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É comum que as previsões do impacto das alterações climáticas no planeta pequem por excesso de médias. Os célebres 1,5ºC do Acordo de Paris, que se transformaram no número-chave do progresso climático, dizem-nos pouco: são menos do que a diferença entre uma manhã e uma tarde, entre um dia de primavera e um dia de verão. Até 2100, estima-se que o nível médio das águas do mar vai subir 30 centímetros. Novamente, um número suficientemente baixo para não lhe darmos especial valor — afinal, o que são 30 centímetros à escala planetária? |
O problema das médias globais? Escondem as realidades de lugares e tempos concretos. Na verdade, um aumento de 1,5ºC em média significa que há pontos do planeta onde as temperaturas poderão subir muito mais do que isso — e o mesmo acontece com a subida do nível do mar. |
Os números médios, vagos e distantes no tempo conduzem habitualmente a uma desvalorização dos perigos inerentes ao aquecimento do planeta. A pensar nisso, a jornalista e autora Isabel Lindim lançou-se numa investigação com um objetivo específico: perceber o impacto das alterações climáticas em Portugal nos próximos cinquenta anos. O resultado da investigação, que incluiu entrevistas a dezenas de especialistas em ambiente e clima, bem como a alguns dos protagonistas das soluções que poderão contribuir para mitigar o problema, foi publicado no mês passado no livro Portugal, Ano 2071. |
Ao longo de quase 200 páginas, Isabel Lindim deixa de lado as generalidades de escala global e explica aos leitores o que a ciência nos diz sobre o que vai acontecer em Portugal durante o nosso tempo de vida, se os padrões atuais não se inverterem. Numa entrevista a propósito do lançamento do livro, a autora deu-me alguns exemplos: dentro de cinquenta anos, os dias mais quentes do verão em Beja podem chegar aos 50ºC com frequência; as praias que caracterizam a costa portuguesa deverão desaparecer praticamente todas; várias povoações costeiras terão necessariamente de procurar novos lugares; e quem constrói hoje junto ao mar terá de se mentalizar para a efemeridade dos edifícios que está a erguer — em três décadas poderão estar inutilizados. |
Isabel Lindim não hesita em caracterizar Portugal como “o país mais vulnerável da Europa” às alterações climáticas. A geografia, a sul e de frente para o agitado Oceano Atlântico, deixa o país sujeito ao calor que vai subir dos trópicos e aos fenómenos extremos que vão ter lugar cada vez mais frequentemente no mar; a população portuguesa, idosa e empobrecida, sofrerá especialmente com estas condições climáticas. A solução? Assumir, desde já, que há efeitos inevitáveis — e começarmos a preparar-nos para que eles nos atinjam o menos possível. |