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Esqueçam a rede e a sesta. As férias com crianças não têm nada de férias |
A primeira newsletter que escrevi para o Observador foi sobre férias sem filhos. Não recebi um único email ou comentário reprovador (o que muito me espantou e alegrou, em simultâneo). Mas, para que não sobrem dúvidas sobre a minha índole maternal, explano agora as alegrias (bom, quer dizer, algumas alegrias e outras tantas misérias) das férias com filhos. Num momento em que os pais estão já a “descansar” com a prole (ou a contar os dias para deixar o escritório), deixo-vos com o bom, o menos bom e o mau(zinho) das férias com as nossas adoráveis criancinhas |
Tenho para mim que o problema está nas expectativas. Muitas pessoas passam o ano a sonhar com as férias e, quando o fazem, imaginam uma rede balouçando entre dois coqueiros, ao fundo um mar azul-turquesa, nada para fazer a não ser diversão. Mesmo os que têm filhos e mesmo os que, ano após ano, já constataram que a expectativa não casa com a realidade. É como se o cérebro fosse um folgazão que gostasse de nos pregar partidas, ou como se recusasse liminarmente a vida tal como ela é. |
Eu já fui essa pessoa. Um ano inteiro a suspirar pelas férias, esquecendo-me de que férias com filhos pequenos não são bem férias. Pelo menos no conceito tradicional da coisa, todo ele feito de coqueiros e inércia. |
Lembro-me vividamente de um ano, quando só tinha os dois rapazes, um com uns 7 anos, o outro com 4, em que a chegada ao Algarve foi pontuada pelo mais novo a vomitar o carro como se fosse o exorcista (aguentou três horas de viagem e decidiu regurgitar no exato momento em que desligámos a viatura, à porta de casa). A partir daí, foi sempre a piorar. Febrões em ambos, birras épicas, picadas de melga nas pálpebras de um, que o tornaram temporariamente cego (com a reação, os olhos incharam a um ponto que não os conseguia abrir), e mais um sem número de aventuras que culminou com o Manel a pisar um ouriço, no último dia de praia, o que nos obrigou a ir com ele para as urgências para remover as dezenas de picos que ficaram cravados no pé. |
Outras férias inesquecíveis foram aquelas em que o meu marido, ao segundo dia de montarmos os arraiais no Algarve, recebeu um telefonema. Fez-se sério, escarlate, foi falar para longe e, no regresso, perguntou: “Queres as boas ou as más notícias?” As boas eram que tinha sido promovido, as más eram que tinha de ir para Lisboa durante os próximos dias, tratar daquilo que a promoção trazia consigo. Problema: tínhamos três filhos, sendo a última uma bebé de dois meses. |
Fiz-me de valente, “vai, claro, claro, é na boa”, e depois veio o inferno. Enchi-me de febre, era o tempo da Gripe A, suspeitou-se que seria, não se confirmou, mas ainda assim a minha garganta parecia um esfregão da loiça, a febre não descia por muito tempo e eu sentia-me totalmente incapaz de tomar conta de três crianças, duas a quererem ir para a praia, uma a chorar com cólicas e fome e rabo sujo e tudo aquilo que faz os bebés de dois meses chorarem (que é mesmo muita coisa). Juntou-se uma mastite , o filho do meio a chorar pelo pai, e eu a pensar que, afinal, do bendito telefonema não havia nenhuma boa notícia – quem é que quer uma promoção quando só precisa de dois bracinhos extra? |
Férias com filhos pequenos é preparar todo um arsenal de sandes, frutas, águas e protetores solares. É acartar baldes e pás e ancinhos e boias e colchões e formas e chapéus. É trocar o livro que se queria mesmo ler por construções desajeitadas na areia, que acabam irremediavelmente engolidas pelo mar ou pisadas por um pé distraído (ou – pior – maldoso). É não dormir aquela sesta com o mar e os pregões dos vendedores de bolas de Berlim em fundo, porque são precisos todos os sentidos em alerta para não deixar que nenhum se afogue, ou se perca, ou seja levado por um tarado, ou coma uma beata, ou meta um irmão mais novo num colchão rumo a Marrocos, ou faça um buraco gigante e acabe soterrado, ou vá sacar comida aos vizinhos que cometeram o erro de estender a toalha demasiado perto da nossa. |
