Depois de em 2019 terem assinado a investigação premiada Em Silêncio, sobre os abusos sexuais na Igreja, os jornalistas João Francisco Gomes e Sónia Simões continuaram a acompanhar o tema, a receber e a investigar denúncias. |
A primeira pista para a história que o Observador publicou no início desta semana, sobre a forma como D. Manuel Clemente não denunciou um sacerdote suspeito, chegou-lhes no início de maio. Primeiro averiguaram tudo o que conseguiram sobre o sacerdote com notoriedade, que foi responsável por paróquias do norte do distrito de Lisboa, e que foi acusado de ter abusado de um menor de 11 anos na década de 90. |
Foram ao terreno tentar desvendar a história do padre suspeito e tentar compreender a história dele. A Sónia Simões apurou que não tinha chegado a ser investigado pela polícia, nem havia qualquer queixa criminal contra ele. O João Francisco Gomes passou uma manhã na Biblioteca Nacional a traçar o seu percurso desde os anos 90 através dos anuários da Igreja e constatou que tinha sido transferido precisamente depois de a mãe do menor ter denunciado o caso pela primeira vez ao anterior Cardeal Patriarca, D. José Policarpo. A transferência geográfica era a solução habitualmente seguida pela Igreja na altura, quando eram apontadas internamente suspeitas em relação a um padre. |
Tão ou mais importante do que a conduta do padre suspeito era escrutinar a forma como a hierarquia da Igreja lidou com o caso, perceberam o João e a Sónia, depois de confirmarem que o atual cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, se encontrou com a vítima e decidiu manter o padre em funções e não comunicar o caso à polícia, contrariando as indicações do Vaticano, (mesmo em casos que possam ter prescrito, porque a pedofilia é um crime com forte probabilidade de ser repetido). |
Confrontado com a investigação do Observador, o Patriarcado de Lisboa acabou por contrariar os pronunciamentos públicos genéricos da Igreja, que promete transparência e ação imediata. O Observador começou por propor ao Patriarcado uma entrevista presencial, para que o assunto pudesse ser discutido com todo o rigor que se impõe. O Patriarcado recusou e pediu que fossem formuladas perguntas por escrito, que seriam respondidas igualmente por escrito. |
O Observador enviou 11 perguntas muito detalhadas para perceber pormenorizadamente qual tinha sido a ação da Igreja em cada momento. Alguns dias depois, o Patriarcado respondeu ao Observador enviando apenas um curto parágrafo, ignorando as perguntas enviadas. Uma nova tentativa do Observador para que o Patriarcado respondesse a mais perguntas esbarrou num telefonema do assessor a dizer que não iriam dar mais respostas. Ficou praticamente tudo por esclarecer, nomeadamente o que tinha sido feito para garantir que os crimes não se repetissem — e quais as decisões que tinham sido tomadas pelo Patriarcado. |
Só três dias depois de o Observador ter publicado a investigação é que o Patriarca decidiu escrever uma carta aberta, onde afirma que pediu um encontro com a vítima, mas procura justificar a omissão de comunicação à polícia por entender que não se tratou de uma nova denúncia. E parece querer distanciar-se dos “padrões” seguidos pelo seu antecessor na década de 1990, embora nada tenha feito em 2019 para o reverter, como notam o João Francisco Gomes e a Sónia Simões na descodificação das entrelinhas da carta aberta de D. Manuel Clemente. |
Ao longo da semana, o Observador explicou ainda o que a justiça eclesiástica podia ou não fazer. Aprofundou o tema no podcast A História do Dia. E revelou o testemunho impressionante de um professor universitário que descreveu os abusos de que foi vítima por um padre quando tinha 5 ou 6 anos: “Fomos brinquedo, agora somos incómodo”. |