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Começo com um pedido de desculpa: esta newsletter costuma ser enviada na primeira quarta-feira de cada mês, mas desta vez chega com duas semanas de atraso, devido à cobertura das eleições norte-americanas no início de novembro. Ao mesmo tempo, a eleição de Joe Biden é o mais relevante acontecimento global do momento em termos de política climática — e é sobre ela que falamos na newsletter de hoje. |
Em 2018, por ocasião das eleições intercalares dos Estados Unidos (destinadas a eleger congressistas e senadores), um grupo de investigadores da Universidade de Yale procurou perceber a importância dada pelos eleitores norte-americanos ao posicionamento dos candidatos em assuntos relacionados com ambiente e as alterações climáticas no momento de votar. Os resultados mostram que as preocupações ambientais dos eleitores estão longe de influenciar decisivamente o resultado de uma votação. A proteção do ambiente surge em oitavo lugar na lista de prioridades eleitorais, atrás de assuntos como a saúde, a economia, o controlo de armas, a educação ou o terrorismo. Já o aquecimento global aparece ainda mais abaixo, em 15.º lugar. |
Mas a eleição presidencial norte-americana de 2020 não foi uma eleição qualquer. |
De um lado, o Presidente que retirou os EUA do Acordo de Paris (e que por várias vezes negou ou questionou a ciência do clima); do outro, um candidato que prometeu investir perto de 2 biliões de dólares num plano ambiental e que classificou as alterações climáticas como “ameaça existencial”. De acordo com as sondagens à boca das urnas, as alterações climáticas e os problemas ambientais foram um dos assuntos mais valorizados pelos eleitores de alguns “swing states” no momento de votar — e o tema poderá ter sido importante para eleger Joe Biden. |
Agora que venceu a eleição (mesmo que Donald Trump recuse aceitar a derrota), Joe Biden colocou o ambiente e as alterações climáticas entre as quatro prioridades centrais para o início do mandato — e tudo indica que a sua primeira ação de peso em termos de política externa passará pelo cumprimento de uma das promessas que mais repetiu na campanha: o regresso dos EUA ao Acordo de Paris. |
Donald Trump anunciou a intenção de retirar os EUA do histórico acordo em 2017, mas, devido aos prazos impostos pelo próprio articulado, esta saída só se formalizou no dia 4 de novembro deste ano — ironicamente, o dia imediatamente após a eleição que perdeu. Será uma saída breve, uma vez que Joe Biden se comprometeu a voltar a assinar o documento. Mas impõe-se a questão: reverter o que Trump fez é suficiente para voltar a colocar o país e o planeta no caminho do cumprimento das metas do Acordo de Paris? Nem por isso. |
Na verdade, antes de Trump ter começado a reverter e a anular mais de 100 políticas ambientais implementadas durante a administração de Obama, os Estados Unidos estavam apenas no campo do “parcialmente suficiente” face às ambiciosas metas do Acordo de Paris — que pretendem garantir que, em 2100, a temperatura do planeta não aumentou mais de 2ºC face aos níveis anteriores à massificação da indústria (ou seja, final do século XIX). Biden precisa de ir mais longe. Os especialistas acreditam que o plano ambiental proposto pelo Presidente eleito contribuirá para retirar 0,1ºC ao aumento de temperatura do planeta expectável até ao final do século — e deixará as metas de Paris, pela primeira vez na história, perto de poderem ser alcançadas. |
Resta saber se Biden conseguirá implementar todas as medidas que propôs. Se, como é previsível que venha a acontecer, o Senado continuar sob controlo do Partido Republicano, é possível — e provável — que o novo Presidente encontre dificuldades na implementação de políticas ambientais. |
A última decisão (apressada) de Trump |
Faltam 63 dias para a tomada de posse de Joe Biden (é a Constituição norte-americana que define o dia 20 de janeiro como o momento da mudança), e Donald Trump parece determinado a aproveitar cada um deles para contestar o resultado eleitoral e para implementar uma série de políticas antes que o sucessor ocupe a Casa Branca. Na segunda-feira, Trump anunciou que irá conceder licenças de exploração de petróleo e gás natural no Refúgio Nacional da Vida Selvagem do Ártico, uma zona protegida no estado do Alasca onde vivem espécies como o urso polar e a rena. |
A abertura daquela região à exploração petrolífera era uma ambição antiga do Partido Republicano — e alvo de contestação por parte das associações ambientalistas. O Presidente eleito, Joe Biden, também já tinha dito que era contra a perfuração daquele território protegido, que inclui mais de 7 milhões de hectares de terras que, em grande parte, nunca foram intervencionadas por humanos, por causa das suas consequências para a vida selvagem do Círculo Polar Ártico. Contudo, a emissão das licenças deverá acontecer já em janeiro, poucos dias antes da troca de Presidente, o que significa que caberá a Biden reverter a decisão. |
De acordo com os jornais americanos, a decisão de Trump foi tomada de forma apressada, com o principal objetivo de a concessão das licenças estar assinada antes da tomada de posse de Biden. Numa situação normal, o processo demoraria “vários meses”, escreve o The New York Times, lembrando que antes da concessão das licenças seria feita uma extensa avaliação das propostas recebidas. Este ano, contudo, toda a planície costeira foi disponibilizada de forma imediata. No dia 17 de janeiro, as licenças de exploração poderão estar atribuídas. |
Gonçalo Ribeiro Telles (1922-2020) |
Completa-se hoje uma semana da morte, aos 98 anos, do arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, um dos nomes mais importantes do pensamento ecológico em Portugal. Pode ler aqui o obituário completo, por Vasco Rosa, e ouvir o programa Som Ambiente desta semana, em que foi recordado o legado de Ribeiro Telles, ambientalista visionário, pioneiro e vanguardista. |