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Sim, o jejum intermitente pode ser assustador |
Na sequência dos primeiros artigos que li sobre as formas de fazer jejum intermitente e os seus benefícios, pensei que seria muito difícil convencer as pessoas a quem sempre recomendei que se alimentassem de três em três horas. “E agora, como explicar as vantagens de alargar os intervalos — cada vez maiores — entre refeições?” |
Paralelamente, parecia-me impossível implementar em mim. Sempre fui aquela pessoa que ia a correr e em sofrimento fazer análises clínicas de manhã, por pensar que não aguentaria muito tempo em jejum, com medo de me sentir mal, sem forças e com dores de cabeça. Mas quando percebi o que deveria fazer e como o deveria fazer, experimentei e fiquei rendida. O meu nível de energia durante o período de jejum aumentou e, consequentemente, o meu rendimento profissional também. E é, desde logo, uma vantagem enorme, já que reduz a necessidade de procurar alimento para manter os níveis de energia estáveis. |
As ciências da nutrição, apesar de não serem recentes (a primeira licenciatura de Nutrição em Portugal começou em 1987) têm evoluído muito nos últimos dez a quinze anos e isso deve-se ao investimento em investigação. O jejum intermitente é um dos “presentes” que a ciência nos deu para alcançarmos melhores resultados de saúde através da alimentação. |
Podemos definir jejum intermitente como uma estratégia de gestão de períodos de jejum (ou abstinência de alimentos calóricos) com períodos de alimentação, aos quais damos justamente o nome de “janela de alimentação”. As estratégias para esta prática tornaram-se muito populares nos últimos anos e estão associadas a uma perda de peso clinicamente significativa, com melhoria à resistência à insulina e de marcadores de inflamação. |
Existem vários protocolos que exigem mais ou menos horas de jejum: |
- Jejum periódico, que implica restrições calóricas por cinco dias consecutivos, algumas vezes por ano;
- Jejum com restrição horária, sendo o mais conhecido o 16-8, em que a janela de alimentação será de oito horas, durante as quais se pode comer a mesma quantidade de comida de um dia regular (porém, em regra isso não acontece). Neste 16-8, a janela de jejum será de 16 horas (e pode chegar às 18);
- Jejum de 22 a 24 horas, que implica apenas uma refeição por dia, mas não pode ser feito em dias consecutivos (e no máximo uma a duas vezes por semana);
- Jejum em dias alternados, que são uma restrição muito agressiva, na qual se limitam as calorias em alguns dias da semana,. Está menos estudada em termos de benefícios e o método mais conhecido é o 5-2, em que se restringem as calorias em dois dias da semana para 500kcal e nos restantes dias a alimentação é livre.
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O tipo de jejum intermitente mais comum (e o mais estudado), é o da restrição horária 16-8 em que classicamente há uma abolição do pequeno-almoço ou do jantar para completar o intervalo de horas. É importante que este jejum de 16 horas não seja feito todos os dias da semana, mantendo pelo menos dois dias em que se fazem 12 a 14horas de restrição (o que na verdade já é considerado jejum, mas menor). |
Para que traga benefício para a saúde, não existe, um número mágico de vezes semanais a fazer. Tanto se consegue fazendo apenas uma vez à semana como mais. O que é realmente importante é que não seja causador de stress ao nosso corpo. |
Se está a pensar em seguir esta estratégia alimentar, tenha estes pontos em consideração: |
- O radicalismo não funciona. Se tiver sintomas nefastos como cãibras, dores de cabeça ou mesmo muita fome quando começa a comer é porque não está a funcionar e a estratégia deve ser reavaliada.
- A contagem das horas deve ser feita sempre entre o final da última refeição do dia anterior e o início da primeira refeição do dia seguinte.
- É de extrema importância que durante o período de jejum se hidrate muito bem com líquidos não calóricos. Água ou chá/tisanas, desde que não adicione açúcar nem adoçante, leite ou qualquer outro alimento. Pode ainda beber café ou descafeinado.
