A passagem da condição de herói a vilão ou o caminho entre bestial e besta que tantas vezes é utilizado no mundo do futebol, que tem essa gíria tão própria para explicar o que algumas vezes é inexplicável, torna-se muitas vezes um filme que se guia mais por sensações do que por episódios que se possam medir, pesar ou qualificar. Mais uma vez, uma viagem ao léxico da bola – “a mensagem não passa”, “o grupo não reage”, “a bola não entra”, “os adeptos não têm empatia”. São páginas e páginas de chavões que têm como única base algo tão simples como “a equipa não ganha”. Ponto. E Bruno Lage é exemplo paradigmático disso mesmo: os números dos últimos dez capítulos foram tenebrosos, ao nível de quem luta para não descer, mas os números do início e do meio, quando a mesma formação teve uma subida de rendimento a pique, leva no mínimo a questionar se a saída era mesmo inevitável.

Na temporada de 2018/19, promovido da equipa B à 16.ª jornada, o Benfica conquistou 96,5% dos pontos em disputa em 19 jogos. Ganhava e ganhava bem – média impensável de 3.8 golos marcados por encontro para 0.8 consentidos. Dobrou a época, mais 19 jogos. Os pontos ganhos baixaram de forma muito, muito ligeira para 94,7% (acima de qualquer campeão nacional menos o Benfica de Jimmy Hagan, em 1972), os golos marcados em média desceram para 2.5 por jogo mas também os sofridos passaram para apenas 0.4. Daí para a frente, que é como quem diz do Dragão para a frente, tudo caiu a pique nas dez partidas seguintes: apenas 33,3% de pontos conquistados, 1.2 golos marcados, 1.3 golos sofridos. Os encarnados perderam e empataram quatro vezes mais do que até aí. A saída era inevitável? Talvez, até como fatura do sucesso. Mas Lage acabou por ser tão ou mais vítima do contexto que o rodeia do que do contexto que criou. E há outra percentagem, 48,24%, que explica o resto da história.

A primeira parte do Benfica frente ao Marítimo indiciava tudo menos o que iria acontecer no segundo tempo e para isso basta lembrar que Amir fez cinco defesas, algumas em situações de 1×1, só nos 20 minutos iniciais. Depois, as substituições não acrescentaram nada, partiram até a equipa e imperou o descontrolo emocional em cada descida de Nanú pela direita. Ao todo, duas vitórias nos últimos 13 jogos (dez para o Campeonato). A seguir, Lage disse na flash interview que continuava a sentir o apoio de todos antes de Luís Filipe Vieira aparecer na sala de conferências a revelar outro filme: o técnico tinha colocado o lugar à disposição porque ninguém o queria. Na viagem para o aeroporto, já se sabia que o técnico ia sair. O treinador, esse, só teve conhecimento pelo que saiu na imprensa. E até o que saiu para fora nos Barreiros lhe causou estranheza. O fim de linha era um caminho irreversível.

Antes do encontro na Madeira já se tinham falado de vários nomes para a sucessão, depois ainda foram mais, mas a prioridade e aquele que sempre foi e continua a ser a grande aposta de Vieira não mudou: Jorge Jesus. O contexto para a saída do treinador do Flamengo não é o mais fácil mas a segunda abordagem feita pelo líder encarnado esta semana teve uma outra abertura. O técnico quer dar continuidade ao projeto no Brasil, onde tem um plantel que o segue como mais nenhum outro e uma torcida que o venera, mas também teve sempre a ideia de poder voltar para a Europa – daí que tenha essa cláusula específica no contrato renovado recentemente. Depois, uma razão que tem peso e que passa pela evolução da pandemia na América do Sul, que faz com que o início do Campeonato e o retomar da Taça dos Libertadores, marcados para agosto, continuem em dúvida. Se as condições colocadas para o regresso forem cumpridas, Jesus será o escolhido. E assim caem nomes como Mauricio Pochettino, Unai Emery (ambos contactados), Sampaoli, Laurent Blanc, Allegri, Julian Nagelsmann e Marco Silva, que estava de “reserva”.

