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Quais são os riscos de desenvolver cancro devido ao consumo de carne (vermelha e processada)?

Objetivo do grupo de trabalho da Agência Internacional para a Investigação em Cancro da Organização Mundial de Saúde, que incluía 22 cientistas de 10 países, era avaliar a associação entre o consumo de carnes vermelhas e carnes processadas e o risco de desenvolver cancro.

O relatório elaborado classificou o consumo de carne processada como “carcinogénico para humanos” (grupo 1) e o consumo de carne vermelha como “provavelmente carcinogénico” (grupo 2A) com base na revisão de 800 estudos epidemiológicos – trabalhos de investigação científica que relacionam as doenças com as potenciais causas.

Na nota publicada na revista científica The Lancet, os especialistas concluem que por cada 50 gramas de carne processada ingerida diariamente, o risco de desenvolver cancro colorretal aumenta 18% e que para o consumo de 100 gramas de carne vermelha por dia, o risco aumenta 17%. No entanto, não é referido qual a base em relação à qual se dá o aumento, como critica The Atlantic.

Para explicar o que isto pode querer dizer, o Cancer Research UK dá um exemplo: se entre as pessoas que comem pouca carne há 56 pessoas em cada mil no Reino Unido podem desenvolver cancro colorretal, então entre as pessoas que comem muita carne processada haverá 66 pessoas em cada mil que podem desenvolver este tipo de cancro.

A análise dos estudos epidemiológicos permitiu ainda encontrar uma associação entre as carnes vermelhas e os cancros da próstata e do pâncreas, assim como uma associação entre carnes processadas e o cancro do estômago.

O relatório final ainda não se encontra publicado.

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De que grau de risco estamos de facto a falar?

Existem cinco níveis de risco na classificação da Agência Internacional para a Investigação em Cancro: do grupo 1 – carcinogénico para humanos, até ao grupo 5 – provavelmente não carcinogénico para humanos. Pode consultar a lista completa de agentes classificados aqui.

Quando há provas convincentes de que um agente pode causar cancro em humanos é classificado no grupo 1, como aconteceu com as carnes processadas. No grupo 1 também estão incluídos o fumo do tabaco e o amianto, mas esta classificação refere-se exclusivamente à demonstração científica sobre o potencial de causarem cancro e não ao nível de risco. Ou seja, o risco de contrair cancro por parte de um fumador não é o mesmo que o de um consumidor de carnes processadas.

Como reforça The Atlantic, estas classificações não são feitas para definir “quão” perigoso é, mas apenas que “se tem a certeza” que algo é perigoso.

Quando há demonstrações menos consistentes de que o agente é carcinogénico em humanos ou nas experiências com animais, a classificação cai no grupo 2. No caso do subgrupo 2A, há uma associação positiva, mas com provas limitadas, que o agente cause cancro em humanos. Quer isto dizer que não foi possível descartar outros fatores de risco. Este é o caso das carnes vermelhas.

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O que são carnes vermelhas e carnes processadas?

Os investigadores focaram-se na carne vermelha fresca, incluindo carne picada e congelada, e na carne processada, ou seja, aquela que foi transformada com o objetivo de intensificar o sabor ou aumentar o período de conservação.

A carne vermelha inclui todas as variáveis que têm origem no músculo de mamíferos, como vaca e vitela, porco e leitão, carneiro e cordeiro, cabra e cabrito ou cavalo.

As carnes processadas consideradas neste relatório não incluem exclusivamente as carnes vermelhas, mas todas as carnes sujeitas a salmoura, secagem, fermentação ou defumação.

São exemplo de carne processada as salsichas, fiambres, chouriços, presuntos ou carnes secas, mas também a carne enlatada e os molhos e preparados à base de carne.

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Cozinhar a comida pode aumentar o risco de se tornar cancerígena?

Cozinhar a altas temperaturas, como durante a fritura ou no churrasco, pode fazer com que se criem certos compostos que provocarão, eventualmente, um aumento do risco de desenvolver cancro.

Durante o processamento da carne ou enquanto esta é cozinhada, podem formar-se alguns compostos químicos com potencial cancerígeno, como nitrosaminas, nitrosamidas e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos. Sabe-se que estes compostos podem, por exemplo, danificar o ADN, mas de que forma o aumento do consumo aumenta a incidência de cancro, ainda não está perfeitamente estudado.

Do mesmo modo, também ainda não existem estudos suficientes que demonstrem se comer carne crua é mais seguro. Nem tão pouco estão avaliados os riscos que podem estar associados ao consumo de carnes brancas ou peixe.

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Devemos deixar de consumir carne?

“Ninguém duvida que a carne vermelha é um alimento nutritivo, nem existe nenhuma razão nutricional para retirá-la da dieta”, refere Rosemary Stanton, nutricionista e membro do comité de recomendações alimentares do Conselho Nacional de Saúde e Investigação em Medicina australiano.

Nuno Miranda, diretor do Programa para as Doenças Oncológicas da Direção-Geral de Saúde, acrescenta que o consumo de carne vermelha também tem as suas vantagens, porque a carne é fonte de vitamina B12, ferro e zinco, conforme disse ao Observador. Mas aconselha o consumo moderado de carnes vermelhas e processadas e que, sempre que possível, sejam substituídas por carnes brancas ou peixe.