- O jejum intermitente é uma estratégia que deve ter orientação clínica. Deverá ser aconselhado por um profissional de nutrição, uma vez que existem algumas contraindicações que deverão ser identificadas, como intolerância individual, gravidez, diabetes tipo 1 e insuficiência renal, entre outras. Também deverá ser avaliado se compensa o risco-benefício, como nos casos de doenças da tiroide.
- Os homens têm benefício em fazer um jejum mais longo (como o das 18 horas) face às mulheres, que parecem beneficiar mais do jejum de 14 horas. Isto prende-se com a diferença hormonal inerente.
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E quais são, ao certo, os benefícios do jejum intermitente? |
- Controlo da fome: com o jejum conseguimos aumentar a sensibilidade às nossas hormonas da fome: insulina, grelina e leptina. Por exemplo: na obesidade é comum haver resistência à leptina e por isso as quantidades de alimento consumido são sempre maiores; o jejum consegue tornar a leptina mais sensível e assim aguentar mais tempo sem vontade de comer.
- Ajuda a controlar os níveis de açúcar no sangue, reduzindo o risco de diabetes tipo 2: o jejum aumenta a sensibilidade periférica aos efeitos da insulina, contrariando assim a resistência a esta e reduzindo o risco de diabetes
- Ativa o processo de autofagia das células: este será um dos benefícios mais importantes do jejum. Segundo este processo, natural, as células mortas ou com doença ou não funcionantes são substituídas por outras saudáveis. Quase como o que acontece com as folhas de outono castanhas e velhas que caem e são substituídas por outras verdes e novas. É assim um processo de reparação das células que se ativa quando estamos em jejum. A implicação positiva que pode ter em muitas doenças (nomeadamente cancro) é enorme.
- Estimula o sistema imunitário através do processo de autofagia: em jejum, o nosso sistema está em modo poupança de energia e, entre outras coisas, recicla células do sistema imunitário que não são necessárias, principalmente as que estão velhas e estragadas. Sabe-se também que quando se inicia a janela de alimentação após um jejum, o sistema imunológico responde formando glóbulos brancos mais fortes.
- Aumento de energia física e mental, que mais uma vez está associado aos períodos de jejum onde se criam corpos cetónicos que são outra forma de o nosso corpo obter energia.
- O jejum de 12h deverá ser respeitado por todos os adultos e os horários das rotinas repensados. Quando se inicia a janela de alimentação, é importante que a carga de hidratos de carbono seja reduzida, privilegiando as proteínas como iogurtes, ovos e frutos secos na primeira refeição.
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Verdadeiro ou falso? A privação de sono faz-nos comer mais. |
Verdadeiro. A privação de sono altera a produção das nossas hormonas que regulam o apetite. A grelina (hormona da fome) fica aumentada e a leptina (hormona da saciedade) fica diminuída, levando a mais vontade de comer e muitas vezes resultando em comer de forma inconsciente alimentos muito calóricos (principalmente ricos em gordura). |
Uma pergunta frequente nas consultas: como tenho compulsão alimentar, posso fazer jejum intermitente? |
O que está descrito na literatura é que em casos de problemas de comportamento alimentar pode ser arriscado fazer-se jejum (superior a 14h) por poder haver uma sensação de descontrolo por falta de rotinas e também por, inconscientemente, esta ser uma forma de compensação dos dias de descontrolo. Nestes casos, o mais importante será a rotina ser definida entre o paciente e o nutricionista quanto ao número de refeições, o qual deveria ser mantido diariamente, assim como os horários das mesmas. |
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Neste episódio do podcast que tenho na Rádio Observador, deixei algumas dicas para quem tem medo do jejum intermitente. |
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Mariana Chaves é nutricionista clínica, autora do podcast Aprender a Comer, na Rádio Observador, e do livro Dieta Única (ed. Guerra e Paz, 2016) [ver o perfil completo]. |