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O que é exatamente o Obamacare?

Chama-se formalmente Affordable Care Act (ACA), mas a lei ficou rapidamente conhecida por Obamacare. É o programa legislativo de reforma na Saúde implementado pela administração Obama em março de 2010 (entrou em vigor plenamente a partir de 1 de janeiro de 2014) para garantir que todos os norte-americanos têm acesso a um seguro de saúde.

Nos EUA não há um Serviço Nacional de Saúde tal como o conhecemos, daí que tenha sido criada uma solução para resolver a falta de cobertura que afetava cerca de 15% da população. Essas pessoas não estavam cobertas pelos programas de saúde estatais para os mais pobres (Medicaid) e os mais velhos (Medicare) nem pelos seguros de saúde das entidades empregadoras. Havia um buraco no sistema.

Com o Obamacare, todas as pessoas que vivem nos EUA passaram, assim, a ser obrigadas a comprar algum tipo de seguro de saúde. É mais ou menos o mesmo que acontece quando se compra um carro e se é obrigado a ter um seguro. Quem não tem, paga multa (ver pergunta 5).

Em termos gerais, o que a lei faz é atribuir subsídios estatais para ajudar uma família, ou um cidadão individual, a comprar seguros no chamado “marketplace” (locais online para comprar seguros, apoiados pelo Governo, como o healthcare.gov). A ideia é reduzir o mercado individual das seguradoras, onde só quem tem dinheiro consegue suportar os custos de um seguro de saúde, deixando os outros de fora.

Mas além de universalizar o acesso às seguradoras, o Obamacare também mexe com as regras das seguradoras. Se antes uma pessoa que tivesse uma doença prévia podia ver o seu acesso à seguradora recusado, sob pena de pagar uma quantia astronómica no hospital, agora ninguém pode ser recusado por motivos discricionários. A lei de Obama permite ainda que os mais novos fiquem incluídos no plano de saúde dos pais até aos 26 anos e, consequentemente, reduz idealmente a despesa das seguradoras ao levar gente mais nova e mais saudável para o sistema.

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Quais são os argumentos dos defensores?

A lei agrada a praticamente a todos os democratas e desagrada aos republicanos. A forte oposição ao programa Obamacare dos republicanos e do movimento Tea Party foi um dos fatores que mais contribuiu para a quebra da popularidade do Presidente e que permitiu aos conservadores recuperarem o controlo da Câmara de Representantes nas intercalares de 2010.

Eis alguns dos principais argumentos dos que são a favor:

  • Menos despesa e custos para o Estado: atrai mais pessoas jovens e saudáveis para a indústria dos seguros, e esse é o segredo do sucesso do programa;
  • Obriga as seguradoras a cobrir alguns benefícios essenciais: tratamento para a saúde mental, doenças crónicas ou doenças associadas a dependência, internamentos, incluindo emergências, assim como os cuidados preventivos, como exames de diabetes ou cancro, vacinas ou métodos contracetivos devem ser integralmente reembolsados;
  • As seguradoras deixam de poder recusar cobertura para determinadas pessoas por terem condições médicas prévias, ou aumentar os prémios por estarem doentes;
  • Deixa de haver limites para a cobertura;
  • Os pais podem adicionar os filhos ao seu plano de saúde até aos 26 anos, o que aumenta o lucro para as seguradoras na medida em que, à partida, os mais jovens são mais saudáveis;
  • A classe média passa a poder ter seguro de saúde (antes só os mais velhos e os mais pobres estavam abrigados pelas ajudas do Estado), através dos créditos fiscais de que beneficiam com ajudas do governo federal;
  • Pela primeira vez adultos sem filhos passam a ficar incluídos no leque de pessoas que podem submeter a candidatura aos planos de saúde apoiados pelo Estado;
  • As companhias de seguros deixam de poder cobrar mais a mulheres do que a homens, como antes acontecia;
  • Empresas com mais de 50 empregados são obrigadas a oferecer seguro de saúde aos funcionários. Em troca recebem benefícios fiscais do Estado para ajudar com os custos.
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Quem beneficia?

As estimativas são mais ou menos consensuais: entre 22 a 23 milhões de pessoas terão ficado abrangidas pelo Obamacare desde que entrou em vigor. Contrabalançando com os cerca de 4 a 6 milhões que perderam os seus planos de saúde como consequência da lei (ver pergunta 6), dá um total aproximado de 17 milhões de beneficiários a mais. Segundo a BBC, a taxa de pessoas sem seguro caiu de 15% para 5% desde que o programa começou.

Ficam aptas a subscrever (e a comprar) estes seguros subsidiados no “marketplace” todos os que não têm seguro de saúde através da entidade empregadora e que recebem até 45 mil dólares por ano, por pessoa, ou 62 mil por casa, ou ainda 94 mil dólares por uma família de quatro pessoas. Estes podem ser beneficiados com os subsídios do governo federal.

