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Têm um bom conselho para uma mulher grávida? Guardem-no para vocês |
Não há nada pior para uma grávida (sobretudo de um primeiro filho) do que mulheres que já foram mães. Uma mãe, sobretudo uma mãe recente, torna-se, de repente, um repositório de sabedoria que não se coíbe de partilhar, ainda que ninguém lhe tenha pedido (e que partilha mesmo que lhe implorem para não o fazer). É como se, por ter passado pelo estado de graça e por já ter atingido o patamar sacrossanto da maternidade, aquela mulher se tornasse a fiel guardiã de um segredo. Como se fosse uma doutorada com distinção na mais complexa ciência. Qual astro-física, qual quê? |
As enormidades que uma gestante tem de ouvir deviam ficar registadas num livro (agora que penso nisso acho mesmo uma belíssima ideia), a que se daria o nome de Tudo o que Não se Deve Dizer a uma Grávida. E não só sugestões de como fazer e de como não fazer. São, sobretudo, relatos de horror, numa espécie de competição para aferir quem sofreu mais e quem passou pior e quem ganha a taça da mãe mais esmagada pela dor (o que, nessas cabeças, equivale a dizer que são as melhores mães entre todas). Os testemunhos são tais que fazem com que quem esteja à espera de um bebé chegue a pensar: “Mas o que é que eu fui fazer com a minha vida, meu Deus? Por que raio me meti nisto?” (há estudos que apontam para uma crescente fobia do parto provocada, justamente, por estas histórias bizarras). |
Querem exemplos? Têm tempo? |
- Muitos enjoos? Ai, eu vomitei até aos nove meses.
Dores no início da gravidez? É o útero a tentar expulsar esse corpo estranho. Mas é normal… (é normal mas agora só penso no meu útero a tentar empurrar o meu bebé para a sanita, dá para não dizer este tipo de coisa?)
- O quê? Já contaste a toda a gente, antes das 12 semanas? Olha que há imensos abortos espontâneos antes das 12 semanas. Isso ainda nem conta como gravidez.
- Estás a comer isso???
- Estás a beber isso???
- Essa barriga está enorme! Quantos estão aí dentro?
- Essa barriga está enorme! Deve estar quase, não? (quando a pessoa ainda nem completou os cinco meses de gestação).
- Com esse barrigão, o bebé deve estar enorme. Ai, coitada, nem imagino o parto!
- Essa barriga está muito pequena. Será que o bebé está a crescer bem?
- Não estás a trabalhar demais? Sinto-te muito stressada, olha que isso afeta o bebé.
- Eu trabalhei até ao fim, por favor, gravidez não é doença!
- Vais ter o bebé no privado? E se acontece uma complicação? Sabes que não há como os hospitais públicos para salvarem o teu bebé em caso de complicação no parto.
- Vais ter o bebé no público? Ai, prepara-te para te deixarem a sofrer horas a fio.
- O meu parto? 46 horas a gritar num corredor, sem o meu marido ao lado, e vinham hordas de estudantes medir o meu colo. Horrível, senti-me invadida.
- O quê? Vais fazer com epidural? Ai, eu recusei, acho muito mais válido um parto em que sentimos tudo, tal como a natureza manda.
- Escolheste esse médico? Já ouvi dizer coisas terríveis sobre ele. Nunca ouviste falar no meu? É só o melhor do país!
- Quantos quilos engordaste? Isso depois para ir ao sítio vai ser uma dor de cabeça.
- Aproveita para dormir agora… depois a-ca-bou-se.
- Já tens a mala pronta? Não????
- Vais guardar as células do cordão? Acho uma estupidez.
- Não vais guardar as células do cordão? A ciência todos os dias evolui. E se o teu filho vem a precisar e não as guardaste. Já viste a culpa que vais sentir?
- Plano de parto? Que modernices…
- Não tens um plano de parto? Ai, eu tive o bebé com a minha música preferida, com luz controlada, e durante o trabalho de parto pude estar numa banheira quentinha…
- Vais amamentar, certo?
