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O preço da eletricidade vai finalmente descer em 2018?

Sim. E não. Ou por outras palavras, depende do consumidor e do fornecedor que escolheu.

Em outubro de 2017, a entidade que regula o setor da energia (ERSE) propôs uma variação de menos 0,2% na tarifa regulada para os consumidores domésticos em 2018. Esta descida, a primeira neste século, aplica-se diretamente a todos os consumidores que estão ainda no regime das tarifas transitórias.

Para além da descida da tarifa final, o regulador anunciou uma descida de 4,4% na tarifa de acesso às redes paga por todos os clientes que se aplica também aos preços praticados em regime de mercado pelas comercializadoras.

Mas, em janeiro deste ano, a EDP Comercial, o braço da EDP para o mercado liberalizado, comunica aos clientes que vai proceder no dia 18 de janeiro (esta quinta-feira) a uma atualização do preço da energia que corresponderá em termos médios a um agravamento médio da fatura de 2,5% ou mais um euro por mês.

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Porque é que a EDP Comercial aumenta os preços, quando as tarifas descem?

A EDP Comercial, tal como todas as comercializadoras, tem de de passar para os seus clientes a descida das tarifas de acesso às redes decidida pelo regulador. Mas essa baixa de 4,4% não chega para compensar o aumento dos custos com a compra de energia no mercado grossista que a empresa decidiu passar, em parte, para o consumidor.

A EDP Comercial diz que o preço a que compra a eletricidade para abastecer os seus clientes subiu cerca de 24% no ano passado — um efeito que resulta sobretudo da seca — e que esse aumento do preço não está totalmente refletido nos pressupostos usados pela ERSE para fixar as tarifas elétricas. O regulador apenas reconheceu um acréscimo de 6%. Este desfasamento já aconteceu em 2017, ano em que os preços ficaram acima da previsão do regulador.

De acordo com Miguel Stilwell, o administrador da EDP com o pelouro comercial, os números da ERSE deixariam apenas uma margem de 1,5 euros por cliente para cobrir todos os custos da empresa com a comercialização, o que é insuficiente, justifica a EDP.

E, por isso, ao contrário do que acontece em anos anteriores, a empresa decidiu fazer uma atualização de 2,5% da fatura média paga pelos seus clientes, para garantir que não perde dinheiro no negócio de comercialização.

 

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A taxa do contador pode subir até 35%?

Esta ideia resultou de um alerta feito pela associação de defesa do consumidor. Uma das especialistas da Deco avisou, a propósito dos novos preços comunicados pela EDP Comercial, que existiam até descidas no preço cobrado pela energia consumida, mas que, em contrapartida, o termo fixo de alguns contratos podia subir até 35%.

EDP. Renda do contador pode custar até mais 35% na fatura

O termo fixo substitui a taxa do contador, que foi eliminada há anos, e é cobrado em função da potência contratada pelo consumidor (quanto maior a potência, maior o custo). A EDP Comercial optou por refletir o aumento médio de 2,5% mais no termo fixado, que é penalizado em relação ao custo cobrado pela energia.

Ainda que, olhando para as rubricas individuais, se possam encontrar variações dessa dimensão, Miguel Stilwell garante que o aumento médio da fatura total ficará em 2,5%, como comunicado pela empresa. A decisão de carregar no termo fixo e aliviar o custo da energia consumida é explicada como forma de poupar as famílias mais numerosas e, portanto, com mais consumo, enquanto se penaliza as segundas residências ou contadores autónomos em garagens ou arrecadações.

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Afinal, quantos vão pagar mais e menos?

O preço baixa, ligeiramente, para os clientes que ainda têm tarifa transitória e que em outubro eram pouco mais de 1,2 milhões de famílias.

O aumento da fatura da EDP Comercial chegará a muito mais pessoas, porque esta é de longe a principal comercializadora no mercado.