Apesar de não existirem linhas orientadoras para o consumo de carnes vermelhas e processadas em Portugal, Nuno Borges, professor na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, lembra ao Observador que a Nova Roda dos Alimentos já recomenda um consumo moderado da carne.

Carne, pescados e ovos: 1,5 a 4,5 porções por dia
Porção de carne ou pescado crus: 30 gramas
Porção de carne ou pescado cozinhado: 25 gramas
Ovo: tamanho médio (55 gramas)

Não é um bife de vaca que, apesar de dever ser consumido de forma moderada, vai provocar o cancro. Agora, o seu consumo deve manter-se ou ser reduzido para até 500 gramas por semana, o que equivale a quatro ou cinco refeições de carne por semana”, explica, citado pela Lusa, Pedro Graça, diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da Direção-Geral de Saúde.

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Três questões que devem ficar claras: a classificação, o consumo e os outros produtos não incluídos.

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Se não comer carne deixo de ter risco de contrair cancro colorretal?

“O risco de desenvolver cancro colorretal é multifatorial”, lembra ao Observador Nuno Figueiredo, cirurgião de cancro colorretal na Fundação Champalimaud. O médico refere que mesmo havendo uma associação do risco ao consumo de carnes vermelhas e processadas, esse risco ainda não está quantificado. E reforça que não se podem desvalorizar outros fatores de risco importantes como o consumo reduzido de fibras, a obesidade ou o sedentarismo.

A alimentação variada, rica em fibras e pobre em gordura animal, assim como a adoção de um estilo de vida saudável – mantendo uma vida ativa e evitando o consumo de álcool e tabaco –, são elementos chave não só para a prevenção do cancro colorretal, mas também dos restantes tipos de cancro, refere o médico.

Uma alimentação variada é reforçada por Nuno Miranda, diretor do Programa para as Doenças Oncológicas da Direção-Geral de Saúde (DGS), porque “não existem alimentos 100% seguros”. “Existem riscos associados a cada alimento, mas também existem benefícios”, disse ao Observador. O que é preciso lembrar é que os alimentos agora viajam muito antes de chegarem ao consumidor.

Pedro Graça, diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da DGS, citado pela Lusa, também reforça que o consumo de carne processada deve ser moderado e incluído em refeições com alimentos protetores, como as frutas e hortícolas. O mesmo é referido no blogue do programa – Nutrimento.

O relatório agora publicado vem reforçar o alerta em relação aos riscos do consumo de carne vermelha e processada, mas, como lamenta Pedro Graça, “continuamos a comer mais ou menos a mesma coisa, apesar dos alertas”.

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Os portugueses andam a abusar dos enchidos e carnes vermelhas?

“Desde que há registo, inverte-se pela primeira vez uma tendência: a carne de aves [animais de capoeira] cresce ao contrário da de bovino e a de suíno. Mesmo assim, a proporção de proteína de origem animal ainda está acima do desejável”, refere o relatório Alimentação Saudável em Números 2014 da Direção-Geral da Saúde, citado pela Lusa, que recorre a dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) entre os anos de 2008 e 2012.

Ainda de acordo com dados do INE, o consumo de carne bovina desceu de 19,6 quilogramas por habitante, em 2008, para 16,7, em 2012. A mesma tendência decrescente foi verificada para a carne de porco que passou 47,1 quilogramas por habitante, em 2008, para 43,3, em 2012. Já o consumo de carne de animais de capoeira foi aumentando, de 33,8 quilogramas por habitante, em 2008, para 35,8 quilos, em 2012.

Segundo o jornal Fortune, o consumo de carne de vaca também tem reduzido nos Estados Unidos e o consumo de carne de galinha tem aumentado.

 

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De que forma o cancro colorretal afeta a população portuguesa?

O cancro colorretal é o cancro que mais mortes causa em Portugal neste momento, mais do que o cancro do pulmão, da mama ou da próstata, alerta Nuno Figueiredo, cirurgião de cancro colorretal na Fundação Champalimaud. O médico acrescenta ainda que os cancros do sistema digestivo matam mais do que todos os outros cancros juntos.

Em 2012, o cancro colorretal matou 3.797 pessoas em Portugal, segundo os dados da Agência Internacional para a Investigação em Cancro. Mais 2.285 mortes com cancro do estômago, 1.268 com cancro do pâncreas e 540 com cancro do esófago.

O rastreio do cancro colorretal, feito a partir dos 50 anos em toda a população, pode ter impacto na diminuição da mortalidade, disse o médico ao Observador, visto que o diagnóstico do tumor numa fase inicial é totalmente tratável.

A pesquisa de sangue oculto nas fezes é o método de rastreio, mas ainda mal implementado, em Portugal, lamenta Nuno Figueiredo. Quando é detetado sangue oculto nas fezes, o doente deve ser imediatamente encaminhado para fazer uma colonoscopia que permite detetar a existência de lesões ou anomalias no intestino e, caso seja necessário, retirar material para biopsia. Uma vez confirmado se a lesão é maligna, deve tratar-se imediatamente o doente.