São várias as publicações nas redes sociais em que os utilizadores alegam que a toma da vacina contra a Covid-19 tem implicações graves nos vasos sanguíneos. É uma informação enganadora, já que está comprovado que as vacinas contra a Covid-19 são seguras, como o Observador já explicou noutros artigos.

Numa das publicações em causa, um utilizador partilha um vídeo de quatro minutos que mostra um painel de pessoas a debater sobre a segurança das vacinas contra Covid-19. No vídeo, a médica Maria Emília Gadelha Serra, como identifica o Lupa (plataforma de fact-checking brasileira fundada há oito anos), defende que há um padrão: “A proteína Spike sintética não perdoa. Ela tem um modus operandi de fazer a lesão. Ela faz uma lesão na parede vascular, faz a lesão inflamatória. Desencadeia um processo inflamatório exuberante. E dependendo das condições da pessoa, nutricionais, genética e afins, essa conta chega. E essa conta vem como sequelas, danos corporais, perda de movimento, lesões neurológicas, doenças autoimunes, agora suspeita de tumores e morte.”

O imunologista do Instituto de medicina molecular Luís Graça explica, em termos simples, que, “em relação ao dano da vacina na parede dos vasos, não está documentado que isso de facto ocorra e que seja um efeito adverso destas vacinas.”

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O especialista indica que “a confiança na segurança das vacinas é muito robusta porque já temos milhões de pessoas vacinadas em todo o mundo, milhões de pessoas vacinadas de todas as faixas etárias e pessoas vacinadas com muitos tipos de doenças diferentes”. Além disso, explica o imunologista, “já existe um tempo de seguimento das pessoas vacinadas de muitos meses” e tem sido investigada a possibilidade de efeitos adversos raros, como é requerido para a segurança de uma vacina.

O médico explica que “as vacinas baseadas em adenovírus e comercializadas pela AstraZeneca e pela Janssen tiveram um efeito adverso extremamente raro que levava a complicações tromboembólicas. Mas isto demonstra que esses efeitos raros conseguem ser identificados e que este efeito na parede dos vasos não está documentado”, conclui.

No Protocolo de Atuação dedicada ao assunto, publicado em 2021 na Acta Médica Portuguesa, podemos verificar que, “após a generalização da vacinação contra a Covid-19, foram relatados efeitos adversos como trombose, hemorragia e trombocitopenia” e que, após vacinação, recentemente “foi reconhecido um síndrome raro e com mortalidade elevada (…), em particular trombose dos seios venosos cerebrais [TVC, abaixo explicada a designação].” As autoras do documento, Sara Morais e Eugénia Cruz, ambas da Unidade de Trombose e Hemostase do Hospital de Santo António, notam que se trata de “raras complicações”.

De acordo com a Sociedade Portuguesa de Neurologia, a trombose venosa cerebral (TVC) é um tipo relativamente raro de acidente vascular cerebral (AVC). Afeta entre 1,3 e 1,6 pessoas em cada 100 mil e ocorre quando coágulos de sangue obstruem os seios durais, ou seja, as veias que drenam o sangue do cérebro.

Tomar a vacina continua a ser mais benéfico do que recusá-la, como comprovam um artigo do Observador e uma notícia da Agência Lusa. Além disso, este ano, um estudo publicado na revista científica da Sociedade Europeia de Cardiologia indica que doentes com Covid-19 “eram mais propensos a desenvolver numerosas condições cardiovasculares”, o que pode contribuir para maior risco de morte.

No final de 2021, um estudo europeu sobre trombose venosa cerebral (TVC) após a vacinação contra a Covid-19 mostra a segurança das vacinas, como a Pfizer e Moderna. Quanto à da Astrazeneca, “os dados confirmam que o risco do síndroma raro de trombose venosa cerebral e trombocitopenia depende da idade”, explica uma das coordenadora do estudo. De acordo com esta investigadora, nos 31 países estudados, foram administradas 228 milhões de primeiras doses de vacinas contra a Covid-19 e notificados 550 casos, sendo que 276 tinham trombocitopenia. Assim, é possível confirmar que “a segurança relativamente a este tipo de eventos trombóticos das vacinas baseadas em mRNA”.

Num guia de perguntas e respostas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) explica para que servem as vacinas, como são desenvolvidas e porque é que são seguras. Neste caso, olhamos para os efeitos secundários. A OMS explica que a vacinação é segura e que os efeitos secundários, quando verificados, são “temporários”, tais como um braço dorido devido à injeção e febre fraca. Além disso, esses são “sinais de que o corpo está a desenvolver proteção”, como podemos ler no artigo “Efeitos Secundários das vacinas Covid-19”, que faz parte da série da OMS “Vaccine Explained”. A OMS nota que “outros efeitos secundários são possíveis, mas extremamente raros” e não descarta que haja efeitos efeitos secundários severos e a longo prazo. No entanto, esta organização nota que “são extremamente raros” e que, por segurança, “as vacinas são continuamente monitorizadas para detetar efeitos adversos raros.”

