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Estão longe de serenados os ânimos em torno da recente polémica que envolveu a líder do PAN, Inês de Sousa Real, e as suas estufas de produção de frutos vermelhos. (Pode encontrar aqui um bom resumo da história que já levou a deputada a prometer levar “jornalistas e comentadeiros” a tribunal.) |
O facto central é este: durante vários anos, Inês de Sousa Real foi sócia de empresas que fazem produção biológica de framboesas e mirtilos em estufas abertas, conhecidas como túneis, instaladas em terrenos no concelho do Montijo. Ora, como o PAN já se manifestou publicamente contra a agricultura superintensiva praticada em enormes estufas — o exemplo mais flagrante será o das explorações de Odemira, onde a pandemia voltou a expor as condições desumanas em que tem origem 90% da produção nacional de framboesa —, depressa se multiplicaram as acusações de incoerência e as insinuações de que, afinal, a líder do PAN defendia a agricultura biológica em público e, em privado, fazia o oposto. |
Inês de Sousa Real respondeu que há uma diferença entre estufas e túneis, que a sua produção é totalmente biológica e que tudo não passa de uma “tentativa de assassinato político”. Antes de a discussão se desenrolar em torno de outros ingredientes da trama (nomeadamente, a forma como a deputada do PAN cedeu as suas quotas na empresa à sogra antes de entrar no Parlamento), a história lançou para o debate público uma série de dúvidas. Afinal, o que é — e o que não é — a agricultura biológica? Em que pressupostos assenta? O que é permitido e o que é proibido? E, no fim de contas, porque é que os produtos biológicos são quase sempre muito mais caros do que os seus equivalentes convencionais? |
Num raio de 200 metros da redação do Observador, no bairro de Alvalade, em Lisboa, há três supermercados de algumas das principais cadeias presentes em Portugal (Pingo Doce, Continente e Lidl). Passei pelos três na semana passada para verificar se, efetivamente, a diferença de valores se confirmava. |
À boleia do caso de Inês de Sousa Real, tomei os mirtilos e as framboesas como exemplo — e a média é bem reveladora do padrão. No caso dos mirtilos, os convencionais custavam em média 12,46 euros por quilograma e os biológicos 19,92 euros por quilograma, um aumento de cerca de 60%. Nas framboesas, a subida é ainda mais expressiva: 13,05 euros por quilograma para as convencionais, 22,32 euros por quilograma para as biológicas — um aumento de 71%. |
Noutros produtos, é possível encontrar diferenças ainda mais expressivas (o dobro do preço ou mais). Afinal, o que muda com um selo “BIO”? |
Com a ajuda de quatro especialistas em agricultura biológica, fui tentar descortinar o que se esconde por trás daquele selo. As diferenças nos métodos de produção, os produtos admitidos e os proibidos, a possibilidade de usar estufas ou não, o recurso a determinadas práticas laborais, a maior necessidade de mão-de-obra, os custos do licenciamento e, em última análise, o próprio produto. Conclusão? A agricultura biológica está longe de ser um mundo a preto e branco, as estufas não são necessariamente um inimigo da produção biológica, mas os hortofrutícolas biológicos ainda custam, efetivamente, mais a produzir. |
Todavia, o paradigma está, lentamente, a mudar: à medida que a procura por produtos biológicos aumenta e as políticas climáticas incluem metas de agricultura biológica cada vez mais ambiciosas, a tendência de preços poderá, no médio prazo, inverter-se. |
O mar das Selvagens é único — e vai ser totalmente protegido |
No debate ambiental em Portugal, o arranque desta semana ficou marcado pelo anúncio da criação da maior área marinha protegida com proteção total da Europa. Trata-se de uma região com 2.677 quilómetros quadrados (uma área equivalente ao distrito de Lisboa) delimitada no Oceano Atlântico, no raio de 12 milhas das Ilhas Selvagens, na Madeira, onde a partir de agora é absolutamente proibido pescar ou levar a cabo qualquer outra atividade de extração ou exploração de recursos naturais. |
Tudo porque o mar em torno das Ilhas Selvagens — o ponto mais a sul do território português — alberga “um dos melhores e mais bem preservados ecossistemas desta zona do Atlântico”. Quem mo disse esta semana foi o biólogo madeirense Paulo Oliveira, um dos membros da direção do Instituto das Florestas e da Conservação da Natureza, responsável pela área do mar e da preservação da biodiversidade no Governo Regional da Madeira, numa entrevista em que explicou a importância do mar das Selvagens enquanto exemplo mundial de preservação dos ecossistemas marinhos. |
Com efeito, as Ilhas Selvagens são um dos lugares da natureza portuguesa sob proteção jurídica há mais tempo: desde 1971 que constituem a Reserva Natural das Ilhas Selvagens, que já limitava fortemente o tipo de atividades humanas que ali podiam ser feitas. Devido a esse regime de proteção, aquela porção do Atlântico chegou ao século XXI como um dos raros pontos do globo em que o efeito nocivo das alterações climáticas e da atividade humana se faz sentir em menor escala — e ali podem ser encontrados ecossistemas únicos, que o novo regime jurídico pretende proteger mais intensamente. |
Na prática, as poucas atividades humanas ainda permitidas na região (incluindo a pesca artesanal do atum e do peixe-espada preto) passam também a estar vedadas e a Polícia Marítima, que ali tem um posto avançado, continuará a patrulhar as águas para garantir o cumprimento das normas. Como explicou na entrevista o responsável do Governo Regional, além de dar um contributo concreto para a preservação ambiental, esta medida pretende também tornar a Madeira num exemplo global de conservação dos oceanos e atrair cientistas e curiosos de todo o mundo. |