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Comer pão em 2022 já pode ser saudável? |
O pão faz parte dos hábitos alimentares dos portugueses. Mas, apesar da popularidade, é difamado como sendo o causador dos quilos a mais e das barrigas insufladas. Ora, porque o pão mais comum no nosso país é a carcaça (ou papo seco), feito à base de farinha de trigo bastante refinada, concentremo-nos então nessa variedade para entender o impacto na nossa saúde. |
Em termos nutricionais, o pão branco é muito pobre quando comparado, por exemplo, com uma fruta ou vegetal. O pão tem um conteúdo muito baixo em proteínas, vitaminas, minerais e fibras. Por outro lado, é rico em calorias e hidratos de carbono, em especial amido. Além disso, o pão branco clássico tem um índice glicémico mais alto que o açúcar de açucareiro (sacarose). |
Sim, leu bem. Mas o que significa ao certo “índice glicémico mais alto”? Quer dizer que a absorção do hidrato de carbono é mais rápida, logo uma carcaça aumenta a glicémia (açúcar no sangue) mais do que o açúcar. O que se reflete na alteração das nossas hormonas, num aumento proporcional da insulina e consequentemente na inflamação do nosso corpo. Em paralelo, há um aumento da vontade de comer, criando um ciclo vicioso de procura da sensação de bem estar que o hidrato de carbono de absorção rápida fornece. Juntando a isso o facto de a carcaça não ter fibra (e portanto não ficamos saciados com uma fatia do tamanho da palma da mão), acabamos por exagerar na quantidade de pão. |
Claro que, além da quantidade de pão que ingerimos, o que colocamos lá dentro é determinante para a curva da glicémia. A nossa escolha pode ajudar (ou prejudicar) na carga glicémica dessa refeição. Se for doce ou marmelada, por exemplo, vamos aumentar ainda mais o pico de glicémia, pelo que é desaconselhado. A manteiga é uma opção comum em Portugal, mas não é, de todo, a gordura mais saudável — pelo contrário. Ovo mexido, queijo, paté de azeitona ou de sardinha ou hummus serão sempre melhores soluções, porque adicionam proteína ou fibra além da gordura. |
O consumo do pão diminuiu nos últimos anos, em detrimento do aumento de consumo de alimentos substitutos, como as bolachas e cereais de pequeno almoço. Mas isso não foi uma boa troca para a saúde dos portugueses. |
Por outro lado, o consumidor mais consciente tem feito o mercado do pão evoluir e hoje em dia há cada vez mais opções integrais, com grandes concentrações de sementes e frutos secos, sem glúten, germinados, rico em ómega-3, etc. Houve um upgrade ao valor nutricional do pão, com soluções ricas em fibra, em gordura saudável, em vitaminas do complexo B e minerais. E também a indústria da panificação voltou às origens e está a defender a maneira tradicional de confecionar o pão, ou seja, voltou à fermentação lenta (em regra 16 a 24 horas) que beneficia o sabor mas também a digestibilidade. Neste processo é feita uma fermentação natural com leveduras selvagens e bactérias, as quais vão fazer uma pré-digestão do glúten. Nos dias de hoje o trigo tem 20 vezes mais glúten que o trigo de antigamente, o que torna este processo ainda mais essencial. Este tipo de fermentação permite também uma melhor absorção dos micronutrientes e o produto final tem um índice glicémico mais baixo. |
Desta forma, o pão deixou de ser um vilão e passou a ser aliado da nossa saúde. Pelo menos para quem não tem sensibilidade ao glúten… mas isso fica para outra newsletter. |
Esta evolução do consumidor já está a permitir que as alternativas à carcaça deixem de ser os pães altamente processados, com prazos de validade gigantes e feitos com mil e um ingredientes indecifráveis em vez dos quatro que são a base do pão tradicional: farinha, água, sal e fermento. Nesses pães industrializados encontramos também na lista de ingredientes gorduras de má qualidade com impacto negativo na saúde já comprovado (óleo de palma, colza) e até açúcar, para que se mantenha fofo e “fresco” por muito tempo. Na realidade, quer dizer que o pão industrializado é apenas um disfarce (quase de carnaval) para um doce clássico, porque no nosso sangue o pão branco é interpretado como uma guloseima. Mas não é só isso: no caso dos pães industrializados, a fermentação é química e rápida e não há tempo para a pré-digestão do glúten. Daí também uma maior sensibilidade ao glúten que pode ser o responsável pela distensão abdominal. |
Se pensarmos que “somos o que comemos” devemos ser cada vez mais criteriosos nas nossas escolhas. A indústria vende-nos pães bons, maus e assim-asssim. Cabe-nos a nós escolher. E se o fator conservação é um tema, o ideal é congelar o pão já fatiado pronto a ser consumido todos os dias, sem desperdício. |
Lembre-se: não existe só um tipo de pão (estou a falar dos verdadeiros), e a diversificação das farinhas permite mais riqueza nutricional. Aposte na diversificação dos cereais, em métodos de fermentação lenta e mantendo sempre uma boa fonte de fibra, seja ela pela farinha integral ou frutos secos/sementes. E experimente variantes sem glúten. Mas atenção: nunca as versões industrializadas. A diversificação e a moderação são sem dúvida os segredos para se comer pão sem que este monopolize a dieta e, consequentemente, a nossa saúde e peso. |
Como sei que o tema é importante e há ainda muito para escrever sobre o pão, em breve voltarei a este elemento marcante da nossa alimentação. |
Verdadeiro ou falso? Quero emagrecer, por isso vou cortar as gorduras |
Falso. Há muitos estudos que comparam os resultados de dietas ricas em gordura e dietas pobres em hidratos de carbono (mas também pobres em gordura) no que diz respeito à eficácia na perda de peso e ao risco cardiovascular. Apesar de ser um tema controverso, a tendência mostra que são ambas válidas e com resultados muito semelhantes, que não se obtêm ao “cortar” alguma coisa mas sim ao adotar uma estratégia consistente, saudável e exequível. |
Uma pergunta frequente nas consultas: posso beber água à refeição? |
Até um copo médio por refeição parece-me bem. Mas a água deve ser preferencialmente consumida fora da refeição. A razão de se limitar o consumo à refeição prende-se com o facto de queremos manter o pH do nosso estômago ácido. No estômago produz-se o suco gástrico, crucial para ativar enzimas digestivas – as ferramentas para uma boa digestão. Quando juntamos grandes quantidades de água a um liquido ácido estamos a diminuir a sua acidez, logo a comprometer a digestão. Mas apenas um copo de 250ml não vai alterar o pH do estômago. Este tema foi também falado neste episódio do poddast Aprender a Comer. |
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Da autoria do neurologista norte-americano David Perlmutter, oferece informação válida e atualizada sobre o impacto da alimentação na saúde do nosso cérebro. Mas não só: a associação entre a doença de Alzheimer e hábitos alimentares vem aqui bastante documentada e pode ser uma boa ferramenta para quem quer trabalhar a prevenção e melhorar a saúde cognitiva.
(ed. Lua de Papel) |
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Mariana Chaves é nutricionista clínica, autora do podcast Aprender a Comer, na Rádio Observador, e do livro Dieta Única (ed. Guerra e Paz, 2016) [ver o perfil completo]. |