17 de janeiro, Theresa May apresentou um plano de 12 pontos para o Brexit. Aqui, é interessante perceber que, ao contrário do que em tempos já foi a sua vontade, a primeira-ministra britânica parece agora disposta a abrir mão do mercado único para poder ter um maior controlo sobre as fronteiras, incluindo na entrada de imigrantes de países da UE.

Ainda assim, a nível comercial, o Reino Unido quer encontrar os termos mais favoráveis com a UE, mas também vai tentar chegar a outras geografias — neste caso, a aproximação de Theresa May aos EUA de Donald Trump é inegável e relevante.

Theresa May tenta uma ainda maior aproximação aos EUA para compensar o Brexit

Em suma, Theresa May parece estar inclinada para a opção do hard Brexit, em que pouco ou nada de substancial sobra daquilo que até agora regia as relações entre o Reino Unido e a UE. É esse o preço a pagar, se quiser ter a opção de fechar as fronteiras a imigrantes comunitários. Porém, esta opção do Governo britânico poderá vir a dificultar o processo de negociações, que será assim necessariamente mais complexo e longo do que num cenário de soft Brexit.

É esta a lista anunciada pela primeira-ministra do Reino Unido:

  1. “Dar certezas quanto ao processo de saída da UE.”
  2. “Controlar as nossas leis. Sair da UE vai significar que as nossas leis vão ser feitas em Westminster, Edimburgo, Cardiff e Belfast.”
  3. “Reforçar a União entre as quatro nações do Reino Unido.”
  4. Apresentar uma solução prática que permita manter a o acordo de livre circulação com a República da Irlanda.”
  5. “Brexit tem de significar controlo do número de pessoas que vêm da Europa para o Reino Unido.”
  6. “Proteger os direitos dos cidadãos da UE no Reino Unido e dos cidadãos britânicos na UE.”
  7. “Proteger os direitos dos trabalhadores. Não só o Governo vai proteger os direitos dos trabalhadores fixados na legislação europeia, como vamos aumentá-los.”
  8. “Comércio livre com os mercados europeus através de um tratado comercial determinado e ambicioso com a União Europeia.”
  9. “Novos tratados comerciais com outros países. Está na altura de o Reino Unido sair para o mundo e redescobrir o seu papel como uma nação grande, global e orientada para o comércio.”
  10. “O melhor lugar para a ciência e inovação. Daremos as boas vindas a um acordo para continuar a colaborar com os nossos parceiros europeus em grandes iniciativas de ciência, investigação e tecnologia.”
  11. “Cooperação na luta contra o crime e o terrorismo. Vamos continuar a trabalhar de perto com os nossos aliados europeus na política externa e de defesa mesmo enquanto saímos da UE.”
  12. “Um Brexit suave e ordeiro. Acreditamos que um processo faseado de implementação é do interesse do Reino Unido, das instituições da UE e dos Estados-Membros.”
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E qual é o plano da UE para implementar o Brexit?

Antes dos desafios do Brexit, há outros dois: as eleições francesas (a primeira volta é a 23 de abril e segunda a 7 de maio) e as eleições alemãs (a 24 de setembro). Até lá, sem que sejam conhecidos os próximos líderes dos dois maiores países da UE, nada de muito concreto deverá avançar.

Para já, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, deixou uma promessa: nas 48 horas que se seguirão à ativação do Artigo 50, irá responder com uma apresentação das linhas orientadoras do Conselho Europeu para as negociações do Brexit.

Donald Tusk vai apresentar as linhas orientadoras do Conselho Europeu para as negociações

Seja como for, a estratégia levada a cabo pela equipa de negociações da UE terá de ser aprovada por unanimidade entre os 27 países — como é de esperar, o Reino Unido não faz parte deste lote. A primeira fase de conversações está agendada para a cimeira europeia de 29 de abril — mas é possível que, por essa data ser entre a primeira e a segunda volta das eleições francesas, o fator Brexit não pese tanto quanto isso.

Seja como for, é muito provável que a maioria dos países da UE tentem garantir que os seus cidadãos emigrados no Reino Unido possam continuar a viver lá — ao passo que o Reino Unido vai querer garantir o mesmo em relação aos seus emigrantes e reformados. Até certo ponto, esta reciprocidade será do interesse de ambas as partes quando falamos da relação do Reino Unido com Espanha ou até Portugal.

Porém, o mesmo não poderá ser dito quanto à Polónia, por exemplo, de onde parte a maioria dos imigrantes no Reino Unido.

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Emigrei para o Reino Unido e quero continuar a viver e a trabalhar lá. O que devo fazer?

Se é cidadão de um país da UE e trabalha no Reino Unido, então já deve ter reparado que não é o único. Ao todo, são cerca de 2,9 milhões de pessoas com essas características.