Quem já é beneficiado pelo Medicare e Medicaid não pode adquirir estes seguros, mas já está abrangido por planos de saúde do Estado – que também se estendem a mais gente do que antes.

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O Obamacare cobre toda a gente?

Não. Apesar de ser considerado um serviço de saúde universal, o Obamacare não chega a toda a gente. As estimativas apontam para que, mesmo depois de o programa estar totalmente implementado, 31 milhões de pessoas ainda ficam de fora, sem seguro de saúde.

Quem são estas pessoas? Segundo o site noticioso Vox, parte destas pessoas são aquelas que não têm rendimento suficiente para subscrever (ver pergunta 2); outras pura e simplesmente decidem não comprar seguro de saúde por achar que são saudáveis e não precisam; outros ainda são aqueles que são trabalhadores que não declaram rendimentos, e portanto não existem para as finanças. Há falhas na lei.

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Toda a gente tem de ter seguro? E quem não tem paga multa?

Ou por via da entidade empregadora ou por exigência individual (mandato individual), praticamente todos os cidadãos até aos 65 anos têm de ter um seguro de saúde. A exceção vai para os que não têm rendimento suficiente e para os mais velhos, mas esses já estão à partida abrangidos pelo Medicare ou pelo Medicaid.

Cerca de 85% da população já beneficiava de cobertura médica através dos seus empregadores, número que aumenta a partir do momento em que o Obamacare obriga as empresas com mais de 50 funcionários a oferecer cobertura médica aos empregados. Nos chamados planos individuais, não há nada na lei que diga que os novos subscritores têm que comprar apólices através dos “marketplace” do Estado, mas sendo a única maneira de beneficiar dos subsídios, acaba por ser a melhor via para aderir.

Quem não tiver seguro, nestas condições, paga uma multa que começou por ser de 1% do rendimento, subindo depois para 2% e a partir de 2016 passou para 2,5%.

O problema do Obamacare é que muitas pessoas que não recebem o seguro do seu empregador podem escolher não pagar um seguro pelo menos até não estarem doentes, na medida em que muitas vezes a coima é inferior ao prémio do seguro que teriam de pagar.

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O que dizem os que são contra?

Barack Obama propôs a lei desde o primeiro ano do seu mandato e o Partido Republicano quis desde o primeiro dia revogá-la.

  • Segundo os críticos, impõe custos às pessoas de forma arbitrária. Os cidadãos não deveriam ser obrigados a pagar um seguro de saúde e o Obamacare é uma invasão do Estado nas escolhas privadas e nos negócios individuais;
  • Além disso, argumentam, o Obamacare destrói empregos;
  • O facto de aqueles que têm uma condição de saúde preexistente grave poderem comprar um seguro com um prémio padronizado, fixo, pode ser tanto uma vantagem como uma desvantagem, na medida em que encoraja os que não estão doentes a cancelar os seus seguros, ou a permanecerem sem subscrição até que fiquem de facto doentes. Isto pode levar, no limite, a uma subida dos prémios, na medida em que os cidadãos doentes representam mais custos para as seguradoras do que os saudáveis.
  • Outro dos argumentos é a ideia de que muitos dos utilizadores estão a faltar às consultas para reduzirem os custos com a saúde. “De que serve um plano de saúde se não se pode dar ao luxo de usufruir dele?”, questionou o vice-presidente de Donald Trump, Mike Pence, a dada altura na campanha.
  • Os críticos da lei alegam também que milhões de cidadãos individuais perderam o seu seguro à custa dos planos de saúde individuais que havia no mercado liberalizado e que foram descontinuados na sequência do Obamacare.

Depois de a lei passar em 2010, os republicanos lançaram várias ações nos tribunais, nomeadamente para tentar que a imposição de subscrição individual de uma apólice fosse considerada ilegal. Mas, em 2012, o Supremo optou pela constitucionalidade da lei.

Mais recentemente, outro recurso pretendia mostrar que a atribuição de subsídios a nível nacional não era legal. Mas o Supremo voltou a dar razão à administração Obama. A existência de subsídios a nível nacional foi considerada legal, sendo uma medida-chave para o funcionamento do Obamacare, ao garantir o acesso às classes com menos recursos.

Os democratas sempre disseram que os republicanos que queriam acabar com o Obamacare estão apenas motivados politicamente a acabar com aquela que foi a grande bandeira do primeiro mandato de Obama na Casa Branca.

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O que prometeu Donald Trump na campanha?