Em outubro estavam 4,9 milhões de clientes domésticos no mercado liberalizado. Neste universo, uma percentagem de 83,9% era cliente da EDP Comercial — estamos a falar de cerca de 4,1 milhões de consumidores de eletricidade. A este bolo é preciso retirar a fatia dos clientes que beneficiam da tarifa social de eletricidade e que são 544 mil, segundo informa a EDP. Estes consumidores têm acesso automático a um desconto de 33,8% em relação à tarifa regulada que a EDP Comercial tem de aplicar. Logo, não vão pagar os novos preços. A EDP Comercial tem custos de 74,4 milhões com estes consumidores.

Sobram então pouco mais de 3,5 milhões de consumidores a quem se aplicarão os novos preços, sendo que o impacto de um euro na fatura mensal é médio Ainda assim, representam mais de metade de todos os clientes domésticos de eletricidade que eram menos de 6,2 milhões. Isto se entretanto não decidirem mudar de fornecedor.

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E o que vão fazer as concorrentes da EDP?

Se a EDP tem 4,1 milhões de clientes no mercado liberalizado, os quase 796 mil que restam são abastecidos por outras comercializadoras, sobretudo Galp, Endesa, Iberdrola e Goldenergy.

Quando foi conhecida a intenção da EDP Comercial, os quatro concorrentes deram sinais públicos de que não iriam subir os seus preços. Mas esta manutenção dos tarifários pode não durar o ano todo.

A Galp Energia adiantou ao Observador que a atualização anual já comunicada aos clientes se vai traduzir numa diminuição média de 0,18% face aos preços de eletricidade praticados em 2017. “Esta revisão reflete o efeito conjugado da descida das tarifas de acesso às redes e do aumento do preço médio de aquisição de energia no MIBEL (Mercado Ibérico de Energia Elétrica). Os preços finais do gás natural mantêm-se inalterados.

A Endesa não irá efetivamente aumentar os seus preços de venda. Apenas fez a atualização anual dos contratos, refletindo as tarifas da ERSE. A Endesa, diz fonte oficial “tem consciência das margens estreitas”, mas ambiciona posicionar-se no mercado como uma marca de referência , oferecendo as tarifas com “os melhores preços do mercado português”.

A diretora comercial da Iberdrola Portugal, Carla Costa, explica ao Observador que a empresa transferiu para os seus clientes no início do ano a descida das tarifas de acesso decidida pela ERSE. A elétrica espanhola também sente o impacto do aumento dos preços da energia no mercado grossista, mas os contratos são feitos com o preço fixo por um ano e só quando esse prazo chega ao fim é que as condições contratuais e o preço são revistos para refletir as condições de mercado da altura. E isto pode acontecer todos os meses, depende de quando foram feitos os contratos.

O presidente da Goldenergy, Nuno Moreira, reafirma ao Observador que não mexeu nos preços. A empresa procura evitar que as variações diárias do mercado de energia sejam diretamente refletidas nos preços aos clientes. E tem, acrescenta, a capacidade de antecipar a compra de energia em contratos de médio e longo prazo, assegurando aos seus clientes “um preço de venda muito competitivo”. Destaca as parcerias que, numa altura de preços elevados, ajudam a não perder a competitividade.

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Com o aumento na EDP, vale a pena voltar à tarifa regulada?

O anúncio do aumento de preços na EDP Comercial coincide com a entrada em vigor de um diploma que permite aos clientes do mercado liberalizado regressarem à tarifa regulada, o que estavam impedidos de fazer até agora. Uma vez que esta tarifa baixa 0,2% este ano, valerá a pena regressar?

O administrador da EDP Comercial assegura que os novos tarifários continuam a ser competitivos, ou seja, mais baixos, do que a tarifa regulada — mesmo depois dos aumentos. Aliás, sublinha Miguel Stilwell, a EDP Comercial nem vai oferecer o regime equiparado à tarifa regulada de eletricidade, porque tem disponíveis ofertas abaixo dessa tarifa.

Mas o melhor é mesmo conferir nos simuladores disponibilizados pela ERSE ou pela Deco, porque os preços comunicados são médios e cada caso é um caso.