É passar o dia a ouvir “Olha eu a mergulhar!”, “Olha eu a fazer o pino!”, “Quantos pontos dás ao meu pino?”, “Não viste o meu pino, não estavas a olhar!”, “Tenho fome! O que é que ainda há para comer?”, “Quando é que vamos para a piscina?”, “Quando é que o senhor das bolas de Berlim aparece?”, “Bora jogar raquetes?”, “Vais buscar água no regador?”, “Vamos apanhar conchas?”, “Não tenho nada para fazer”, “Vens à água comigo?”, “Quando é que vamos para casa?”. |
Ir de férias com filhos é comprar guerras por causa do excesso de açúcar e gordura das bolas de Berlim, ou então encolher os ombros e deixá-los aviar uma todos os dias, que se lixe, antes malnutridos e calados do que saudáveis e a darem-nos cabo da mona. |
Uma das coisas que sempre fizemos em férias, a bem da nossa sanidade mental, foi esquecer as regras. Não há cá sopas, hora de deitar, hora de acordar, sestas, nada. Foi a melhor decisão que podíamos ter tomado. Jantares tardios e um tinha sono? Juntavam-se duas cadeiras e estava feito (a Madalena dispensava as cadeiras e sempre se amanhou no chão, em qualquer lugar). Passar o dia a comer sandes e outras coisas nutricionalmente pouco interessantes? Culpados! Ficar horas a mais na praia (mas com toneladas de protetor solar e aproveitando os restaurantes na hora de maior calor)? Sim, senhor. A ideia é que as férias sejam o mais possível a antítese do resto do ano, uma espécie de bar aberto da vida. |
Outro dos segredos para umas férias que valham a pena (ainda que, quando os miúdos são pequenos, não deixem de ter todos os afazeres acima descritos) é ir sempre com amigos. Sempre. No nosso caso, não na mesma casa, mas sempre juntos na praia e à noite. O que é que isso permite? Ocupá-los a eles, divertir-nos a nós e, até, dividir o “mal” pelas aldeias (ora agora fica aí tu de guarda, ora agora fico eu). |
Vamos há 25 anos para o Sotavento algarvio com o mesmo grupo de amigos, ao qual se junta numa semana mais uns, noutra semana mais uns quantos, de modo que acabamos a ocupar uma parte substancial da praia. Ao todo, somos mais seres humanos do que os que se encontram em algumas aldeias do país (bem mais, aliás). Durante as três semanas, há sempre uns que vão dormir lá a casa, outras vezes são os nossos que desandam para os nossos amigos, e tudo se passa numa mobilidade anárquica que, a nós, nos faz todo o sentido. |
Agora que já tenho um filho adulto (20 anos), dois adolescentes (13 e 17 anos), e apenas uma criança (7 anos), tudo é significativamente mais fácil. Há menos birras, menos solicitações para edificar castelos na areia, menos doenças (as crianças tendem a avariar-se bastante no Verão), menos trabalho. |
Mas há novos desafios, claro, porque os filhos trazem sempre novos desafios. As saídas à noite, por exemplo. Os consumos. Saber que levam o carro, temer que se espetem. Desejar que não se metam em rixas, que não apareçam em coma alcoólico numa valeta, que não se atirem de uma janela por conta de alguma substância esquisita que calhem experimentar. Esperar que o telefone não toque a meio da noite. Claro que isto já acontece durante o ano, sempre que pedem para sair à noite, mas é mesmo só para sublinhar que essas preocupações, infelizmente, não só não tiram férias como tendem a aumentar durante esse período. |
Uma das coisas que me enche de alegria é sentir que os nossos filhos gostam genuinamente das férias connosco. E não é daqueles sentimentos que nutrimos, mas que não correspondem de todo à verdade (estou a imaginá-los a lerem este parágrafo e a trocarem mensagens entre si com “LOL” e “Coitados, deixa-os viver na ilusão”). |
Agora a sério: eles falam inúmeras vezes nas férias, contam os dias, fazem planos, recordam para aí até maio do ano seguinte episódios das férias do ano anterior e, a partir daí, começam a desejar que agosto chegue para tudo o que ele traz. Petiscos, noitadas, jogos de tabuleiro, brincadeiras na areia e na água, amigos, vida em festa. |