E é normal que, uns mais do que outros, tenham hoje algum tipo de ansiedade. Isto porque, para já, nada é garantido quanto às possibilidades pós-Brexit para os cidadãos da UE que trabalhem no Reino Unido. E, no dia 19, a Câmara dos Comuns rejeitou a proposta da Câmara dos Lordes, que protegia os europeus que já vivem no Reino Unido de serem deportados.

Para já, sabe-se que aqueles que vivam no Reino Unido há cinco anos vão poder ficar.

Neste momento, do ponto de vista do Reino Unido, os direitos dos 2,9 milhões de europeus a viver e a trabalhar em solo britânico poderão muito bem funcionar como moeda de troca na mesa de negociações. Isto porque há 1,2 milhões de britânicos a viver um pouco por toda a União Europeia. De uma maneira ou de outra, ambas as partes vão querer alguma reciprocidade.

Até as negociações do Brexit terminarem, os cidadãos comunitários podem continuar a viver no Reino Unido sem necessidade de qualquer visto. Porém, o melhor é começar a prevenir. Para isso, podem pedir um visto de residência desde que já vivam e trabalhem em solo britânico há mais de cinco anos. Esse visto é permanente. O processo de candidatura não é particularmente fácil — é preciso preencher um formulário de 85 páginas e apresentar um sem-fim de provas.

Para alguns, pode ser um autêntico calvário, como se pode ler neste especial do Observador. Mas será sempre melhor prevenir do que remediar.

Pedir residência no Reino Unido? Um calvário em 85 páginas

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Quando o Reino Unido já estiver fora da UE, vou precisar de um visto para ir como turista?

Isso vai depender do resultado das negociações entre as duas partes, mas é pouco provável que venha a precisar de um visto de turista para entrar no Reino Unido, caso seja cidadão de um país da UE.

É possível que o modelo a seguir entre o Reino Unido e a UE, no que diz respeito a vistos de turismo siga, por exemplo, o que é feito em relação à Noruega. Atualmente, turistas da UE podem entrar naquele país sem qualquer tipo de visto ou necessidade de autorização prévia, desde que permaneçam até um período de 90 dias em solo norueguês.

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As empresas devem recear o Brexit?

Não é o Brexit que devem temer, mas sim as condições ditadas pelo acordo entre o Reino Unido e a UE. Às empresas, interessará um futuro estável e previsível — e isso é algo difícil de garantir, sobretudo para as empresas internacionais que operam no Reino Unido ou para as empresas britânicas que lidam o mercado exterior.

O facto de até agora não haver nenhum rascunho de acordos entre o Reino Unido e os seus principais parceiros comerciais pode impedir os empresários de tomarem decisões a longo prazo. Para as empresas exportadoras e importadoras, será importante haver uma menor regulação e a ausência de tarifas — tal como agora acontece entre países da UE e o Reino Unido. Mas ainda não se sabe se vai ser esse o resultado das negociações que se seguem.

Nesse impasse, é normal que os empresários hesitem. Ao The Guardian, o diretor da Europartnerships, uma empresa de consultoria para empresas europeias que procuram expandir os seus negócios para o Reino Unido, resumiu o ano de 2016 desta maneira: “Foi um ano calmo para nós”. E depois deu a seguinte explicação: “As pessoas a quem cabe tomar decisões simplesmente esperam e assim adiam investimentos”.

Para lá da cautela, há também o pessimismo — e foi precisamente esse sentimento que muitos administradores financeiros (CFO) transmitiram a um inquérito da Deloitte, publicado no terceiro trimestre de 2016. Ao todo, foram entrevistados os CFO de 1150 empresas e de 17 países — entre os quais está Portugal — e a maioria disse estar pessimista em relação ao Brexit e às consequências que este pode trazer para os seus negócios.

O maior pessimismo é precisamente dos administradores financeiros do Reino Unido, com 65% a responderem que o Brexit vai ter impacto “negativo” nas suas empresas. Ainda assim, no estudo da Deloitte, o pessimismo amaina quando é feita uma média ponderada do volume de negócios de cada uma das suas empresas — ou seja, em vez de cada empresa contar de forma igual, o valor da sua resposta varia consoante a dimensão da empresa. Aí, 37% estão pessimistas, mas uma maioria de 50% diz que o Brexit não vai ter impacto nos seus negócios. Apenas 5% dizem que este terá consequências positivas.

Já agora, ainda segundo o estudo da Deloitte, os portugueses são os segundos mais pessimistas. Ao todo, 52% dos CFOs portugueses disseram que o Brexit vai ter um impacto negativo nas suas contas, 40% dizem que não vai ter impacto e os restantes 8% não quiseram responder. Quanto a impacto positivo, ninguém aposta nisso.