Há apenas uma situação, reconhece Miguel Stilwell, em que as ofertas da EDP Comercial não são neste momento competitivas com a tarifa regulada: a tarifa bi-horária (em que o preço baixa à noite, nas horas de menor procura). Esta modalidade representará menos de 20% dos contratos da EDP Comercial e a empresa argumenta que concorrer com a tarifa regulada com os atuais preços da energia no mercado.

Já a oferta combinada de gás e eletricidade é uma aposta comercial da empresa que lançou uma campanha para atrair clientes para esta modalidade, prometendo descontos de 10% no gás e 5% na eletricidade durante seis meses.

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As ofertas no mercado são todas melhores que a tarifa regulada?

Não. Para além do caso da tarifa bi-horária apontado pelo administrador da EDP Comercial, existem outras ofertas que são mais caras do que aquela tarifa. Pelo menos é o que conclui o boletim do mercado retalhista onde a ERSE faz a comparação do custo anual de todas as ofertas comerciais na eletricidade, comparando também com a tarifa regulada.

O documento aponta para dezenas de ofertas acima da tarifa regulada, ainda que as principais elétricas garantam ter opções disponíveis com um preço inferior. É essa a razão invocada por EDP, Endesa, Galp e Iberdrola para não disponibilizarem uma oferta equiparada à tarifa.

Mas no caso da oferta dual, eletricidade + gás natural, a ERSE não compara com a tarifa regulada. E só a EDP Comercial tem 600 mil consumidores com ofertas combinadas de eletricidade e gás e está a apostar forte neste segmento. No entanto, e no limite, a dupla oferta só poderá chegar a cerca de 1,4 milhões de consumidores que estão ligados ao gás natural. A maioria dos clientes de eletricidade está fora.

Por outro lado, a ERSE também não considera as ofertas que incluem serviços adicionais, como, por exemplo, assistência técnica, descontos em outros bens e serviços e ofertas de diagnósticos energéticos.

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O preço é o principal critério para concorrer?

Não necessariamente. A EDP Comercial assume que não tem uma postura low cost no mercado. Ou seja, que não concorre apenas pelo preço mais baixo. O administrador com o pelouro comercial, Miguel Stilwell sublinha que os seus clientes valorizam a qualidade do serviço prestado.

E isto acontece ao nível dos serviços adicionais fornecidos — como a assistência técnica a instalações de energia e eletrodomésticos — em algumas ofertas mais caras que a tarifa regulada. São cerca de 800 mil consumidores, dos quais mais de 300 mil estão em Portugal. Mas também na assistência ao cliente, onde a EDP conta com uma vasta rede nacional de lojas com 230 pontos de atendimento presencial que asseguram essa prestação de serviços.

A Iberdrola, por exemplo, diz que tem ofertas com esses serviços adicionais que são grátis nos primeiros três meses, e que podem ser “desligados” sem custos, mas essa informação acaba por não entrar nas contas da ERSE. Outra aposta comercial grande da elétrica espanhola que pode sair mais cara é o abastecimento dos clientes residenciais apenas a partir de fontes renováveis.

Já o líder da Goldenergy assegura que não tem ofertas com valor de venda inferior ao custo e destaca o contributo dos parceiros para manter uma oferta competitiva. A energia, diz Nuno Moreira, é “um mercado complexo e muito estruturado e que não se compadece de estratégias de curto prazo” e já houve exemplos de epifenómenos que não resultaram. Mas reconhece que na Goldenergy “não fazemos milagres. E para dar as melhores condições aos nossos clientes, a condição é remunerar menos os acionistas”.

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O que pode o Governo fazer?

À partida, as empresas são livres de fixar os preços no mercado regulado desde que cumpram as regras e apliquem as tarifas de acesso definidas pela ERSE. Mas, na sequência do anúncio da EDP, o Governo, através do secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, pediu ao regulador uma análise ao aumento de preços decidido pela elétrica, sobretudo no que toca à componente extra custo de energia (o tal termo fixo).