Nelson Veríssimo, antigo central formado na Luz que fez depois carreira entre Alverca, Académica, V. Setúbal ou Fátima e que desde 2012 está nos quadros de técnicos do Benfica Campus, no Seixal, vai comandar a equipa para já, orientando a equipa na receção ao Boavista (sábado, 21h15) – quando alguns pensavam que seria Renato Paiva a agarrar na equipa, incluindo jogadores. E pode mesmo terminar a época, até porque a questão do treinador não é a única a agitar a Luz. Voltamos aqui aos tais 48,24%, percentagem que levou ao chumbo do Orçamento de 2020/21 em Assembleia Geral. No plano interno já eram conhecidas movimentações de franjas contestatárias mas ninguém parecia acreditar que a proposta não passasse, assim como não era esperada uma margem tão pequena entre o “sim” e o “não” nos sócios com 50 votos nem uma representatividade tão grande do “não” nos 20 votos. Vieira, que deverá ser acusado no processo Operação Lex, disse na Madeira que iria falar com a família e fazer uma reflexão mas a saída não é hipótese. Ainda assim, talvez como nunca, sente que o cerco à sua volta começa a apertar tendo em vista as eleições de outubro e quer dar a volta para chegar a mais uma vitória convincente.

Já o FC Porto aproveitou da melhor forma mais um deslize do Benfica, dando um passo importante para o título com a vitória em Paços de Ferreira com um golo de Mbemba. Desta forma, os dragões ficaram a três vitórias nas últimas cinco jornadas da reconquista do Campeonato mas a saída de Bruno Lage acabou por marcar os momentos que se seguiram a esse triunfo: Sérgio Conceição não sabia ainda que o técnico tinha sido demitido, Pinto da Costa aproveitou as palavras do seu treinador em relação ao homólogo uns dias antes para deixar mais umas “farpas” ao rival, em específico a Luís Filipe Vieira, dizendo que “não é aceitável que profissionais sérios sejam usados como bodes expiatórios de quem precisa de se salvar e coloca sempre os interesses pessoais à frente dos interesses coletivos”. Os azuis e brancos recebem no domingo o Belenenses SAD (21h30), numa semana onde se soube também que houve acordo para a final da Taça ser em Coimbra e a Supertaça não abrir a próxima época.

Na luta pelo terceiro lugar, o Sporting voltou a ganhar vantagem após derrotar o Gil Vicente em Alvalade em dia de aniversário que ficou também assinalado pelas estreias dos jovens Joelson Fernandes e Tiago Tomás, aproveitando a derrota do Sp. Braga em Vila do Conde frente ao Rio Ave que valeu a saída de Custódio por troca com Artur Jorge – e também Júlio Velázquez deixou o V. Setúbal após novo desaire em Guimarães, ficando agora Meyong à frente dos sadinos. Os leões jogam na segunda-feira (21h) com o Moreirense, que confirmou a descida do Desp. Aves na última ronda, enquanto o Sp. Braga recebe os avenses no sábado (21h30). A jornada 31 também se vai realizar esta semana, com os seguintes destaques: Tondela-FC Porto (quinta-feira, 19h15), Famalicão-Benfica (quinta-feira, 21h30), Sporting-Santa Clara (sexta-feira, 19h15) e P. Ferreira-Sp. Braga (sexta-feira, 21h30).

Num outro âmbito mas ainda no futebol nacional, a UEFA irá anunciar a decisão sobre a presença de público na Final Eight da Liga dos Campeões, em Lisboa, até dia 10 de julho, estando agora a aguardar pelo parecer das autoridades de saúde portuguesas. Na SIC, e num tom mais descontraído próprio do programa “Isto é Gozar com Quem Trabalha” com Ricardo Araújo Pereira, António Costa referiu que os jogos teriam menos pessoas do que as que estavam no Villaret mas o órgão que tutela o futebol na Europa, e que não tem planos B a Lisboa, ainda espera por uma confirmação oficial sobre o tema – que é como quem diz, ainda acredita que é possível haver público em lotação reduzida nos jogos. A Assembleia Municipal de Lisboa pede medidas extraordinárias nesse período.

