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Durante seis sessões de julgamento, quem esteve dentro da sala de audiências do Tribunal de Santarém assistiu sempre ao mesmo quadro: José Azeredo Lopes sentado, a ouvir as declarações dos outros arguidos do processo do assalto aos Paióis de Tancos, quase sem reação ao que ia sendo dito e sempre de caderno na mão a tirar notas. |
O plano inicial do julgamento previa que o ex-ministro da Defesa, acusado de abuso de poder e prevaricação, fizesse isso mesmo até todas as outras pessoas que partilham com ele o banco dos réus — e que também decidiram falar — prestarem declarações. Só depois seria a sua vez. Mas quando o major Vasco Brazão, antigo porta-voz da Polícia Judiciária Militar, decidiu que só o faria mais tarde, o calendário deu uma cambalhota e Azeredo Lopes ofereceu-se para falar mais cedo. |
O seu advogado de defesa ainda garantiu aos jornalistas que isso não aconteceria — nem mais cedo, nem esta terça-feira —, mas se a ideia era despistar a atenção mediática do depoimento mais esperado do caso Tancos, não resultou. Quando, à sétima sessão, o antigo governante se levantou para contestar a acusação do Ministério Público, a sala estava cheia — dentro dos limites impostos pela Covid-19, claro. |
Não se pode dizer que tenha sido um depoimento típico. Azeredo Lopes vinha mais preparado para um discurso político do que para um interrogatório. Mais do que isso, vinha preparado para fazer um monólogo — e quase fez. Basta ler com atenção o liveblog que a Sónia Simões foi fazendo em direto de dentro da sala para perceber a velocidade a que o ex-ministro foi disparando em todas as direções. Acusou o Ministério Público de tê-lo posto numa “espécie de poste” a ouvir a “descrição de um crime”, garantiu que nunca teve conhecimento de qualquer investigação paralela, à revelia das ordens da Procuradora-Geral da República, e até descreveu a visita de Marcelo Rebelo de Sousa a Tancos, pouco depois do crime, como uma espécie de suplício: “Até rezava para aquilo acabar rapidamente”. |
Pelo caminho, o próprio Azeredo Lopes fazia perguntas e dava as respostas e, por vezes, ignorava as tentativas do Ministério Público ou do coletivo de juízes de o interromper, insistindo em seguir o seu raciocínio até ao fim — o que acabou por levar o juiz Nelson Barra a repreendê-lo: |
— O senhor faz muitas perguntas, mas tem de responder às perguntas do tribunal. — A pergunta é retórica, respondeu o ex-ministro. |
O depoimento acabaria por ser, no fundamental, igual ao que mais tem sido repetido pelos arguidos: até agora, quase todos garantiram que não cometeram qualquer crime. Todos menos um: João Paulino, que assumiu ser o cérebro do assalto feito no verão de 2017. |
Concluídas as declarações, que se prolongaram para o dia seguinte, parecia ter chegado um novo Azeredo Lopes ao Tribunal de Santarém. Visivelmente mais descontraído, o ex-ministro continuou a assistir ao julgamento com atenção, mas já com alguns apartes para um assessor de imprensa que o acompanhava e que estava sentado perto de si. |
Quando o major Pinto da Costa, da Polícia Judiciária Militar do Porto, acusado de 7 crimes — incluindo associação criminosa, tráfico de armas e denegação de justiça —, explicou em tribunal que o facto de ser envolvido no processo teve um grande impacto na terra onde nasceu e onde é conhecido até por ter sido organista da aldeia, Azeredo Lopes não resistiu a algum sarcasmo: “Bonito, isto”. |