O tema suscitou também uma reação do Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa revelou que está a estudar o aumento de preços da EDP e que poderá pronunciar-se sobre o tema.

Marcelo está a estudar aumento de preços da EDP Comercial

Mas talvez o passo mais decisivo tenha sido tomado antes. No ano passado, o PS deixou passar uma proposta do PCP para permitir o regresso dos consumidores domésticos às tarifas reguladas. Esta possibilidade, disponível a partir deste ano, funciona como um mecanismo de pressão sobre as comercializadoras e as ofertas do mercado. Se subirem muito os preços, perdem os clientes para a tarifa.

Outra medida que o Governo adotou foi o alargamento da tarifa social de eletricidade que chega já a 800 mil famílias (13% de todos os consumidores) com descontos de mais de 30% suportados pelas elétricas. A EDP é quem paga a maior fatura. Só na EDP Comercial os descontos custam 74,4 milhões de euros.

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O que pode o regulador fazer?

Em resposta ao Observador, fonte oficial esclarece que a ERSE acompanha permanentemente o comportamento de todos os agentes de forma a garantir o bom funcionamento do mercado. A propósito do argumento invocado pela EDP — o aumento do preço da energia no mercado grossista — a ERSE avança que esta componente apresenta um peso na fatura final de 30% para o consumidor doméstico, o que mitiga o efeito da volatilidade nos preços finais.

Quando define as tarifas anuais, o regulador faz uma previsão para o custo de aprovisionamento da energia ao longo do ano e “acompanha de forma atenta a evolução destes custos de modo a assegurar que a tarifa regulada se encontra adequada ao contexto de custos de cada momento”. Se houver um desvio em relação às previsões, a ERSE pode decidir uma revisão extraordinária, trimestral. Esta revisão trimestral tanto pode rever em baixa ou em alta as tarifas reguladas, “se tal for considerado ajustado por forma a defender o bom funcionamento do mercado”.

A ERSE diz que não fez até agora qualquer revisão trimestral porque as previsões se revelaram em linha com o ocorrido. Já vimos que esta opinião não é partilhada pela elétrica, como explicou o administrador responsável pela EDP Comercial quando justificou a decisão de subir os preços este ano.

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Quais os riscos do regresso à tarifa regulada?

O presidente da Endesa Portugal foi um dos primeiros a reagir contra o regresso às tarifas reguladas. Em entrevista ao Jornal de Negócios e à Antena 1, Nuno Ribeiro da Silva defendeu que a “medida proposta pelo Partido Comunista é uma inflexão no processo arrastado de liberalização do mercado elétrico. Estamos obrigados por Bruxelas a acabar com as tarifas reguladas”. Bruxelas fixou um horizonte temporal de 2020.

Para o gestor, esta iniciativa pode provocar uma fuga dos clientes do mercado liberalizado, levando os comercializadores a fechar portas, enquanto a EDP Serviço Universal ganha mais clientes.

A EDP pode ganhar no serviço universal, mas a EDP Comercial perde no mercado liberalizado. Não seria a primeira vez que a EDP e outras elétricas deixaram de fazer ofertas no mercado residencial por não conseguirem concorrer com as tarifas reguladas, sem perderem dinheiro. Aconteceu entre 2006 e 2008 e voltou a acontecer em 2010 e 2011, anos em que houve intervenções políticas para travar aumentos dos preços. Podemos estar perante um regresso massivo de clientes, atraídos pelas tarifas mais baixas.

Alguns responsáveis do setor ouvidos pelo Observador avisam que as tarifas reguladas já não deixam muito espaço para concorrer no segmento residencial. E se os preços de mercado se mantiverem a atual nível, acima da previsão feita pela ERSE para 2018, há o risco de se voltar a gerar défice tarifário, porque as receitas não permitirão cobrir os custos das empresas com a compra de energia. O défice, ou dívida tarifária dos clientes ao sistema (EDP) esta a cair há dois anos, mas ainda se situa nos 3,6 mil milhões de euros.