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A entrevista tinha sido marcada de véspera. A jornalista Tânia Pereirinha tinha combinado encontro à porta do tribunal de Reguengos de Monsaraz com a filha de uma das utentes do lar que morreu com Covid. Chegou dez minutos antes com o fotojornalista Filipe Amorim, mandou mensagem e nada. Ligou passado um bocado, mas a chamada foi rejeitada. Ao fim de meia hora, a entrevistada mandou mensagem: “Não estou em Reguengos, tenho um familiar doente”. |
Como quase toda a gente se conhece na terra, disseram-lhe pouco depois que a entrevistada tinha estado no café uma hora antes: muito provavelmente arrependeu-se e já não quis dar a entrevista. Não foi caso único. Uma das pessoas com quem a Tânia falou descreveu-lhe “um clima de receio e de medo em Reguengos, um ambiente quase feudal, em que o presidente da Câmara controla tudo e as pessoas não querem falar”. |
Apesar deste cenário sinistro, a equipa do Observador conseguiu entrevistar uma funcionária e uma ex-funcionária do lar, onde 80 dos 84 utentes ficaram infetados, 16 dos quais viriam a morrer, muitos por desidratação e agravamento das doenças (e não da pneumonia provocada pela Covid-19). Para ninguém ver as funcionárias a falar com o Observador, as conversas realizaram-se em casa de outras pessoas, que emprestaram o espaço para os encontros decorrerem de forma discreta. |
A única excepção foi uma moldava que há 15 anos se mudou para Reguengos, onde tem uma clínica. A Tânia tocou à campainha sem combinar, explicou quem era, foi convidada a entrar e a sentar-se no consultório, ao lado da cadeira de dentista, e ouviu a história da prima, Ludmila Istratuc, a única funcionária do lar a morrer na sequência deste surto de Covid-19. Mostrou-lhe os vídeos da homenagem que os amigos lhe fizeram e revelou que a família já contratou um advogado, para processar a fundação que detém o lar. Vale a pena ler a reportagem para perceber melhor o que se passou ali – e como foi possível. |