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Cada filho é único e é bom dedicar tempo de qualidade personalizado a cada um |
Uma família numerosa pode, por vezes, parecer um rebanho. Quando entramos num restaurante pequeno, numa loja que fica cheia só com a nossa presença, quando chegamos a uma festa de aniversário em casa de amigos e notamos que, só nós, fazemos transbordar a sala. E não é apenas no número, é também no grau: no grau de barulho, no grau de confusão, no grau de loucura e gritaria e desarrumação. E no género. Uma família numerosa é um género de caos com uma ordem própria, e cães-pastores que são os pais (ou, por vezes, o irmão mais velho). Até quando vão cortar o cabelo, parece um rebanho: é o dia da tosquia. |
Mas uma família numerosa não é um rebanho (e atenção que tenho bem consciência de que a minha é só levemente numerosa – tenho quatro filhos e há quem tenha 8, 10, 15 e, a esses, apresento a minha vénia). Cada filho é um indivíduo próprio, com uma personalidade diferente da dos outros (no caso dos meus, são todos tão distintos que chega a ser difícil acreditar que sejam mesmo irmãos), e que carece de momentos diferenciados com os pais. |
Quer dizer, – e antes que me interpretem mal – este é o nosso entendimento da coisa. Não quer dizer que seja uma verdade universal, nem que resulte com todas as famílias, nem que faça sentido para toda a gente. Para nós faz sentido. E foi por sentir essa necessidade que criámos o DFU: Dia do Filho Único, nome que lhe demos, e assim ficou conhecido entre nós (mas entretanto já vi mais gente a designá-lo dessa forma, o que também não é de estranhar, já que é um nome que está mesmo a dizer o que é). |
O DFU é um dia (na verdade podem ser apenas umas horas) em que estamos apenas com um dos nossos quatro filhos, sem a presença dos outros. E é sempre, mas sempre, um tempo de extrema qualidade, em que conversamos sobre temas específicos que interessam mais àquele filho do que aos outros (ou apenas àquele e nada aos outros), e em que adaptamos a linguagem à idade e o discurso à maturidade. É também o dia em que aproveitamos para tentar chegar mais longe, saber mais detalhes sobre a vida de cada um, detalhes que podem facilmente escapar-nos no quotidiano apressado. |
Nesse tempo, mostramos interesse, ouvimos, comentamos, argumentamos. Pode não me interessar grande coisa saber que a Kika foi uma velhaca para a Carol, ou que o jogador do Manchester não sei quê, ou que a carta dos Pokémon dourada é “bué forte”, mas aquele é o momento de lhes mostrar que os seus assuntos são os mais importantes do nosso dia. E não, não vale ir com eles a qualquer lado e ficar agarrado ao telemóvel sem ouvir uma única história das que eles se disponibilizam a contar-nos. |
Ter a atenção de alguém, sobretudo dos pais, é importante para as crianças. Diria mesmo que é fundamental. E se essa atenção puder ser exclusiva e personalizada… melhor ainda. E mesmo quando crescem, mesmo quando já são adultos, continua a ser importante. |
Quando um dos meus filhos foi candidato a presidente de uma junta de freguesia de Lisboa, hesitámos em ir para o local em que ele ia estar com o partido para assistir aos resultados eleitorais. Era um encontro público, aberto a quem quisesse estar presente, mas como ele tinha apenas 19 anos, achámos que podia ser embaraçoso — aquela vergonha de ter “os paizinhos” a aplaudir ou a confortar, quando os outros candidatos tinham, na sua maioria, os maridos ou as mulheres. Quando lhe explicámos a nossa posição (e o nosso temor de que fosse desconfortável para ele), negou de forma veemente. E foi mais longe: disse que até gostaria muito de nos ter por lá, coisa que não teria dito se tivéssemos simplesmente ficado em casa, a achar que estávamos a fazer o melhor (é por isso que defendo que o “não dito” é dos piores venenos que podem existir entre os seres humanos em geral, e entre famílias em particular). |
A noite acabou por ser outro momento de enorme proximidade, demonstração de apoio incondicional, afeto e emoção. E (mais) uma lição: precisamos sempre do apoio dos nossos pais (quando os temos, e temos a sorte de serem presentes). Precisamos sempre deles, tenhamos 3, 19 anos ou 50 anos. É por isso que, quando eles se vão, morre sempre uma parte de nós. |
Quando os nossos quatro filhos eram todos pequenos, tentávamos ter um DFU por mês, para cada um. Hoje já é mais espaçado. Sucede de forma mais esporádica e ocasional, ou quando sentimos que é mesmo importante porque um deles está a precisar. Foi o que aconteceu este ano, quando a Madalena ficou estranha, triste, ausente. Aumentámos substancialmente os DFU com ela, para procurar auscultar o que lhe ia na alma. |
O mesmo quando um filho passa uma temporada fora e depois regressa. Temos os nossos momentos em família, claro, até porque os irmãos também sentem saudades e têm vontade de partilhar o regresso, mas tentamos sempre que haja um momento a sós com o que regressa, para lhe darmos o devido valor, para ouvirmos as histórias todas que tem para contar, para dizermos que nos orgulhamos ou que estamos felizes por o termos de volta — sem que os outros possam gozar com a nossa “piroseira”. |
