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Faltam exatamente dois meses para o arranque da COP 26. De 31 de outubro a 12 de novembro, líderes políticos de todo o planeta vão reunir-se em Glasgow, no Reino Unido, para a 26.ª edição da Conferência das Alterações Climáticas das Nações Unidas — e a cimeira britânica é considerada por decisores políticos e ambientalistas um momento chave na implementação do Acordo de Paris. É que o acordo, assinado na capital francesa em 2015, durante a COP 21, prevê que os signatários atualizem os seus compromissos climáticos a cada cinco anos. Com a COP 26 originalmente agendada para 2020, mas adiada devido à pandemia da Covid-19, é chegado o momento de os países aumentarem a ambição das suas políticas ambientais e climáticas. |
Já se sabe que será difícil. A esmagadora maioria dos países do mundo, particularmente os principais emissores de gases com efeito de estufa, têm atualmente em vigor políticas climáticas manifestamente insuficientes para cumprir a meta central do Acordo de Paris: chegar a 2100 com um planeta, no máximo, 1,5ºC mais quente do que era antes do período pré-industrial (habitualmente situado no final do século XIX). |
O mais recente relatório do Painel Intergovernamental da ONU para as Alterações Climáticas, publicado no início de agosto e interpretado como o último aviso dos cientistas aos políticos antes de algumas consequências das alterações climáticas se tornarem irreversíveis, não deixa grande margem para dúvidas: o planeta já está 1,1ºC acima dos níveis pré-industriais e, se as políticas atuais se mantiverem, deverá ultrapassar o limiar dos 1,5ºC nos próximos 20 anos. Até ao fim do século, as previsões apontam para um planeta entre 3ºC e 5ºC mais quente — muito acima do limite definido pelos climatologistas. Num mundo assim, haverá regiões onde será impossível viver devido às temperaturas demasiado elevadas e outras em que a subida do nível do mar aniquilará grande parte das povoações costeiras — e os fenómenos climáticos extremos, como os incêndios, as tempestades e as inundações que têm marcado este ano, serão muitíssimo mais frequentes. |
Podemos, então, perguntar-nos: os acordos políticos para o ambiente e o clima podem resultar? |
Podem. |
Ainda se lembra do buraco do ozono? Durante décadas, foi o problema ambiental mais premente do planeta. O uso desregulado dos perigosos CFCs (compostos químicos antigamente presentes em sprays e aparelhos de refrigeração) em múltiplos produtos de consumo quotidiano emitiu para a atmosfera, durante anos a fio, partículas que, apesar de não serem nocivas para a saúde humana nas baixas altitudes, degradavam a camada de ozono da estratosfera — uma espessa camada daquele gás que protege o planeta das radiações solares mais perigosas. Em 1974, cientistas perceberam que os CFCs eram diretamente responsáveis por destruir o ozono; na década de 1980, a comunidade científica detetou, sobre a Antártida, o “buraco do ozono” (uma região onde a presença de ozono era particularmente escassa e deixava as radiações solares mais perigosas penetrar na atmosfera). |
Entre o momento em que os cientistas detetaram o problema e aquele em que os decisores políticos implementaram medidas não passou muito tempo. Em 1987, foi assinado no Canadá o Protocolo de Montreal, um acordo global — que se tornaria no primeiro tratado internacional subscrito pela totalidade dos membros da ONU — com um compromisso de eliminar gradualmente os CFCs da composição dos produtos em que eram usados. |
Resultou. Os cientistas acreditam que o buraco do ozono tenha atingido a sua extensão máxima em 2006, e desde então a camada de ozono tem vindo a regenerar-se gradualmente. Hoje, o problema ambiental que durante anos mais preocupou várias gerações está a caminho da solução devido a um compromisso político. “Temos menos um problema ambiental com que nos preocupar”, disse recentemente o climatologista Paul Young, autor de um estudo sobre como seria o mundo sem o Protocolo de Montreal. Kofi Annan descreveu o acordo como “talvez o mais bem-sucedido acordo internacional assinado até à data” e António Guterres classificou os esforços políticos para proteger a camada de ozono como “exemplos inspiradores que mostram que, quando a vontade política prevalece, há poucos limites àquilo que podemos alcançar numa causa comum”. |
É possível repetir o sucesso de Montreal? Naturalmente, o desafio de fazer duas centenas de países chegar a acordo no que respeita a políticas climáticas que mexem com praticamente todos os setores da economia é substancialmente mais complexo do que concordar em substituir um composto químico por outro. Mas o Protocolo de Montreal subsiste como exemplo de que o entendimento é possível. |
Os sacos de pano da geração ecológica não são assim tão amigos do ambiente |
Provavelmente, o leitor tem uns quantos em casa — eu tenho — e nem sequer os comprou — eu não. Falo das modernas sacolas de pano (as famosas tote bags, em inglês), um símbolo derradeiro do ecologismo contemporâneo. Estão por todo o lado e são quase sempre oferecidas por marcas e lojas que pretendem assumir-se como amigas do ambiente, numa altura em que o mundo tem vindo a abandonar gradualmente os sacos de plástico de uso único. |
Mas poderão também estes sacos, aparentemente tão amigos do ambiente, ser também um problema ambiental? |
Uma reportagem publicada na semana pelo The New York Times traz alguma luz sobre este assunto. Se nos centrarmos exclusivamente no problema ambiental, uma sacola de pano, se for 100% feita de algodão, tem um impacto muito maior do que poderíamos pensar à primeira vista. Um estudo de 2018 concluiu que seria necessário usar uma sacola de pano 20 mil vezes para compensar o impacto ambiental associado à sua produção: são mais de 54 anos a usar o mesmo saco todos os dias sem exceção. Se tiver dois sacos destes, em princípio, uma vida inteira já não chega. |
Além disso, 20% do algodão usado a nível global é produzido na China — e muita da produção exportada para as mais célebres marcas ocidentais está associada a trabalhos forçados nos “campos de reeducação” em que o regime chinês detém cidadãos da minoria étnica Uigur, como se soube este ano. |
Mas as sacolas de pano tornaram-se, nos últimos anos, não só um símbolo de uma geração preocupada com o ambiente, mas também um símbolo de estatuto social — veja-se o caso da sacola oferecida pela revista The New Yorker aos seus subscritores, que se transformou num dos acessórios favoritos da elite cultural. Desde 2014, a revista já ofereceu dois milhões de sacos. (Admito, este é um dos que repousam no meu guarda-fatos.) |
É óbvio que as sacolas de algodão não têm um impacto ambiental comparável ao dos sacos de plástico de uso único, cuja produção resulta da emissão de gases com efeito de estufa e que, no final da vida, permanecem nos ecossistemas durante séculos, sem se decompor. Contudo, as sacolas de pano poderão não ser a solução mais indicada. A produção de algodão exige um consumo de água muito elevado e, se não for orgânico, tem o impacto já conhecido da agricultura intensiva (nomeadamente, a poluição dos solos associada ao uso de pesticidas). Várias marcas estão já a voltar-se para outras soluções — incluindo um regresso ao plástico, aproveitando e reciclando materiais usados —, mas, no fim de contas, como remata aquela reportagem do The New York Times, a verdade é que nem todos os produtos precisam de ser transportados num saco. |