Ana Gomes de Almeida, professora de Cardiologia da Faculdade de Medicina de Lisboa, explica que os efeitos secundários comuns “são transitórios” e surgem logo após a vacinação e desaparecem por si próprios, “tal como febre, dor de cabeça, cansaço, dores musculares ou articulares”. A professora sublinha que, embora estes efeitos “possam ser desagradáveis, não traduzem um significado de mau prognóstico.”

Quanto à proteína Spike sintética, a cardiologista esclarece que “conduz a um processo inflamatório com elevação de citocinas e quimiocinas que promovem e são simultaneamente biomarcadores de inflamação sistémica (envolvendo todo o corpo)”. Como já vimos, o processo surge após a administração da vacina e desaparece rapidamente, “na grande maioria dos indivíduos”. A profissional sublinha que, contudo, existem fatores individuais, como “moduladores genéticos” e “a presença concomitante de outras patologias (cardiovasculares, insuficiência renal, hipertensão, etc), que podem ter influência na gravidade da inflamação”.

No vídeo em causa, e sujeito a esta verificação de factos, a médica defende que a proteína Spike sintética pode levar a perda de movimento. A professora Ana Gomes de Almeida explica que a perda de movimento “pode surgir em consequência de complicações graves, muito raras”. Quanto a lesões neurológicas, explica que são pouco frequentes na sequência das vacinas e que “a relação de causalidade é difícil de estabelecer”. Em alguns casos, as lesões “correspondem a exacerbação de doenças pré-existentes”.

Também são mencionados, no vídeo, doenças autoimunes e tumores. Ana Gomes de Almeida esclarece: “A Covid-19 associa-se a risco aumentado de várias doenças autoimunes e o risco pode ser atenuado pela vacinação, de acordo com um estudo envolvendo mais de um milhão de infetados em comparação com mais de três milhões de não infetados. Há alguma evidência de que a vacina pode determinar o aparecimento de doenças autoimunes de novo, que ocorrem raramente, sendo, na sua maioria, publicados como casos clínicos. Contudo, a relação causal entre elas não se encontra estabelecida, assim como os possíveis fatores que se lhe associam.” Relativamente ao risco oncológico, “não há qualquer evidência segura nesse sentido. As vacinas, por outro lado, reduzem o risco de Covid-19 em portadores de doenças oncológicas, os quais apresentam risco aumentado de formas severas de Covid-19.”

No vídeo, é também afirmado que as pessoas vacinadas contra a Covid-19 devem fazer periodicamente o exame de dímero D para detetar o risco de trombose. Há necessidade? A profissional explica que os dímeros D “são produtos de degradação dos coágulos de fibrina, componentes dos coágulos e são marcadores de trombose e fibrinólise”. Assim, para a cardiologista Ana Gomes de Almeida, “não tem fundamentação clínica a avaliação regular e sistemática dos dímeros D em pessoas vacinadas.”

O fenómeno em causa, de inflamação da parede vascular, é denominado “vasculite” de modo geral. Sobre a relação que tem a toma da vacina contra a Covid-19 e a inflamação das paredes vasculares, a professora da Universidade de Lisboa explica que podemos distinguir dois aspetos relacionados com efeitos vasculares — a hipertensão arterial e as vasculites.

“Na realidade, em termos clínicos, a vacina parece associar-se frequentemente a uma breve resposta hipertensiva, mas a hipertensão mantida foi descrita como rara e transitória nos vários estudos. O mecanismo completo fisiopatológico ainda permanece por explicar. Contudo, como outros efeitos da vacina e da infeção por SARS-Cov-2, o substrato genético muito provavelmente modula a fisiopatologia da condição e a sua expressão clínica, pelo que existe necessidade de investigação futura para adequada identificação do risco individual e do consequente manejo clínico”, conclui.

Assim, no que diz respeito às vasculites, “estudos na área da farmacovigilância não encontraram aumento de reporte de vasculites sistémicas nos doentes com vacinas de mRNA usando como comparação a vacina contra o vírus influenza”. Contudo, esta interpretação não tem para já implicações diretas. A médica explica o porquê: “os números de doentes registados são limitados e outros fatores, tais como os ambientais, infecciosos e genéticos têm um papel importante. A vacina pode só ter ação de desencadear num doente já predisposto.”

Conclusão

Tomar a vacina contra a Covid-19 é mais benéfico do que não tomar, já que doentes infetados têm mais chances de desenvolver numerosas condições cardiovasculares.  Como vimos, o risco de trombose venosa cerebral é de cerca de 1 em 100 mil. Após vacinação, o risco depende da idade, fatores individuais e genéticos.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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