Temos amigos com filhos adolescentes que desabafam que, durante as férias, são raros os momentos em que lhes põem a vista em cima. Que passam as noites fora e que, durante o dia, dormem ou continuam a marcar encontros com os amigos. E que, nos raros momentos em que concedem aos pais a honra da sua presença, é sempre com ar de enfado e olhos revirados de frete. E eu fico com pena por eles (pais e também, de certo modo, filhos), e sem saber se isto que nos aconteceu foi sorte, ou é deles, ou é de nós, ou foi uma conjugação astral favorável. |
Acabo de ler o que escrevi e sinto que soa a gabarolice. Vai haver quem ache que é gabarolice. Mas não é mesmo essa a intenção. É só satisfação pura, e agradecimento, e uma espécie de prece que deixo escrita, a ver se isto dura o máximo que for possível. Claro que não sou (totalmente) ingénua e imagino que isto vá ter um fim. Não tarda têm maridos, mulheres, filhos, e vamos vê-los – com sorte – pelo Natal. Mas, até lá, permitam-me o regozijo que é ter os quatro debaixo da nossa asa, numas férias que deixam sempre saudades. |
(Estão a ver como também sei ser uma mãe fofinha, que não está sempre a descartar-se das crias para dias de diversão a dois?) |
Vale a pena… |
Passar uma noite num barco-casa |
Nunca fui, mas vi há dias uma publicação nas redes sociais e fiquei a pensar que seria uma bela ideia. Estes, em particular, ficam na Ria Formosa, no Algarve. Há três embarcações diferentes (se bem que só duas contemplam a estadia de crianças – uma para seis adultos e quatro crianças, outra para dois adultos e duas crianças) e permitem oferecer uma experiência bem gira, em que se vai da Fuseta num táxi-aquático até ao refúgio. Uma vez lá, podem cozinhar ou escolher as refeições a partir de um menu e receber a bordo. Há um pequeno barco a remos a partir do qual se pode aceder a algumas praias desertas da ilha da Culatra. |
Deslizar por uns escorregas de água |
Passar um dia num dos parques aquáticos do Algarve, seja o Slide & Splash, o Aqualand ou o Aquashow. É o velho façam o que eu digo, não façam o que eu faço, porque uma coisa é certa: não me verão, em Agosto, em nenhum destes parques. E os meus filhos mais novos bem pedincham, todos os anos. Lamento. Já fui em Setembro e já achei suficientemente penoso (gente a mais, filas para subir, muita espera para pouca ação, sendo que eu nem gosto muito (na verdade é nada, mesmo) de adrenalina. Agora, há de certeza por aí pais muito mais altruístas do que eu, capazes de suportar tudo por um dia de diversão dos miúdos! Para esses heróis, aqui fica a sugestão. |
Ler A Desconhecida do Sena, de Guillaume Musso (ed. Gradiva) |
Em 1880, aconteceu mesmo: uma rapariga de uns 16 anos apareceu morta no rio Sena, em França. Nunca se desvendou a identidade, nem a causa da morte, mas a sua beleza levou um patologista a mandar fazer uma máscara do seu rosto. A máscara começou então a ser vendida e a inspirar músicos, escritores, artistas das mais variadas áreas. |
Guillaume Musso pega nesta história real como ponto de partida para o novo thriller. Também uma mulher é retirada do Sena, numa noite de Dezembro. Mas não está morta. Aparece nua, amnésica, perturbada. Escapa do hospital para onde é levada mas as análises ao seu ADN mostram que ela é, nem mais nem menos, que Milena Bergman, uma conhecida pianista. Só que… não é possível que seja ela, uma vez que Milena morrera um ano antes, num acidente de avião. E é a partir daqui, deste mistério que se mescla com uma história verdadeira, que se desenrola uma trama muitíssimo bem montada por este autor francês. No fundo, nada do que parece é e, no fim, ficamos com esta ideia de que todos jogam um jogo, todos interpretam a personagem que lhes convém, todos desempenham um papel. No fundo, é como se a vida fosse, toda ela, um enorme teatro. |
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Sónia Morais Santos é autora do blogue “Cocó na Fralda“. Ex-jornalista, tem quatro filhos e dois cães, já passou por vários jornais e revistas em Portugal e publicou quatro livros [ver o perfil completo]. |
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