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Isto saiu-me de um sopro, sem ter de puxar muito pela cabeça, e o meu último filho já tem quase oito anos. Mas quatro gravidezes tornaram-me uma espécie de muro das lamentações dos outros, e basicamente ouvi de tudo. Todas as mães sabiam tudo sobre maternidade, como se tivessem frequentado o curso de parentalidade de Harvard, ou coisa assim. E quase todas pareciam ter um prazer perverso em mostrar-me o pior, o mais sangrento, o mais doloroso, o mais infernal. Dava que pensar: será que ser mãe é assim tão bom, se é assim tão mau? |
Além das descrições bizarras sobre partos a ferros e ventosas e berbequins, nunca faltaram os conselhos. Durante a gravidez e, claro, depois do nascimento (e continuam, surpreendentemente, até hoje). Uma dica: quando há conselhos que apontam numa direção, e outros que apontam na direção contrária, em princípio qualquer um deles é válido, e até podem escolher um terceiro, que é indiferente. |
Sempre que vejo uma futura mãe (ou mãe recente) em transe com as múltiplas sugestões díspares, com livros que apresentam teorias contrárias sobre como proceder, deixando-as completamente em pânico, digo sempre o mesmo: pensa nos nossos avós e bisavós. Sem esterilizadores nem luzes de presença, sem planos de parto ou baby showers, sem intercomunicadores ou biberões anti-cólicas ou chupetas ultrasoft. Sem almofadas de amamentação, bicos de silicone para os mamilos, colchões anti-sufoco, espreguiçadeiras que se movimentam sozinhas poupando-nos a embalos infindos. |
Não quero com sito dizer que o facto de vivemos com mais comodidade seja mau. Não cheguei ainda ao ponto de exclamar o típico “no meu tempo é que era!” (até porque no meu tempo já havia mordomias que chegassem). Mas acho que entrámos no campo da paranóia coletiva, em que ter um filho parece um mistério insondável, que não se faz sem uma conselheira de parto, uma doula, uma baby planner, uma enfermeira que vai a casa, uma conselheira de sono, uma especialista em educação positiva, já para não falar num sem-número de produtos que não servem para muito mais do que para alimentar uma indústria que percebeu que isto dos filhos, apesar de nascerem poucos, é uma verdadeira mina. |
Nesta fúria competitiva para ver quem ganha o prémio da mais competente, da mais empenhada, da mais XPTO, as mães compram tudo, alinham em qualquer coisa, esmifram-se todas, e não querem ver os seus créditos por mãos alheias. Se é preciso ter o esterilizador que desliga sozinho e o intercomunicador que filma o bebé 24 horas por dia e o colchão que avisa se ele deixar de respirar… então é para comprar, não vá a criança não sobreviver sem um desses artigos essenciais de puericultura, ou não se desenvolver como devia, se porventura não tiver o brinquedo de última geração que diz as palavras em português, inglês e mandarim. |
E agora, para que não digam que estou a criticar as pobres mães, colocando-me de fora como se fosse superior ao fenómeno, atalho já caminho para confessar que fiz tudo isto. Já quis ter todos os gadgets, fui tendo filhos à medida que as novas invenções (umas mais, outras menos úteis) chegavam ao mercado, e tive praticamente todas. A última que me lembro de me ter sentido “impelida” a comprar foi a Shantala (uma banheira ergonómica que recria a sensação uterina), na qual dei banhos muito pouco tranquilos ao Mateus (o mais novo), porque sentia que ele me escorregava por ali abaixo, e que eu não tinha margem de manobra para os braços, de maneira que ficava sempre um charco no chão onde a coisa se dava. Enfim. Mas não foi dinheiro deitado à rua. Pouco tempo depois servia (e serve até hoje) para encher com água, gelo e… cervejas, em dias de festa. |
Da mesma maneira, note-se que também já dei por mim a lançar a minha bonita posta de pescada sobre maternidade. Tenho a certeza de que, no início desta viagem, ou melhor, destas quatro viagens, eu estava carregadinha de certezas (ainda que cheia de dúvidas, que é o mais certo, quando se tem tantas certezas). Cada filho, por acaso (ou talvez não), veio mostrar-me que tudo aquilo que eu achava que sabia… afinal, não. O primeiro, todo educado e certinho, fez-me pensar que era uma mãe do caraças. Depois veio o segundo, ensinar-me que talvez não tivesse assim tanta responsabilidade no tino do primogénito. Quando o segundo começou a mostrar a pilinha aos vizinhos, a assoar-se aos cortinados e a beber xarope… percebi que eles, todos eles, vêm ensinar-nos coisas novas e retirar-nos peneiras e arrogâncias. O famoso e sempre atual: “Só sei que nada sei”. |