Também o fazemos quando é para ter conversas mais sérias, para alguma reprimenda mais concreta, para o chamado “dar na cabeça”. Digamos que é escusado estar a ser humilhado em praça pública, ainda que a praça seja só a nossa sala de estar. |
O Mateus, que tem 7 anos, é quem vai tendo mais dias de “filho único”. Quando o vou buscar à escola, por exemplo, tento que seja o nosso momento. Nem sempre consigo prolongá-lo tanto tempo quanto seria desejável, mas pergunto-lhe se quer ir lanchar fora e começo logo por lhe dar um abraço gigante quando ele transpõe o portão, como se não nos víssemos há semanas. |
Às vezes, quando estou à espera dele, fico verdadeiramente incomodada com a forma como vejo alguns pais receberem os seus filhos. Alguns (tantos) estão ao telefone e assim continuam, como se tivessem ido buscar uma encomenda aos correios. Outros, assim que os miúdos se abeiram, começam a protestar porque se esqueceram do casaco, porque rasgaram as calças, porque se demoraram mais do que deviam. |
Já assisti a tantos reencontros tão amargos, no final de um dia de trabalho, que me apeteceu largar aos abraços àquelas crianças. Talvez elas estivessem desejosas de voltar para casa, algumas chegam com um sorriso que rapidamente se desfaz num olhar de deceção, e eu só me lembro do que uma vez o pediatra Mário Cordeiro me disse, numa das entrevistas que lhe fiz: “Precisamos largar os sacos com congelados que trazemos do supermercado quando os filhos regressam da escola. Temos de largar tudo para os abraçar e fazê-los sentir que sentimos saudades e estamos felizes pelo reencontro.” |
Bom, mas estou a afastar-me ligeiramente do tema. Para nós, o DFU fez sentido, desde sempre. Mas, repito, é possível (e até provável) que não sirva a todas as famílias. |
Lembro-me que quando comecei a defender esta ideia, uma amiga achou-a ótima e tentou pô-la em prática. O que aconteceu foi que os próprios filhos se sentiram desconfortáveis de cada vez que iam “a solo” sair com os pais e perguntavam pelos irmãos. Era como se faltasse uma peça naquele puzzle. Talvez porque ela tenha introduzido o conceito tardiamente, numa altura em que já era forçado estar a fazê-lo. Se assim for, se os silêncios forem maiores do que as oportunidades de conversar, se houver uma estranheza quase palpável, então talvez seja melhor desistir e continuar a construir relação em grupo, que também é boa e tão válida como escolher ter momentos exclusivos com cada um. É que – como sempre – o que funciona para uns não tem de funcionar para todos. |
Vale a pena… |
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Estou a recomendar sem ter visto, mas já vi várias vezes o dos adultos, com o César Mourão, o Ricardo Peres e o Carlos M. Cunha e foi sempre hilariante. Pode ser uma boa oportunidade para levar um dos filhos, num DFU (mas veja lá se não será melhor escolher antes um lanche e depois levar todos ao teatro, que é sempre um bom programa para toda a família). Este será então um espetáculo infantil que, apesar de não ser feito com eles (são três atrizes: a Filipa Duarte, a Joana Castro e a Rita Cruz), tem a chancela (e a formação) dos Commedia a la Carte e a encenação do Gustavo Miranda. É muito interativo com o público (neste caso, as crianças), tal como são os espetáculos dos Commedia a la Carte tradicionais, com os adultos.
Está em cena no Teatro Sá da Bandeira (Porto) de 29 de outubro a 20 de novembro e no Tivoli BBVA (Lisboa), de 26 de novembro a 18 de dezembro. |
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Um espetáculo musical que nos vai mostrar a identidade e o imaginário dos Doutores Palhaços, os mesmos que trabalham nos hospitais, com a Operação Nariz Vermelho, que está a assinalar vinte anos a receitar alegria nas enfermarias. Uma “pequena sinfonia para as horas vagas” em forma de espetáculo infantil cheio de jogos e músicas originais tocadas e cantadas ao vivo.
No Centro Cultural de Belém, em Lisboa, nos dias 29 e 30 de Outubro, às 11h00 e às 15h30. |
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A história — com texto de Klaus Hagerup e ilustrações de Lisa Aisato — de uma menina de 10 anos, Anna, que adora ler e passa a maior parte do tempo na biblioteca. Um dia, a bibliotecária conta-lhe algo devastador: os livros que ninguém lê são destruídos. Só Anna pode evitar tal desfecho trágico. Uma história bela sobre o amor pela literatura.
(ed. Nuvem de Tinta) |
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Sónia Morais Santos é autora do blogue “Cocó na Fralda“. Ex-jornalista, tem quatro filhos e dois cães, já passou por vários jornais e revistas em Portugal e publicou quatro livros [ver o perfil completo]. |
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