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Terça-feira, 9h37, grupo do Observador no Whatsapp: |
“@Isy, podes pôr uma frase na manchete, por favor?” |
Quem é esta Isy a quem a nossa editora executiva Dulce Neto estava a pedir para mexer no título que é só o mais importante de todo o jornal? Uma excelente pergunta, mas estranhamente nenhum dos 56 jornalistas que estão no grupo do Observador no Whatsapp a fez logo na altura certa. Apesar do nosso embaraço coletivo, ainda bem: perder-se-ia uma história bastante inusitada e divertida. |
Há algumas atenuantes para todos os habitualmente super-atentos e escrutinadores membros deste grupo — que junta jornalistas, editores e diretores para acompanharem, organizarem e gerirem todas as decisões, informações e tarefas mais imediatas do dia-a-dia. |
Primeiro, a dimensão do próprio grupo, criado seis meses antes de termos descoberto esta “infiltrada”, às 11 da noite de 13 de Março, aquela sexta-feira que marcou o início do confinamento e em que quase toda a redação do Observador exceptuando parte da equipa da Rádio passou a ficar em teletrabalho. Depois, o tipo de mensagens muito operacionais: tem normalmente um editor executivo ou um editor a dividir os trabalhos mais urgentes da atualidade entre as pessoas que estão na redação e as que estão a partir de casa (é rotativo e toda a gente ajuda a assegurar esta cobertura permanente pelo menos uma vez por semana). Por fim, a quantidade de mensagens trocadas, que muito facilmente passa as mil por dia, o que pode tornar-se praticamente impossível de acompanhar por quem não está de turno e está concentrado noutros trabalhos mais desenvolvidos. Mas não para a misteriosa Isy, como já vamos perceber, que tentou seguir tudo com muita atenção. |
Quem está de turno também está normalmente num ritmo tão frenético que pode facilmente ter deixado escapar aquela mensagem misteriosa. Acresce aqui o momento em que foi enviada: foi precisamente enquanto o ministro das Finanças João Leão apresentava o Orçamento do Estado. |
A editora executiva Dulce Neto, que enviou a mensagem, tem a maior atenuante de todas: na conversa de Whatsapp, à Dulce não aparecia escrito Isy; surgia antes o nome do Miguel Santos Carrapatoso, recentemente regressado ao Observador para assumir as funções de editor-adjunto de Política. E que foi adicionado ao grupo com dois números diferentes: um correto, o outro com uma troca no último algarismo – um 8 passou a 6, o que correspondia ao telemóvel da enigmática Isy (podia ser um diminutivo, mas nem sequer temos nenhuma Isabel ou Isilda na redação). Portanto, o Miguel também entrava na conversa e lá mudou a manchete, ficando com via aberta para enviar os pushes (notificações com notícias de última hora importantes) de cada vez que houvesse uma novidade relevante na apresentação do Orçamento. Estes pushes não devem ser enviados em simultâneo, para não se anularem um ao outro, pelo que passada uma hora e meia a Dulce Neto quis perguntar ao editor-adjunto de Política se iria enviar alguma notificação em breve ou se podia enviar um alerta relacionado com outro tema extra-orçamento. |
Mas o que saiu no grupo foi: |
“@Isy, posso mandar push?” |
Outra vez todo o poder imediato do jornal a ser colocado nas mãos desta desconhecida Isy. Que tentou ficar sem dizer nada. |
Mais 7 minutos e nova insistência da nossa editora executiva: |
“@Isy, podemos mandar push?” |
A Isy aí finalmente respondeu: “Perdão, mas adicionaram o número errado”. E saiu do grupo. |
Tornou-se imediatamente um assunto mais irresistível para quase toda a redação do que a apresentação do Orçamento (sem grande luta, aliás). |
Era demasiado tentador ir atrás da infiltrada Isy. Afinal, até tínhamos o número ali no grupo e era só ligar. Atendeu uma estudante brasileira, de São Paulo, de apenas 19 anos, recentemente chegada a Coimbra para começar a licenciatura em Direito. Contada pela própria, toda a história da forma como acompanhou o nosso grupo a partir do momento em que foi inadvertidamente adicionada, 11 dias antes, é ainda mais surreal: |
“Acordei um dia, estava no Whatsapp normalmente, vi que tinha sido colocada num grupo e pensei: ‘Ué, de onde surgiu isto?’ Não sabia bem o que fazer. Fui ver os participantes, não conhecia ninguém, mas pensei: ‘Vamos ver no que dá.’ Começaram a falar de notícias, dos migrantes que tinham fugido e foram presos, e eu: ‘Meu Deus, o que está acontecendo? Porque é que eu estou sabendo sobre isso?’ ” |
“Vi de novo os participantes no grupo, fiz um Google ao nome Dulce Neto e vi que era jornalista do Observador. Nem sabia dos canais de comunicação de Portugal, mas pensei: ‘Ah, ok, estou num negócio de jornal. Interessante, estou informada agora, acabei de chegar e estou sendo informada. Desde que não atrapalhe ninguém, tudo bem.’ Logo no primeiro dia queria saber o que estava acontecendo.” |
“Estou num grupo de Whatsapp com portugueses e contei para eles: |
– Meu Deus, estou num grupo de jornalistas!
– Que grupo?
– Acho que é do Observador. |
[A própria Isy partilhou foto das primeiras quatro mensagens em que contou a novidade a um grupo com amigos brasileiros, no dia 2 de Outubro, às 12h55: |
– Man, hoje acordei e me meteram num grupo de whatsapp.
– Vejo que são todos mais velhos.
– E agora percebo que é um grupo dos jornalistas do Observador.pt
– KKKK O que eu tô fazendo aí?
Aconselharam-na: “Fica aí e vai contando o que está acontecendo”. E a Isy ficou.] |
“Era muitas mensagens, não conseguia acompanhar. Tipo cem mensagens, não conseguia ler tudo. Era um grupo bem movimentado, com push a cada hora. Eu nem sei o que é push ainda.” [Foi-lhe explicado entretanto o que é um push, para não haver equívocos]. |
“Ia acompanhando, sem dizer nada, era como se fosse um noticiário privado. Se não fosse pelo tag até ia ficando mais tempo. Até que neste último dia, tagaram-me duas vezes e eu pensei: ‘Parece importante, não posso continuar aqui’ [Foi quando a Dulce Neto lhe perguntou se podia mexer na manchete ou mandar push]. |
“Ainda pensei que podia dizer: ‘Pode mandar, tudo certo’. Mas depois… ‘Posso estar prejudicando o cara que eles pensam que eu sou. Que bom que não aconteceu nada”. |
Mas aconteceu, claro: um dos episódios mais bizarros da vida da redação. A Isy é que não sabe, porque já não está no grupo. |