Foi talvez atendendo a este pessimismo britânico e português que o primeiro-ministro António Costa prometeu “criar uma unidade de missão com o objetivo específico de criar um quadro atrativo para a localização, em Portugal, de empresas que desejem manter-se na UE”. Ou seja: António Costa parece querer atrair para Portugal, tanto as empresas britânicas que desejem continuar a trabalhar com o resto da Europa, como pretende trazer para o país empresas europeias que agora possam querer sair do Reino Unido.

António Costa quer atrair para Portugal empresas que saiam do Reino Unido por causa do Brexit

A ideia, explicou o primeiro-ministro recentemente, é Portugal contribuir para “o reforço da base económica da UE” e ser uma “excelente plataforma de acolhimento” para as empresas que “não têm vontade de ser excluídas da UE”.

Esta promessa, porém, está ainda apenas no campo das intenções, sem que sejam para já conhecidos quaisquer contornos. Afinal de contas, falta saber o mais importante: como é que, no que diz respeito ao comércio, o Reino Unido e a UE vão passar a relacionar-se depois de consumado o Brexit?

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E como fica a Escócia, no meio disto tudo?

Ainda é cedo para ter certezas, além desta: se é para haver novos desenvolvimentos, eles ainda vão demorar a chegar.

Uma das evidências que ficou dos resultados do Brexit foi que, claramente, os escoceses não querem sair da UE. A 23 de junho do ano passado, 62% dos escoceses escolheram ficar na UE e 38% quiseram sair — o que faz desta a maior diferença em todas as regiões e nações do Reino Unido, independentemente de qual dos lados ganhou.

Desde então, tem sido aventada a hipótese de a Escócia voltar a referendar a sua independência do Reino Unido, depois de já o ter feito em 2014 — dessa vez, 55,3% continuaram a querer ser britânicos e 44,7% queriam ser somente escoceses. Até agora, o maior passo na direção de um novo referendo à independência da Escócia foi dado pela primeira-ministra, Nicola Sturgeon, que anunciou que vai levar essa ideia a votos no parlamento escocês.

Inicialmente, disse que era do “senso comum” marcar essa votação para 2018. A isto, Theresa May respondeu: “Agora não é a altura certa”. Nicola Sturgeon abriu então a porta para que a consulta fosse até à primavera de 2019. Seja como for, a líder escocesa rejeita a hipótese de o referendo ser marcado para 2021, ano de eleições para o parlamento escocês. “Não me parece razoável, porque nessa altura já a Escócia estará fora da UE há dois anos”, explicou.

Seja como for, a hipótese de um novo referendo à independência da Escócia está ainda longe de ser uma certeza. Para isto acontecer, será preciso uma aprovação de Holyrood (o parlamento escocês) e outra de Westminster (o parlamento britânico).

As sondagens sugerem consistentemente que, para já, os escoceses querem continuar no Reino Unido. Desde que Theresa May tomou posse, em julho do ano passado, já foram feitas 18 sondagens para saber como votariam os escoceses num novo referendo à independência. Apenas numa votaram por uma cisão, com apenas 1% de diferença. De resto, a maioria dos inquiridos disse sempre que queria ficar no Reino Unido — com uma vantagem que vai desde os 2 aos 11 pontos percentuais.

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No caso de eleições antecipadas no Reino Unido, quem é o favorito para ganhar?

Antes de mais, é importante sublinhar isto: muito dificilmente o Reino Unido vai ter eleições antecipadas. Neste momento, os conservadores têm uma maioria absoluta na Câmara dos Comuns, conquistada por David Cameron nas eleições de 2015 — sim, as mesmas em que prometeu a realização de um referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE. Apesar de ter pegado num país menos estável do que aquele que David Cameron tinha no início do seu segundo mandato, a primeira-ministra goza ainda de uma maioria confortável no parlamento.

Além disso, a oposição do Partido Trabalhista está muito longe de ser uma verdadeira ameaça para Theresa May e para o Partido Conservador. Ao passo que, até ver, Theresa May está segura na liderança do seu Governo e do seu partido. O mesmo não se pode dizer sobre Jeremy Corbyn, o esquerdista que tem liderado os trabalhistas a custo. Porque não só já foi desafiado em eleições internas (que até venceu com facilidade, porque tem apoio das bases) como tem lidado com críticas entre algumas fileiras do seu partido.

O resultado disto está bem espelhado nas sondagens. É verdade que nunca é demais referir que as eleições de 2015 ficaram marcadas pelo fracasso das sondagens — que, ao contrário do que acabou por acontecer, previam uma vitória magra de David Cameron, que poderia ser ultrapassado pela esquerda se os trabalhistas se conseguissem aliar aos independentistas escoceses. Depois desta ressalva, não deixa de ser assinalável a larga vantagem que as sondagens preveem para o Partido Conservador. Nas oito sondagens lançadas em fevereiro (em março não saiu nenhuma), ganha em todos os casos. A vantagem oscila entre os 7 e os 18 pontos percentuais em relação ao Partido Trabalhista, que só num dos casos chega aos 30% de votos.