O futebol internacional continua a ser escrito como nunca por nomes portugueses e esta semana foi notícia, logo à cabeça, a conquista do Campeonato da Grécia pelo Olympiacos de Pedro Martins, onde jogam também José Sá, Rúben Semedo, Bruno Gaspar e Cafú (e jogava Podence, que entretanto se mudou para Inglaterra). O triunfo por 2-1 frente ao AEK carimbou o inevitável e o objetivo agora passa por terminar a competição sem derrotas. Já em Inglaterra, Bruno Fernandes continua a ser a grande figura do Manchester United, que ganhou na Taça ao Norwich e no Campeonato ao Brighton, estando na luta por um lugar na Liga dos Campeões onde se encontra o Wolverhampton, que somou mais uma vitória frente ao Aston Villa. Também Cédric teve uma estreia de sonho pelo Arsenal, marcando apenas quatro minutos depois de entrar frente ao Norwich. Em contrapartida, Mourinho continua a marcar passo no Tottenham com uma derrota em Sheffield quando não podia falhar. Ainda assim, o grande jogo estava marcado para o Etihad Stadium onde o antigo campeão Manchester City recebeu e goleou o novo campeão Liverpool por 4-0, num jogo onde Kevin De Bruyne voltou a ser o grande destaque dos citizens.

Em Itália, e depois de ter marcado de grande penalidade na goleada da Juventus frente ao Lecce, o campeão e atual líder ganhou fora ao Génova e manteve a distância com mais um golo de Ronaldo. Nas últimas 15 rondas marcou 19 golos, ao todo na Serie A leva 24 golos em 25 jogos. Tudo aos 35 anos… Já em Espanha, dois momentos bem distintos entre Real Madrid e Barcelona: os merengues, que levam quatro pontos de avanço na Liga, tiveram triunfos complicados frente a Espanyol e Getafe mas não falharam, ao contrário dos blaugrana que depois do empate diante do Celta em Vigo voltaram a marcar passo na receção ao Atl. Madrid. Nem o golo 700 de Messi teve o condão de salvar uma equipa (e um clube) que anda de problema em problema a nível interno. Por fim, e na Alemanha, André Silva marcou o oitavo golo em dez jogos no triunfo do Eintracht frente ao Paderborn que fechou a Bundesliga, que deixará de contar com o Fortuna Düsseldorf e terá o B. Mönchengladbach na Champions.

Alguns destaques dos principais campeonatos lá fora: hoje, Atl. Madrid-Maiorca (21h); amanhã, dia 4, Manchester United-Bournemouth (15h), Juventus-Torino (16h15), Wolverhampton-Arsenal (17h30) e Lazio-AC Milan (20h45); no domingo, dia 5, Athl. Bilbao-Real Madrid (13h), Liverpool-Aston Villa (16h30), Southampton-Manchester City (19h), Nápoles-Roma (20h45) e Villarreal-Barcelona (21h); na segunda-feira, dia 6, Tottenham-Everton (20h); na terça-feira, dia 7, Arsenal-Leicester (20h15), AC Milan-Juventus (20h45) e Celta Vigo-Atl. Madrid (21h); na quarta-feira, dia 8, Manchester City-Newcastle (18h), Sheffield United-Wolverhampton (18h), Brighton-Liverpool (20h15) e Barcelona-Espanyol (21h); na quinta-feira, dia 9, Bournemouth-Tottenham (18h), Aston Villa-Manchester United (20h15) e Athl. Bilbao-Sevilha (21h). Além destes, nota ainda para a final da Taça que irá terminar a temporada na Alemanha, entre Bayer Leverkusen e Bayern, este sábado no Estádio Olímpico de Berlim (19h).

Nas modalidades, o grande destaque vai para o regresso da Fórmula 1 este domingo, com o Grande Prémio da Áustria (14h10). Sem público, entre várias regras que colocam pilotos e equipas numa espécie de “bolha”, com Lewis Hamilton apostado em fazer história e Vettel a tentar a melhor despedida da Ferrari (entre várias outras histórias que se vão cruzar numa temporada global que será sempre atípica). Para já, o Mundial tem apenas oito provas previstas, pouco mais de um terço do que era previsto e todas na Europa, mas Portugal continua na pole position para receber no Portimão um Grande Prémio numa decisão que será tomada nas próximas semanas.