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Bastaram 24 minutos para o João Francisco Gomes encontrar exatamente quem procurava. O jornalista do Observador tinha a missão de encontrar alguém que pudesse fazer um relato pessoal sobre a situação em Cabo Delgado, mas que a esse conhecimento direto e atual também juntasse uma visão mais abrangente sobre uma guerra que não é de agora — começou há mais de três anos. |
O momento é confuso naquela região de Moçambique, sobretudo quando tentamos aproximar-nos de Palma, a cidade tomada pelos insurgentes islâmicos nas últimas semanas e que chamou, finalmente, as atenções da comunidade internacional, quando o problema passou a afetar também estrangeiros e não apenas moçambicanos. |
Em dezembro, o João — que habitualmente trata assuntos relacionados com Religião e também de Ambiente — já tinha entrevistado o bispo de Pemba, que lhe falou no terror nas aldeias destruídas, a indiferença dos outros países e o telefonema do Papa para ajudar. Desta vez lembrou-se de que, entre os e-mails que vai recebendo da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) a propósito dos projetos desenvolvidos em todo o mundo, havia alguns sobre Moçambique. Esses comunicados citavam, essencialmente, bispos e pessoas de organizações locais, mas, lá pelo meio, alguns tinham declarações de um missionário colocado em Cabo Delgado: o padre Edegard Silva, que, há um ano, também teve de fugir para Pemba, quando a aldeia onde vivia foi invadida. |
Pediu o seu contacto à AIS, enviou-lhe uma mensagem no Whatsapp e o padre respondeu de imediato, com um áudio cheio de ruído. Nessa mensagem de voz, Edegard Silva explicava que estava em viagem, depois de ter ido visitar os deslocados em Montepuez, uma das cidades que estão cheias de pessoas que fugiram da violência. Quando chegasse a Pemba, assegurou, veria a melhor altura para conversarem. |
Acabou por não ser preciso esperar quase nada. Horas depois, quase já à noite, o padre ligou ao João Francisco Gomes e relatou-lhe a sua agenda: no dia seguinte teria uma celebração de manhã; à tarde estaria, de novo, dedicado aos deslocados; e quarta-feira voltaria a ser um dia totalmente cheio. |
“Mas posso agora.” |
Ainda tentaram uma chamada por Zoom, mas o único computador da casa não tinha internet. A ligação acabou por ser feita através de um telemóvel que tinha a câmara estragada — permitindo apenas que se gravasse o som. Imagens, só as que o missionário enviaria depois: fotografias que ainda conseguiu fazer de aldeias completamente destruídas e da população em fuga para o mato, quase sem nada. |
A entrevista durou quase uma hora. Durante a conversa, Edegard Silva explicou que o toque do sino nas aldeias se transformou no sinal de ataque iminente, descreveu a sua própria fuga e a forma como os deslocados estão a chegar a outras localidades, lamentou a falta de ação do governo e assegurou que a polícia e os militares são insuficientes para lidar com a violência dos terroristas islâmicos. E deixou um alerta: os trabalhadores estrangeiros das grandes empresas que estavam em Palma têm sido retirados de barco ou de avião. Mas “o povo simples continua no mato”. |