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Há histórias que marcam quem as faz e quem as lê ou ouve. Numa só semana tivemos duas. |
Quando o João Porfírio insistiu em ir com a Sónia Simões perceber como estavam as morgues a lidar com o aumento brutal de mortes desta terceira onda da pandemia, depois dos problemas que já tinham existido em março e em abril, nenhum deles esperava encontrar um cenário tão complicado de fotografar e difícil de descrever como acabou por acontecer. |
O Tomás Anjinho Chagas também nunca poderia imaginar que um simples telefonema para uma ‘peça’ da rádio acabasse na cadeia de solidariedade que se está a formar. Na sexta-feira passada, a três dias do regresso às aulas online, apenas lhe tinha sido pedido que encontrasse um caso que ilustrasse as dificuldades de muitos alunos (e pais) a quem ainda não tinham chegado os prometidos computadores para seguir os estudos à distância. A história do Rafael foi tão impactante, que ele recebeu muito mais que o portátil que precisava e sobraram ofertas para outras crianças como ele. |
Vamos por partes. Começando pelo lado mais terrível desta pandemia. |
O João Porfírio e a Sónia Simões tinham a complexa missão de mostrar e descrever, sem chocar, o que é chocante. Que algumas morgues de hospitais ficaram cheias e foi preciso alugar contentores frigoríficos, com falta de condições e sobretudo de dignidade. Que às vezes é preciso usar as lanternas dos telemóveis para procurar lá dentro. Que há pessoas como Eduardo, desempregado depois de anos a fazer casamentos, que agora só faz funerais. Que há familiares que jamais esquecerão não poderem despedir-se dos seus, como Sandra, que depois de um ano quase sem abraçar o pai para o proteger, o viu voltar do hospital infetado sem saber, contangiando-a a ela, à mãe e a todos os vizinhos que as ajudaram, e a quem não pôde dizer adeus. Como se lida com tudo isto? Com a morte? O senhor Artur, de uma funerária da Amadora, acha que um copo de vinho do Porto de manhã pode ajudar com tanta tristeza. |
Mas depois há o outro lado. Aquele que mostra o melhor de muitos. |
Esse descobriu-o o Tomás Anjinho Chagas. Sexta-feira Iuri Costa contou-lhe como o seu filho, Rafael, de 10 anos, não poderia assistir às aulas. Foi um testemunho simples (emitido na rádio e publicado no site), de alguém que está desempregado desde que começou a pandemia e, sem condições para comprar um computador, tinha de esperar pelo do ministério da Educação. No final do dia, já depois de sair da redação, ao chegar a casa, o Tomás recebeu um mail. Alguém, com um filho da mesma idade e um computador extra, tinha ouvido a história e queria ajudar. Ligou-lhe logo e depois de dez minutos telefonou a Iuri, que ficou incrédulo. |
Só que, menos de uma hora depois, chegou um novo mail parecido. De outro ouvinte que também queria ajudar. O Tomás Anjinho Chagas explicou-lhe que o problema deste aluno de Viseu estava resolvido, mas que de certeza haveria muitos como ele. Fez novos contactos e encontrou uma mãe cujo filho também não tinha computador e para quem também não iria haver recomeço das aulas. Pôs ambos em contacto e um par de dias depois recebeu a foto a mostrar que a entrega estava feita, e ainda uma mensagem a contar como vários amigos se tinham reunido para configurar o portátil e obter as licenças dos programas necessários e até a administradora da empresa quis ajudar. Mais. Iuri Costa também lhe ligou a confirmar que o filho Rafael não só já tinha computador, como a família que o ajudou lhe ofereceu igualmente um telemóvel e comida. |
E quando ontem o Tomás procurava pelos mails para ajudar a contar tudo isto, reparou que tinha acabado de chegar mais um de alguém a oferecer-se para ceder outro computador a uma criança necessitada. |