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É assim há décadas. Embora os últimos anos tenham sido marcados por melhorias significativas, fruto de um crescente peso das preocupações ambientais no debate público, a poluição das linhas de água é, ainda hoje, um dos mais graves problemas ambientais de Portugal, um país atravessado por dezenas de rios de Norte a Sul. Nem mesmo o confinamento de 2020, que se refletiu tão claramente numa enorme redução das emissões poluentes, salvou os rios portugueses da poluição: o número de denúncias por crimes ambientais baixou em todas frentes, exceto no que toca à contaminação dos cursos de água. |
Ao longo dos últimos anos, o caso mais mediático tem sido o do rio Tejo, a maior linha de água do país, com foz na capital. As imagens de janeiro de 2018 ainda estão nitidamente presentes na memória dos portugueses. Num inverno que se seguiu a vários meses de seca, a espuma acumulou-se de tal modo no Tejo que o caso ganhou proporções nacionais: a Inspeção-Geral do Ambiente e o Ministério Público abriram inquéritos, os responsáveis políticos foram ouvidos no Parlamento e o Estado deu início a um caríssimo processo de despoluição do rio, retirando milhares de toneladas de material orgânico do caudal. A situação urgente obrigou à intervenção imediata das autoridades, mas o Governo manteve desde o início a intenção de enviar a fatura, de 2 milhões de euros, aos responsáveis — com a indústria da celulose, sobretudo a Celtejo, em Vila Velha de Ródão, na mira. Todavia, três anos depois, o inquérito tem cinco arguidos, mas ainda não há culpados e a fatura continua por pagar, como noticiou na semana passada o Observador. |
Não é surpreendente. Uma estatística conhecida no final de fevereiro mostra que só 6,2% dos crimes de poluição e de danos contra a natureza chegam à fase de julgamento — e são resolvidos sempre com multas, apesar de o Código Penal prever penas de prisão que podem ir até aos oito anos, caso haja perigo comprovado para a vida humana. Na última década, de um universo de 1.571 denúncias, só 98 crimes foram julgados. |
No distrito de Leiria, outro caso de poluição crónica ganhou nas últimas semanas uma atualidade renovada. O rio Lis, um curso de água com 40 quilómetros que atravessa a cidade de Leiria e vai desaguar na praia da Vieira, no concelho da Marinha Grande, foi em tempos um rio de águas limpas, onde se nadava tranquilamente e cuja água se podia beber — e uma fonte de alimento para a região. Todavia, no início dos anos 70, o rio começou a mudar. Nas margens dos seus afluentes, principalmente na ribeira dos Milagres, instalaram-se as primeiras explorações suinícolas em circuito fechado da Península Ibérica, dando origem a um setor de atividade que hoje é vital para a economia da região. A suinicultura na bacia hidrográfica do Lis representa hoje 17,5% da produção nacional e dá emprego a 5 mil pessoas. Ao mesmo tempo, o setor é também um dos maiores problemas ambientais da região. |
Surgidas numa época em que as preocupações ambientais estavam longe de ser uma prioridade, as suiniculturas foram instaladas junto das linhas de água precisamente porque elas lhes ofereciam um modo rápido e gratuito de se livrarem dos muitos resíduos produzidos todos os dias: bastava despejá-los diretamente na ribeira. |
Cinco décadas depois, a consciência ambiental mudou, mas o problema mantém-se. As descargas ilegais multiplicam-se, o rio Lis está permanentemente poluído, as praias perto da foz são frequentemente interditadas a banhos e os impactos da poluição são visíveis ao longo de todo curso do rio e dos seus afluentes. Ao longo dos últimos vinte anos, produtores, ambientalistas e governos têm travado uma guerra constante em torno do problema e a solução — uma estação de tratamento especializada naquele tipo de efluentes — tem sido adiada vezes sem conta. Agora, o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, diz que a estação não vai avançar. Segundo o governante, falta maturidade e compromisso na relação com os produtores. Enquanto o problema continua sem solução à vista, a história completa dos avanços e recuos dos últimos vinte anos, contada por produtores, ambientalistas, Governo e GNR, pode ser lida aqui. |
Aeroporto do Montijo chumbado, mas volta com avaliação ambiental estratégica |
Os planos para a construção do aeroporto do Montijo, que tem estado na mira dos ambientalistas portugueses, sofreram esta semana um revés significativo. Há três anos, o novo aeroporto na margem sul do rio Tejo tinha sido anunciado como a decisão final para a expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa, mas esta terça-feira a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) anunciou que tinha indeferido o pedido de apreciação prévia da viabilidade da construção do aeroporto comercial no lugar onde hoje se encontra a base militar do Montijo — tudo porque duas das cinco câmaras municipais dos concelhos afetados pela obra deram parecer negativo: Moita e Seixal, as duas autarquias lideradas pelo PCP. |
Em 2019, a Agência Portuguesa do Ambiente tinha dado luz verde ao aeroporto, emitindo uma declaração de impacte ambiental favorável condicionada à adoção de um conjunto de medidas destinadas a mitigar os impactos da obra no ambiente (no valor de 48 milhões de euros). Mas o setor ambientalista posicionou-se contra aquela aprovação, considerando que devia ter sido feita uma avaliação ambiental estratégica, um estudo mais alargado que comparasse várias localizações possíveis e analisasse o impacto direto do funcionamento simultâneo do Montijo e da Portela — uma vez que o novo aeroporto serve de estrutura complementar ao atual. |
A Zero, associação ambientalista que tem dado voz às maiores críticas contra o aeroporto, argumenta que o aeroporto é “praticamente incompatível” com os objetivos de conservação da natureza, uma vez que tem impactos significativos na zona do estuário do Tejo, podendo afetar de modo considerável a biodiversidade da região, mas acrescenta que a nova estrutura peca por não ter em conta os impactos climáticos e as metas de Portugal ao abrigo do acordo de Paris e até por ir contra as recomendações da Organização Mundial da Saúde no que diz respeito ao ruído. |
Apesar da rejeição anunciada pela ANAC, este não será o fim do projeto do aeroporto do Montijo. Na verdade, o Orçamento do Estado para 2021 inclui a obrigação de uma avaliação ambiental estratégica para comparar alternativas — e o Governo aproveitará essa oportunidade para voltar a pôr o Montijo em cima da mesa, comparando-o com a hipótese de Alcochete. Pode ler aqui todos os detalhes desta nova fase do processo. |