Donald Trump passou uma boa parte da campanha a classificar o Obamacare de “um desastre total”, “uma catástrofe” e uma máquina de “destruir empregos”. Nunca disse que alternativa para o setor da saúde propunha, mas disse desde o primeiro dia que iria revogar o Obamacare assim que chegasse à Casa Branca e que para isso iria convocar uma sessão especial do Congresso.

Para Trump, “o melhor programa social será sempre um emprego”. Ou seja, tendo trabalho, as pessoas poderão pagar do seu próprio bolso as despesas de saúde.

Falando na Pensilvânia, Trump centrou o discurso na denúncia das falhas do programa Obamacare e afirmou mesmo que se a lei não for revogada o sistema norte-americano de saúde “será destruído para sempre”.

A reforma de saúde que Donald Trump propõe baseia-se no “poder do mercado livre”, como explicou nessa altura, eliminando-se a obrigatoriedade de contratar um seguro médico porque não devia ser o Governo a dizer “como se deve gastar o dinheiro”. Mas, de resto, não se sabe em que consistiria a reforma proposta por Trump para a área da saúde, também chamada Trumpcare.

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E o que vai fazer Donald Trump?

Três dias depois de ter vencido as eleições, na primeira entrevista que deu ao Wall Street Journal, Trump recuou e admitiu querer manter pelo menos dois pilares da reforma que tem sido criticada pelos republicanos.

O que quer Trump manter? A proibição contra as seguradoras que negam um plano de saúde a pacientes por causa da sua condição de saúde preexistente e um artigo que permite aos pais estender a cobertura do seu seguro aos filhos até aos 26 anos.

Numa entrevista ao programa 60 Minutos, da CBS, Trump voltou a reafirmar a sua intenção de tentar manter aqueles que são, na sua opinião, “os grandes ativos” da reforma da saúde. Isto depois de Trump se ter reunido com Obama na Casa Branca e de este o ter sensibilizado para a questão. “Eu disse-lhe que ia pensar nas suas sugestões e, por respeito, irei fazê-lo”, disse Trump.

 

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Donald Trump pode revogar o Obamacare?

Sozinho, não.

A guerra do Obamacare é antiga e, desde que passou no Congresso e foi assinada pela Casa Branca, em março de 2010, o Partido Republicano tem feito inúmeras tentativas (mais de 50, na verdade) para revogar a lei por via do Congresso. Sempre sem sucesso, uma vez que a maioria democrata travava sempre essas iniciativas.

Daí que os republicanos — nem todos fãs de Donald Trump — tenham visto na campanha do candidato presidencial uma oportunidade para acabar com a lei. É que a vitória do republicano devolveu também a maioria nas duas câmaras parlamentares aos republicanos.

A partir de janeiro, Trump vai trabalhar com uma maioria republicana no Senado e na Câmara dos Representantes, que irá apoiar a revogação ou alteração do Obamacare. Mas como o Trumpcare ainda está numa fase muito embrionária, parte do trabalho do Congresso vai ser também pensar em alternativas.

Os congressistas republicanos publicaram este verão a sua versão da substituição do Obamacare, a que chamaram “Uma Via Melhor”, com propostas legislativas que passavam por não limitar os planos de saúde às linhas do Estado, mas que não chegou a receber o apoio do Senado e não chegou a ser transposto para uma iniciativa legislativa. Há por isso ainda muito a fazer da parte dos republicanos.

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Quais as principais falhas do programa?

O Obamacare não está a correr como o idealizado, uma vez que o número de pessoas que subscreveu os seguros subsidiados pelo Estado não está a ser tão elevado quanto o estimado.

Há apenas 10,4 milhões de segurados, menos de metade dos 22 milhões que o departamento orçamental do Congresso tinha estimado em 2014 para o total de apólices em 2016.

Uma semana antes das eleições foram divulgados novos dados do executivo de Barack Obama que preveem um aumento médio de 25% no próximo ano nos prémios das modalidades dos seguros de saúde mais populares, na sequência da menor adesão do que o esperado. De acordo com o Governo, esse aumento do custo não será tão devastador porque mais de 80% dos consumidores pode beneficiar de subsídios para adquirir os seguros. Mas, ainda assim, é um aumento de custos para os subscritores.

Isto porque um dos problemas passa pelo facto de, apesar de haver multas associadas, nem toda a gente que não está coberta pelo seguro da empresa optar por subscrever um mandato individual. Preferem deixar a subscrição para quando, ou se, forem diagnosticadas com alguma doença. Isto faz com que aumentem os valores do prémio, e, consequentemente, com que menos gente adira. É um efeito bola de neve.

A chave do sucesso do Obamacare era atrair pessoas jovens e saudáveis, com um valor de prémio fixo, que é igual para estes e para os que têm uma doença preexistente — mas pode estar a falhar neste princípio.