No debate quinzenal desta quarta-feira, Assunção Cristas acusou António Costa de não ter feito tudo ao seu alcance para evitar a catástrofe que se abateu sobre as zonas norte e centro do país, não acautelando, nomeadamente, o número necessário de operacionais e meios aéreos disponíveis para o combate aos incêndios — isto, apesar dos alertas do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) para a severidade das condições meteorológicas que se iam fazer sentir naquele período. A líder do CDS questionou mesmo a decisão de reduzir os meios à disposição e isto mesmo perante todos os alertas. A democrata-cristã tem ou não razão?

O que está em causa

À medida que foi sendo conhecida a verdadeira dimensão da calamidade que atingiu vários distritos a norte do Tejo, os olhares viraram-se todos para os meios que a Proteção Civil tinha ao dispor para enfrentar os incêndios que devastavam metade do país. Essa discussão, aliás, tinha começado antes mesmo dos incêndios deste fim de semana quando a oposição política, autarcas, bombeiros e responsáveis do IPMA pressionaram o Governo a tomar medidas de prevenção para que a tragédia de Pedrógão Grande não se repetisse.

Aliás, essas foram uma das conclusões da comissão técnica independente nomeada pela Assembleia da República para analisar os incêndios de junho: a não antecipação da Fase Charlie, a mais crítica de combate aos incêndios, apesar de todos os avisos para as condições meteorológicas extremas que se iam fazer sentir naquele período, e o não pré-posicionamento dos meios necessários contribuíram para o mau ataque inicial ao fogo.

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Ora, a Fase Charlie terminou oficialmente a 1 de outubro e resultou na redução do número de operacionais e meios à disposição e no encerramento dos 236 postos de vigia, dos quais apenas 72 seriam reabertos para enfrentar este novo período crítico — mais uma vez, por pressão de autarcas e oposição política.

Essa redução de meios foi questionada, inclusivamente, por membros da comissão independente que estudou Pedrógão Grande. “A Autoridade Nacional de Proteção Civil deveria estar mais atenta e fazer planeamento tendo em conta esta informação [do IPMA]. Não pode ficar no comando de Carnaxide nem nos distritais, tem de chegar ao local. Bastava ver as imagens de satélite, era bastante claro”, notou Paulo Fernandes, um dos 12 peritos que participou na elaboração do relatório, em declarações ao Expresso.

Segundo este especialista, a faixa ocidental do país mostrava logo na sexta-feira valores de risco de incêndio muito elevados, num “contexto metereológico mais grave do que o de Pedrógão Grande”. A Proteção Civil, defendeu o especialista, devia “tomar atitude em consequência” — algo que não terá feito.

E foi esse argumento que Assunção Cristas agora repescou.

É normal ter passado todo o tempo a dizer que a severidade do clima poderia repetir-se e depois não acautelar a extensão de meios? Mais: ter deixado que se reduzissem 29 meios aéreos? Não, não é normal. É irresponsabilidade. (…) É normal que não se tenha garantido, em especial para este fim de semana, os meios quando todos os avisos meteorológicos apontavam para risco máximo. Não é normal. É, no mínimo, incúria.”

O primeiro-ministro, por sua vez, tentou rebater as acusações de Assunção Cristas, argumentado que, de facto, houvera um reforço desse mesmo número de meios à disposição.

Ainda na terça-feira, perante as indicações de risco, foram reforçados os meios humanos em mais de mil operacionais, e prolongados os contratos dos meios aéreos que ainda estavam disponíveis. Na sexta-feira, foi feito um aviso operacional por parte da Autoridade Nacional de Proteção Civil de alerta vermelho em todo o país que reforçou opré-posicionamento dos meios e que relembrou que estava proibidas iniciativas como queimadas e outras.”

Os factos

Quantos meios estavam ao serviço durante os incêndios de Pedrógão Grande, a 17 de junho? Com a Fase Bravo em curso, estavam mobilizados 6.607 operacionais, 1.514 viaturas, 32 meios aéreos e 72 postos de vigia.

Seguiu-se a Fase Charlie. De 1 de julho a 30 de setembro, durante a fase mais crítica de combate aos incêndios, estavam mobilizados 9.740 operacionais e 2.065 viaturas, apoiados por 48 meios aéreos e 236 postos de vigia da responsabilidade da GNR.

Por fim, a Fase Delta. De 1 de outubro a 31 de outubro, passam a estar mobilizados 5.518 operacionais, 1.307 veículos e 22 meios aéreos. E isto apenas numa primeira só até dia 5 de outubro. De 5 a 15 de outubro, os meios aéreos descem para 18. A partir daí e até 31 de outubro, passam a estar disponíveis apenas 2 meios aéreos, estando previsto um reforço, se necessário, de até oito meios aéreos.

Ainda a 9 de outubro, o secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, era claro: por esses dias, o combate aos incêndios dos últimos dias não tinha sido prejudicado com a redução de meios, que foi de 40% em relação à época mais crítica. “O corte dos meios não tem que ver com os incêndios que neste momento vemos”, afirmava o responsável. “É extremamente redutor dizer que não temos recursos, os recursos estão a trabalhar e estão a operar”, sustentaria.

Na terça-feira antes dos incêndios do fim de semana, tal como sublinhou António Costa, e perante os avisos do IPMA, o Governo ordenou o reforço de meios à disposição. O número de operacionais subiu para 6.400 operacionais. O que significa isto? Menos 3.330 do que na fase Charlie e mais 882 do que seria normal durante a Fase Delta.

Ao Observador, Patrícia Gaspar, porta-voz da Proteção Civil, explicou ainda que “houve pré-posicionamento de meios“, com “grupos de reforço em locais estratégicos em cinco bases de apoio logístico da Proteção Civil: Mangualde, Ponte de Lima, Vila Real, Chaves e a Albergaria, e três grupos do GIPS, em Vila Real, Viseu e Faro”.

Mas seria a mesma Patrícia Gaspar a admitir, em conferência de imprensa, que houve falta de meios. “No dia 15 de outubro tínhamos 18 meios aéreos, tivemos 524 ocorrências, número que não foi alcançado em nenhum dia do verão, momento em que tínhamos 48 meios aéreos. No dia 15, é óbvio que teria feito falta mais meios aéreos, mais meios aéreos teria sido uma vantagem importante”, disse a adjunta do comando nacional da ANPC.

Patrícia Gaspar diria mais: “teria sido benéfico possuir mais meios aéreos” a combater os incêndios no domingo e que a ANPC geriu “o melhor que podia” os meios disponíveis. E não estavam mais meios aéreos disponíveis porquê? Casos houve em que não foi possível prolongar as horas de voo em vários contratos de meios aéreos. E porquê? Por “razões administrativas“, admitiu a responsável.

Conclusão

António Costa tem um ponto válido quando diz que, perante os avisos do IPMA, foram reforçados os meios disponíveis durante a Fase Delta. Mas a frieza dos números é clara: durante o fim de semana, em relação ao período compreendido entre 1 de julho e 30 de setembro, havia menos 30 meios aéreos à disposição e menos 3.330 operacionais. Mais: quando a própria Proteção Civil reconhece que houve falta de meios aéreos, o esforço lembrando por António Costa acaba por ser relativizado. Os futuros inquéritos, a existirem, dirão se a falta de meios e o planeamento estratégico foram ou não responsáveis pela dimensão da tragédia. Mas Assunção Cristas tem razão: houve, de facto, redução de meios de setembro para outubro.

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