Há, de resto, um episódio que ficou muito marcado na minha memória, e que ficará para sempre. Só de o estar a lembrar (e ainda não comecei a escrever) já estou a suar. Então, eu já tinha três filhos quando uma prima me perguntou se ficava com o bebé dela, acabado de nascer, para ela ir num instante arranjar as unhas e recuperar alguma da dignidade perdida, entre falta de sono e hormonas aos trambolhões. O miúdo teria uma semana, não mais. E eu, claro que sim, por amor de Deus, não custa nada, estás a gozar? Ela deixou-o, deixou o biberão, e acho que foi descansada. Afinal, deixava a sua preciosidade com a decana das mães! |
Lá fiquei, com o bebé ao colo, deliciada, até que ele começou a chorar. Tinha fome. Peguei no biberão, verifiquei a temperatura do leite, e fiz o que já tinha feito centenas de vezes. Só que, a determinado momento, o sacaninha engasgou-se. Eu não me atrapalhei minimamente. Levantei-o, dei-lhe uma palmadinha nas costas, voltei a olhar para ele e… esgasgado. Inclinei-o para baixo, nova pancada nas costas, e nada. Claramente não estava a conseguir respirar. Estava ali, com os olhos vidrados, aflito, e eu lembro-me de ter tempo para pensar: “Ela vai chegar e eu vou ter de dizer que o seu filho, o seu primeiro filho, me morreu nos braços”. |
Levantei-me, dirigi-me à janela, virei-o de cabeça para baixo, dei-lhe um grito, já nem sei que manobras fiz. Sei que uma parte de mim morreu ali. Sem exagero. Quando ele voltou a si, já com os lábios ligeiramente roxos, eu estava lavada em lágrimas, com as pernas a tremer, e a pensar: quem é que tu pensas que és? Julgas que sabes alguma coisa disto? E se ele não se tivesse desengasgado? Já passaram 11 anos. Nunca lhe contei, acreditam? Talvez saiba hoje, se acaso ler esta newsletter. |
Isto tudo para terminar como comecei: ninguém sabe assim tanto da matéria (exceção para profissionais da saúde), para estarem sempre a atirar bitaites que só servem para deixar as futuras mães ou as mães acabadas de o ser ainda mais confusas e assustadas. Deixem as grávidas descobrir por si, deixem as mães recentes fazer à sua maneira, mesmo que vocês achem que é uma péssima maneira. Elas precisam de falhar, de acertar, de fazer o que todas nós fizemos, que é tentar fazer o melhor que podem e sabem. Por favor, deixem as grávidas em paz. |
Vale a pena… |
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Acho que nunca tinha lá ido, nem sequer com a escola. E nunca lá tinha levado os miúdos. Foi desta. Bom, fica já feito o aviso: se houver claustrofóbicos na família, escolham outro programa. Não é nada apertado, todas as galerias têm espaço de sobra, nunca tive aquela sensação de que me faltava o ar, mas o mesmo não se pode dizer do meu excelentíssimo marido, que desceu meia dúzia de degraus e “está bom, encontramo-nos lá fora, boa visita”. Prosseguimos sem ele, que cada um tem o direito de ter os seus limites. Gostei e acho que os miúdos também – não é fácil encontrar programas que agradem a todos, e umas boas e exuberantes estalactites e estalagmites podem fazer o pleno. |
Ler o livro infantil Tu és Tu |
De Peter H. Reynolds, o mesmo autor de O Menino Que Colecionava Palavras, este livro celebra a individualidade. Porque todas as crianças são diferentes e ainda bem que são, e cada uma pode ser o que quiser. Importante para mostrar aos mais novos que por mais voltas que deem, não devem nunca deixar de ser quem são.
(ed. Presença) |
Almoçar com as crianças no Popolo |
O restaurante em Lisboa abriu em 2015 mas sofreu agora uma enorme remodelação e modernização este ano. Está com uma pinta de Nova Iorque, com pinturas nas paredes, mensagens provocatórias, e máquinas de jogos para entreter os mais novos enquanto a comida não chega (ou depois de almoçados, e quando já não ficam mais tempo quietos). O estilo fast-food continua presente, como na versão original, mas está muito melhor (e com opções para quem não quer comer tão fast assim).
Avenida 24 de Julho, 50/50F
T: 213 901 641 |
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Sónia Morais Santos é autora do blogue “Cocó na Fralda“. Ex-jornalista, tem quatro filhos e dois cães, já passou por vários jornais e revistas em Portugal e publicou quatro livros [ver o perfil completo]. |
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